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“Vinotinto” pode ser pedra no sapato de Sabella

Amorebieta recebe o abraço dos colegas, no assombroso feito de Puerto La Cruz

Não é a primeira vez que a Albiceleste se apresenta bem nas Eliminatórias e tampouco é inédita a intensidade da autoconfiança que o seu elenco demonstra. Apesar disso, nesta atual edição da corrida, rumo a um Mundial, parece haver algo a mais. Talvez seja o pé-no-chão que a equipe de Sabella demonstra, talvez seja o momento de “Lio”, mais maduro e eficiente que nunca em sua carreira. Desta forma, tudo leva a crer que será com antecedência que a Argentina vai se classificar para o Brasil/2014. Porém, a Venezuela pode ser um rival perigoso porque também ela vive o seu momento de euforia. E se combinamos que ha razão para isso, é preciso combinarmos que esta razão não é desmedida.

A Argentina é a líder absoluta da corrida sul-americana para o Brasil/2014. E os números não mentem: são nove jogos, com seis vitórias, dois empates e uma derrota. São 20 gols a favor e sete contra. Dos três artilheiros da competição, dois deles são argentinos: Higuaín e Lionel Messi. Ambos têm sete gols e rivalizam com o uruguaio Luís Suárez o posto de líder da artilharia. Mas se os números materializam a superioridade albiceleste frente a qualquer rival, há de fato motivos para temer algum deles?

Talvez sim, se associarmos o conceito de medo ao de precaução. Ainda que vá encarar a Venezuela em terras argentinas, a seleção do Pachorra precisa abrir os olhos para o grande momento histórico que vive a Vinotinto. Fácil é pensar na campanha albiceleste para se esquecer que foi justamente contra o selecionado dirigido por César Farías que a Albiceleste perdeu sua única partida na atual edição das Eliminatórias.

A derrota argentina ocorreu no dia 11 de outubro de 2011, com um gol de Amorebieta, aos 15 minutos do segundo tempo. Um assombro. E se o feito de Puerto La Cruz foi histórico para a Venezuela, é preciso ter claro que ele foi apenas mais um, no atual momento da Venezuela. Antes disso, “los Llaneros” jamais haviam vencido uma partida diante da Argentina. Pois bem, se a atual Vinotinto faz história, isto ocorre justamente pela consecutiva quebra de tabus. Eles são a marca do selecionado que atualmente ocupa o quarto lugar nas Eliminatórias e à frente de Uruguai, Chile e Paraguai, por exemplo.

No seu típico estilo de provocar reflexões com perguntas, o técnico César Farías soltou esta: “alguma vez a Venezuela conseguiu algum resultado positivo ao enfrentar a Argentina como visitante?”. A colocação tem um tom de otimismo de quem acredita piamente que pode complicar a vida da Albiceleste, no Monumental de Núñez. Farías apresentava o mesmo tom em declarações bem parecidas, quando recebeu o mesmo rival em Puerto La Cruz. Na ocasião, muitos torciam o nariz para o técnico e até riam. E quem disse que hoje a situação é diferente? Parece inconcebível, para muitos, que “los Llaneros” sequer consigam um empate no Monumental. Dentre esses, alguns chegam ao riso irônico e sarcástico só de pensar numa vitória venezuelana.

Inteligente, César Farías não se cansa de utilizar justamente a descrença frente à sua seleção como fator anímico para o grupo. Neste sentido, quanto mais o rival é poderoso mais o discurso do jovem técnico ganha relevância diante de seus jogadores. E, neste sentido, a presença de nomes como os de Higuaín, Mascherano, Agüero e Di María importam muitos mais do que os anônimos de uma esquadra de futebol qualquer. E, não bastasse tudo isso, vale destacar que a presença do maior jogador do mundo chega a ser, para Farías, um motivo para comemoração.

Para anunciar o substituto do lateral Rosales, o técnico tuitou: “quem foi o lateral direito dos últimos dois jogos?”, perguntou o treinador, em referência ao excelente trabalho realizado por Alexander González na vitória e empate diante do Paraguai e Equador, respectivamente. A atitude do treinador faz parte de sua postura de valorização do elenco e da constituição de uma espécie de “família futebolística” muito parecida com a que Luiz Felipe Scolari constituiu no Brasil campeão de 2002.

A postura de Farías reconhece na prática da humildade uma forma de atrair à Vinotinto a simpatia de todos e em todos os lugares. Não faz isto à toa; pelo contrário, o jovem comandante sabe que a admiração e simpatia generalizada são um combustível essencial para ferver nas veias de seus atletas a autoestima que eles precisam para continuar a fazer história. E é isto o que explica algumas de suas atitudes.

O técnico agradeceu ao Estudiantes de La Plata, por ficar na sede do clube e fez questão de se referir a uma figura quase anônima, nesses casos: o cozinheiro. “O Chief da sede é o popular ‘Peque’. Ele não somente nos faz a comida apropriada como ainda é um grande motivador para os nossos jogadores”, disse Farías, fazendo questão de recordar o momento em que a Venezuela se hospedou por duas vezes em La Plata para a Copa América 2011.

Numa época em que a maioria dos técnicos de seleções compram briga com os clubes por dificultarem a liberação de jogadores, Farías acena com a bandeira branca: “Vizcarrondo descansará hoje e amanhã, pela manhã, estará na concentração, já à nossa disposição”, disse o treinador, em reconhecimento e agradecimento ao Lanús, por poupar o chefão da zaga vinotinto.

Essa atmosfera positiva tem em César Farías o seu mentor e, nos bravos jogadores llaneros os operários que dentro de campo têm mudado a cara do futebol venezuelano. E é para essa esquadra que a seleção do Pachorra não pode dar mole. Afinal, certo é que a priori a Argentina é franca favorita para o confronto de sexta-feira. Só que esse favoritismo precisa ser construído dentro das quatro linhas, durante os 90 minutos e com a devida atenção que o rival faz por merecer.

Se for diferente, os atletas albicelestes estarão materializando, dentro de campo, aquilo que uma visão generalizada e pouco atenta costuma fazer fora dele: subestimar a Venezuela. Se isto ocorrer, um empate ou vitória venezuelanos jamais podem ser descartados.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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