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Vai ter Copa (de Basquete)! Conheça o histórico argentino

Scola, um dos remanescentes para 2014 da “geração dourada”, foi na Copa passada o primeiro argentino a se tornar cestinha na história da competição

Desde 1970, ano o basquete, muito popular na Argentina, tem sua Copa nos mesmos anos dos mundiais da FIFA. E hoje começa a mais nova edição, na Espanha dos irmãos Gasol. Ainda com resquícios da Generación Dorada, os argentinos, únicos americanos dentre os fundadores da FIBA, já fizeram história no torneio. Foram nada menos que os primeiros anfitriões e os primeiros campeões, em 1950 – a primeira vez que uma seleção argentina foi campeã mundial foi nessa outra Copa. E o ensaio para o ouro olímpico em 2004, retratado anteontem (veja aqui), veio na edição de 2002, com um vice polêmico.

Para ler a relação entre clubes de futebol argentinos com o baloncesto, clique aqui.

A primeira Copa serviu para celebrar o centenário de morte do Libertador argentino, José de San Martín, e foi realizada toda no Luna Park, espécie de Madison Square Garden portenho por também servir a casa de shows, boxe, tênis… foi lá, aliás, que Perón conheceu Evita. A fórmula de 1950 foi confusa, com fases preliminares a algumas seleções e repescagens aos derrotados. E os hermanos se preparam com esmero – a comissão tinha até podólogo – e fizeram campanha incontestável, vencendo a todos que enfrentaram: 56-40 na França, 40-35 no Brasil (o clássico foi o de placar mais apertado para os anfitriões), 62-41 no Chile, 66-41 novamente sobre a França, 68-33 no Egito e 64-50 nos temidos EUA.

Eram tempos de jogo menos frenético e nenhum time chegou aos 70 pontos. Contra os ianques, a superioridade caseira veio desde o início, com um 34-24 no primeiro quarto. A estratégia do técnico Jorge Canavesio foi basicamente mexer no time quando a vantagem diminuía perigosamente a 3. Isso ocorreu duas vezes e a manobra deu certo: o primeiro reserva usado, Rubén Menini, contribuiu com 7 pontos. Mas foi a segunda que se mostrou realmente decisiva: Hugo Del Vecchio, um dos que vinham de clubes de futebol (era do Rosario Central), marcou exatamente os 14 pontos de diferença.

A grande figura, porém, foi Oscar Furlong, cestinha do jogo com 20 pontos. Ele já era conhecido pelo adversário desde as Olimpíadas de 1948, quando fizera 18 e ajudara a Argentina a ficar a uma cesta de empatar com os EUA, que venceram na ocasião por 59-57, sendo descrito pelo técnico adversário como um dos melhores do mundo – Furlong chegou a ser convidado a jogar no Lakers, então uma franquia de Mineápolis e não de Los Angeles. Foi eleito para o quinteto ideal de 1950, junto com o capitão Ricardo González, e o melhor da competição, e jogaria no campeonato universitário ianque. Em 1955, impuseram a primeira derrota olímpica dos EUA, nos Pan-Americanos.

Campeões de 1950. À direita, o capitão González e a estrela Furlong, eleitos ao quinteto ideal da edição

Os Harlem Globetrotters visitaram o país e atestaram que os argentinos realmente estavam entre os estrangeiros mais técnicos que haviam enfrentado. Mas a seleção não foi defender o título mundial no Brasil, em 1954, pelas más relações entre os dois governos na época. E politicagem, mas dos opositores de Perón, também daria um fim perpétuo do basquete aos campeões de 1950: por terem recebido carros do ex-presidente, os vencedores teriam descumprido a obrigação amadora para a bola laranja no país, na estúpida visão dos militares, e foram banidos em 1957 do basquete argentino. Nem Furlong escapou: ele passou a se dedicar ao tênis e chegou a treinar a seleção na Copa Davis.

O expurgo foi desastroso. A terceira Copa do Mundo foi em 1959 e a Argentina ficou só em nono. Em 1963, oitava. Em 1967, de novo como anfitriã, chegou ao heptagonal final, até perdendo por dez pontos para os EUA e vencendo o Brasil. Mas foi trucidada pelas potências comunistas e ficou em penúltimo no heptagonal. E a decadência passou a ser também continental: das Copas de 1970, 1974, 1978 e 1982, os hermanos só se classificaram para a de 1974 (e nela caíram na primeira fase). Nas Olimpíadas, foi ainda pior, com a seleção simplesmente se ausentando entre 1956 e 1992.

Em 1986, o cenário era mais alentador. O Ferro Carril Oeste, naquela década, foi três vezes campeão sul-americano e ficou a míseros seis pontos de ser campeão mundial de clubes, perdendo em 1985 (ano da criação da liga nacional) por essa desvantagem para o Žalgiris Kaunas, repleto de soviéticos campeões olímpicos em 1988 e por lituanos bronzes em 1992 após perderem só para o Dream Team. Eram os anos de ouro do Ferro como um todo: o clube acabaria premiado pela UNESCO – veja aqui.

Na Copa 1986, a Argentina ficou só em 12º, mas se deu o gostinho de vencer os campeões, os EUA, por 74-70. Em 1990, alguns da Generación Dorada já apareciam nas seleções juvenis, mas a principal, que sediou a Copa, decepcionou e ficou só em 8ª. Foi 9ª em 1994 e, em 1998, de novo 8ª. Não fizeram verão, mas as andorinhas hermanas fizeram individualmente bom papel: Miguel Cortijo (daquele Ferro Carril Oeste) foi o líder de assistências na Copa 1986 e Marcelo Milanesio conseguiu o mesmo em 1994. Rubén Wolkowyski, da Generación Dorada, foi o pioneiro e esteve na Copa 1994. Ele também foi o primeiro argentino na NBA, em 2000, junto com Juan Pepe Sánchez.

A final entre URSS e Iugoslávia (Divac é o barbudo) na última Copa sediada na Argentina, em 1990: curiosamente, Scola é o “gandula” sentado no canto esquerdo. À direita, Milanesio, líder em assistências na Copa 1994

Outros da geração dourada já estavam em 1998, casos do próprio Sánchez e de Hugo Sconochini, Alejandro Montecchia, Fabricio Oberto e a lenda Manu Ginóbili. Eles e Luis Scola haviam sido quarto colocados no mundial sub-22 de 1997. Mas eles seguiram desacreditados até 2002: os futuros campeões olímpicos de 2004 sequer haviam se classificado aos Jogos de 2000. Em 2002, receberam a companhia de Leonardo Gutiérrez, Lucas Victoriano, Gabriel Fernández e Leandro Palladino, todos também de 1997 e campeões sul-americanos juvenis em 1994 na altitude boliviana – vinte anos depois, Gutiérrez estará nessa Copa 2014 como um dos últimos remanescentes da geração.

O grande momento em 2002 veio na segunda fase de grupos. Argentina e EUA já estavam classificados às quartas-de-final, mas o detalhe não diminuiu a história. Os EUA eram os anfitriões e sua seleção principal estava invicta havia dez anos, justamente o momento em que ela passou a se compor só com jogadores da NBA, autorizados na seleção pela FIBA desde 1989. Naquele 4 de setembro de 2002, veio a primeira derrota da seleção da maior liga de basquete do mundo. Sem deixa-los correr, marcando por zona, os argentinos sufocaram a correria adversária naquela noite em Indianápolis.

Os hermanos criaram vantagem desde o início e chegaram a estar 20 pontos na frente, vencendo ao fim por 87-80. “Jogamos com uma tensão e uma adrenalina constantes. (…) Num momento estás 18 ou 16 na frente e dizes permanentemente ‘vão virar, vão virar’. Ou, por exemplo, nos falávamos entre nós: ‘temos que defender bem o próximo ataque, porque se de 14 de diferença baixa para 12, pode-se complicar…’. Todo o jogo foi assim, (…) quando faltava um minuto e estávamos 10 pontos à frente, nos olhamos no meio do campo e nos dissemos ‘os ganhamos, já os temos’. Até esse momento não acreditei que os ganhássemos”, relatou Ginóbili.

A Argentina foi avançando, deixando no caminho Oscar e demais brasileiros nas quartas e Dirk Nowitzki (eleito melhor jogador do torneio) e outros alemães nas semis e vencia a Iugoslávia, maior campeã do mundo, até os últimos 17 segundos, quando os europeus igualaram em 75-75 em dois tiros livres. A 5 segundos, poderia ter vindo a virada, mas Vlade Divac, remanescente daquele título dentro da Argentina em 1990 na última taça antes da separação do país, errou outros dois tiros livres. E aí veio a polêmica: no contra-ataque do rebote, Sconochini tentou sem sucesso uma última cesta. Só que foi derrubado na tentativa. O árbitro achou que não, mas dias depois admitiria o erro, declarando que passou uma semana em claro por isso. Na prorrogação, deu Iugoslávia 84-77.

Vitórias sobre os EUA: contra amadores (mas campeões) em 1986 e na primeira derrota que a seleção ianque só jogadores de NBA sofreu, e em plena Indianápolis, em 2002

O detalhe é que os argentinos jogaram desfalcados na maior parte do tempo simplesmente de Ginóbili, lesionado no joelho e modesto: “forcei a situação e pedi para jogar uns minutos. Quis me fazer de herói e ajudar no aspecto psicológico, mas esse plantel não precisava”. Ele já havia sido adquirido pelo San Antonio Spurs em 1999 (curiosamente, soube do draft em Macapá) mas só foi requerido depois daquela Copa. E em sua primeira temporada, foi logo campeão na NBA. Ganhou quatro dos cinco títulos do Spurs na liga, incluindo a da última edição, e será o grande desfalque dessa Copa 2014.

A volta à elite mundial não foi fogo de palha: sacramentou-se nas Olimpíadas de 2004, que rendeu o primeiro ouro da Argentina nos Jogos desde 1952, quando vencera no remo. A trajetória foi contada anteontem, em especial linkado no primeiro parágrafo. Por muito pouco, não veio nova final de Copa em 2006: a Espanha de Pau Gasol, futura campeã, derrotou os campeões olímpicos por 75-74 nas semifinais. Pepe Sánchez prosseguiu a tradição recente da Argentina ter o melhor armador das Copas, sendo o líder das assistências. Pablo Prigioni manteve isso na de 2010, sendo ele o líder, na edição onde Luis Scola foi além: se tornou o primeiro hermano cestinha de um mundial.

Hoje a seleção atravessa transição, com direito a derrota para a Jamaica nas eliminatórias. O técnico Rubén Magnano, do período 2002-2004, treina justamente o Brasil. Fabricio Oberto é o mais recente a se aposentar. Além de Gutiérrez, os remanescentes desse período são Scola (“é mais imprescindível que eu”, afirmou Ginóbili, que já não havia jogado a Copa passada, sobre o sósia de Loco Abreu),  o flamenguista Walter Herrmann e Andrés Nocioni, do Real Madrid. Outro veterano é Prigioni, do New York Knicks e que estivera também entre os quase finalistas de 2006.

Dos novatos, prestar atenção especialmente nos armadores Facundo Campazzo, outro do Real vice da última Euroliga, e Nicolás Laprovíttola, outro flamenguista recém-campeão da última Liga das Américas. Outro do Novo Basquete Brasil é o ala Marco Mata, do Franca. A estreia da seleção é contra Porto Rico, às 12h30, pelo horário de Brasília. A ESPN+ exibirá a partida às 8 da noite.

A delegação por bem pouco não campeã em 2002: geração literalmente dourada dois anos depois

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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