O árbitro de futebol. Este ser odiado por torcedores, jogadores e dirigentes. A referência (não à toa chamado de referee em inglês) das regras do futebol em campo. O indivíduo cujas decisões são inapeláveis.
Tamanha é a responsabilidade do árbitro que aqui no Brasil nós também o chamamos de juiz. E quando falamos em juiz imaginamos um cidadão de moral ilibada, com notório saber das regras e cuja conduta é exemplar.
Na Argentina desde que iniciou sua carreira Pablo Lunati rompeu com todas as linhas dos dois primeiros parágrafos desse texto. Figura carimbada em casas noturnas e visto constantemente ao lado de jogadores, técnicos e jornalistas fora dos estádios, o árbitro de 46 anos incomoda. E muito.
Muito hábil com as palavras, sabe exatamente como se portar diante de câmeras, microfones e blocos de anotações. Controverso, midiático e sobretudo polêmico, Lunati tem um ar de magnetismo e auto-confiança dificílimos de ver em árbitros. Dir-se-ia que poderia ser um Armando Marques ou um Mario Vianna, mas ele é muito mais que isso.
Para um árbitro com bom trânsito em tantos “campos” diferentes, era natural que ele nunca tenha sido um “linha-dura”. Sua permissividade com o jogo brusco e a aplicação de poucos cartões fizeram com que a arbitragem argentina repensasse por algumas vezes as formas de conduzir uma partida. Coincidentemente, depois de ter sido promovido a árbitro FIFA, Lunati mudou totalmente sua forma de trabalhar: passou a distribuir cartões a torto e a direito e a marcar todo o tipo de faltas. E então várias decisões suas começaram a ser questionadas e geraram muita polêmica na imprensa.
Em 2011, durante uma entrevista em que estava na rua, Lunati respondeu com todo tipo de xingamentos a um pedestre que reclamou de uma arbitragem sua. A entrevista repercutiu em toda a Argentina e pode ser vista aqui.
Em declarações recentes a um jornal argentino, dois ex-árbitros, Héctor Baldassi e Ángel Sánchez, não economizaram nas críticas a Lunati. Enquanto Baldassi disse que ele não é um exemplo a ser seguido pelos árbitros argentinos da nova geração, Sánchez foi mais duro ao afirmar que Lunati apita como ele quer e não como se deve e que atua conforme um regulamento paralelo.
Além das mudanças na forma de apitar, também começou a chamar a atenção a rápida ascensão financeira do árbitro. Já em 2009, o instrutor de árbitros Pedro Castellino afirmou que Lunati tinha um carro de 80 mil dólares. Dois anos depois, outro ex-árbitro, Javier Ruiz, disse que Lunati adquiriu cinco negócios, uma franquia de 100 mil dólares e uma BMW.
As sucessivas polêmicas e os ganhos “inesperados” levaram a AFIP argentina (órgão equivalente à nossa Receita Federal) a investigar a vida fiscal de Pablo Lunati. De acordo com o órgão do governo argentino, o árbitro aplicou mais de 3 milhões de pesos entre 2009 e 2011. Algo absurdo para quem ganha cerca de 28 mil pesos por mês para apitar jogos.
Embora seja dono de um lava-rápido e de um comércio de alfajores, Lunati leva uma vida extremamente espartana, segundo alguns amigos e conhecidos. Só compra alimentos de segunda-mão, não faz nenhuma questão de comprar roupas e sapatos (usa muitas vezes sua roupa de árbitro para passear) e deixa de ter aquecimento a gás em sua casa, usando cobertores velhos para se esquentar. Portanto, a capacidade de poupar do árbitro explica os altos investimentos.
Ainda assim, a AFIP não ficou satisfeita e mandou um funcionário visitar a casa de Lunati para maiores averiguações. Em uma clara demonstração de invasão de privacidade, o funcionário revelou que encontrou dezenas de camisas do River Plate na residência, além de outros detalhes de sua vida íntima.
Roberto Vázquez, advogado de Lunati, já afirmou a diversos meios que não deve nada à AFIP. Além disso afirma categoricamente que seu cliente, por se tratar de uma pessoa pública, está na mira de todos e que casos como esse são rotineiros, mas que não têm tanta visibilidade.
Lunati incomoda. Não é de se duvidar que a “averiguação” do funcionário da AFIP quanto o anúncio do time do coração do árbitro foram deliberadas de forma a ajudar a afundar ainda mais a reputação dele. O fato é que a AFA já não coloca Lunati nos sorteios há duas rodadas. E pelo jeito não deverá escalá-lo tão cedo. O árbitro, que faria sua despedida em junho, terá que repensar a data.
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