Sul-Americana

Um título ainda incerto

Em campo, não houve dúvidas: o São Paulo mereceu o título, por ter sido muito superior ao Tigre. Mas o fato de o Matador não ter voltado para o segundo tempo fez com que a conquista tenha se tornado incerta. Para quem gosta de futebol, ficou um gosto amargo de não saber se quem deu a volta olímpica de fato é o campeão.

Nos 45 minutos em que a bola rolou, o São Paulo foi infinitamente superior. Quando o primeiro tempo terminou, o Tricolor Paulista vencia por 2 a 0 pela simples razão de ter um time melhor e fazer essa superioridade valer dentro do campo. O que não é exatamente uma surpresa. O clube do Morumbi foi o quarto colocado no Brasileirão, tem um belo time e enfrentava o vice-lanterna do campeonato argentino.

Após o São Paulo abrir vantagem, as coisas começaram a se complicar. Evidentemente alterados, os jogadores do Tigre faziam faltas duríssimas e tentavam intimidar os sãopaulinos com violência. Ao fim do primeiro tempo, houve agressões mútuas entre jogadores, e quando o Tricolor voltou para o segundo tempo, o árbitro expulsou Paulo Miranda, por sua participação na briga.

O problema é que só o São Paulo voltou para o segundo tempo. O Tigre ficou nos vestiários, se negando a participar do restante da partida. Segundo jogadores, comissão técnica e direção do Matador, os atletas foram emboscados por policiais e seguranças privados do Tricolor na descida para o vestiário. Um policial teria colocado uma arma no peito do goleiro Albil, diversas ameaças teriam sido feitas, e outros jogadores teriam levado coronhadas.

O São Paulo foi proclamado campeão por W.O. Deu a volta olímpica, levantou a taça e ganhou as medalhas. Mas na verdade fica algo de inconcluso nisso tudo. O Tigre certamente recorrerá e tentará fazer com que a partida ocorra novamente, tentando provar que não havia condições de continuar. Tudo depende de conseguir provar que a agressão de fato ocorreu. Até agora, não há elementos que permitam nenhuma conclusão. A Fox Sports argentina mostrou manchas de sangue no vestiário do clube argentino e o próprio juiz afirmou ter visto as lesões nos jogadores, ainda que tenha acrescentado, com razão, que não tem como saber se de fato foi a polícia que as causou.

No fim das contas, tivemos uma séria derrota para o futebol. Se o Tigre inventou uma agressão para tentar reverter um quadro francamente desfavorável, teremos algo ainda pior e mais grave que a atitude do goleiro chileno Rojas nas eliminatórias de 1989, uma vez que seria a atitude coletiva de um clube, e não apenas de um jogador. Se as agressões de fato aconteceram, as coisas ficam ainda piores. A violência de policiais e seguranças brasileiros contra futebolistas estrangeiros seria algo tão lamentável e injustificável que mereceria um sentimento nacional de vergonha.

Talvez ainda mais triste seja ver como o nacionalismo mais tacanho e mesquinho guia as ações de tanta gente. Os veículos argentinos de imprensa decretaram que as acusações do Tigre são verdadeiras e que a comemoração dos sãopaulinos é uma completa vergonha, além de uma injustiça infinita. Por aqui, se decidiu que tudo foi fingimento de um bando de argentinos pernas-de-pau. Sem nenhuma prova ou apuração. Apenas com base em um nacionalismo idiota e em estereótipos. Tudo isso partindo de jornalistas, supostamente a serviço da informação, mas que emitem opiniões definitivas sem ter nenhum dado. Talvez essa seja a pior notícia da noite.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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