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Ubaldo Fillol, maior goleiro da Argentina, celebra 65 anos

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Seguros eram torcedores do River e da seleção nos anos 70: quem passasse por Passarella (camisa 19) ainda tinha que enfrentar Fillol – ele usou a 5 em 1978 porque os números foram distribuídos por ordem alfabética do sobrenome

Ubaldo Matildo Fillol é considerado o maior goleiro argentino. Não é pouco, pois o futebol em seu país se notabilizou pela excelência de outros nomes da posição. Deixou sua marca – impedir que o adversário marcasse – em grande estilo tanto em potências decadentes da época (River e Racing) como em elencos das mais celebrados a nível mundial, casos do próprio River e, sobretudo, a seleção: é o arqueiro que mais vezes atuou pela Argentina, 55 vezes, não sendo vazado em 20 delas e sendo, polêmicas à parte, um dos pilares do primeiro título da Albiceleste em Copas do Mundo. Um goleiro que literalmente ditou moda (colegas de posição usaram camisas da marca dele) e que ontem fez 65 anos.

Mesmo quem minimiza El Pato involuntariamente lhe elogia. “Ele só era bom debaixo das traves”, declarou José Luis Chilavert à Placar em 1997. Maior rival Fillol, Hugo Gatti afirmou quase a mesma coisa à El Gráfico em 2002: “foi o goleiro mais importante que conheci… embaixo dos paus! Um grande solucionador dos próprios erros”. Enquanto Fillol era do River, Gatti era do Boca, deveria ter sido o titular na Copa de 1978 e tinha um estilo muito oposto, arriscando-se em sair até da grande área para interceptar ataques mais ou menos como Amadeo Carrizo (o outro goleiro que rivaliza com Fillol nos corações hermanos) popularizara. Ele e Gatti, aliás, dividem o recorde de pênaltis defendidos na Argentina: 26 cada, considerando apenas o tempo normal. Mas somando-se decisões por pênaltis e os salvos pela seleção e clubes estrangeiros, a marca do aniversariante é bem maior.

Fillol era isso mesmo: elástico, a puro reflexo, capaz de se recuperar em contrapés a tempo até de pegar rebotes. Mesmo aos 35 anos, seguia na seleção argentina pois não se encontravam substitutos à altura. É um dos mais veteranos que a defendeu e sua ausência na Copa de 1986 (com direito ao técnico Carlos Bilardo chamar Héctor Zelada, que jamais havia defendido a Argentina e atuava no escondido futebol do anfitrião México) após ser vital nas eliminatórias foi criticadíssima na época. A vocação para o gol foi diagnosticada por um especialista: Renato Cesarini, quem armara o célebre elenco dos anos 40 apelidado de La Máquina – o escolhemos em maio o maior técnico da história do River, veja aqui.

O detalhe é que Cesarini cravara isso sem sequer observa-lo em um treino e sim ao ver os braços longos e mãos grandes que Fillol tinha já com 14 anos no restaurante em que El Pato trabalhava… Fillol precisou do emprego alternativo mesmo após profissionalizar-se em 1969 – mantinha a forma pedindo que os colegas da cozinha lhe atirassem bolas de massa. Maior revelação da história do Quilmes, ele estreou levando de 6-3 do Huracán (“este mal começo me fez forte para o resto da minha carreira esportiva e para a minha vida pessoal”) e foi rebaixado com o clube no ano seguinte. Mas a estadia na segundona em 1971 não o impediu de despertar a atenção do Racing, na época ainda visto como um gigante.

Chorando o rebaixamento com o Quilmes em 1968 (quem lhe abraça é Villa, com quem venceria a Copa do Mundo dez anos depois) e no Racing vice-campeão de 1972

Fillol foi o titular do canto do cisne daqueles saudosos tempos em que a Academia ainda via as glórias internacionais de 1967 como recentes: o time foi vice em 1972 e o reforço, o grande destaque. Pegou seis pênaltis em um só campeonato, marca que ainda é recorde no país. Ficou mais um ano em Avellaneda, jogando todo o Metropolitano de 1973. Acabou recebendo a primeira convocação à seleção argentina. Era para a “equipe fantasma” usada para acostumar por três meses os jogadores à altitude boliviana para que se vencesse em La Paz (clique aqui). Fillol foi um dos que não aguentaram a situação, indo embora no meio do processo. Após dois jogos pelo Torneio Nacional, acertou com o River.

A pressão para sair veio do próprio técnico do Racing. Não porque desprezava Fillol, mas porque amava muito o River: era Ángel Labruna. “Se não vais ao River, tens que ir à porrada comigo” foi o nada sutil recado do treinador. Na época, azarado não era o Racing e sim o novo clube, desde 1957 sem taças. E a estreia não foi nada animadora – falamos aqui que Fillol levou de 5-2 do arquirrival Boca, em dia lembrado pelos quatro gols de outro estreante, Carlos García Cambón, até hoje recordista de gols em um único Superclásico. Apesar disso, El Pato acabou convocado à Copa de 1974. “Observe tudo e some experiência. Você vai ser o goleiro titular no mundial 1978”, declarou-lhe o técnico Vladislao Cap.

Era só a terceira opção de gol, mas pôde disputar uma partida. Foi a última, contra a Alemanha Oriental, com a melancolia tomando conta da delegação: a Argentina já estava eliminada e o presidente Perón havia falecido na véspera. Miguel Santoro, goleiro do Independiente ultracampeão da Libertadores naqueles anos, deveria agarrar, mas pediu dispensa, descontente com a reserva em toda a Copa para Daniel Carnevali. Assim, Fillol estreou pela Albiceleste. Ele, que durante aquele ano alternava-se rodada sim, rodada não, com José Pérez como goleiro millonario, enfim assumiu definitivamente a titularidade com a chegada de Labruna para treinar o River.  Labruna “recompensou” o antigo pupilo pela transferência, insistindo no novato e abrindo mão do experiente Pérez, que saiu substituir Santoro para ganhar a Libertadores de 1975 pelo Independiente.

Ninguém se arrependeu para as bandas de Núñez, pois aquele jejum, naquela altura chegando nos dezoito anos, enfim caiu. El Pato destacou-se especialmente na 13ª rodada, uma vitória por 2-1 no grande rival em plena Bombonera onde ele impediu o empate graças a uma de suas 26 defesas de pênalti. A seca se encerraria em dose dupla, pois o River venceu também o Torneio Nacional. Fillol pintou naturalmente como o novo dono do gol da seleção. Mas, descontente dos planos de César Menotti em alterna-lo com Gatti, foi punido por um tempo pelo treinador: El Pato passou a ser a quarta opção de gol. Depois daquela estreia na Copa de 1974, voltaria a jogar pela Argentina justamente em 1978, pois Gatti lesionara-se nos fins de 1977 e terminou descartado.

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“O abraço da alma” com Tarantini e um fã pela Copa de 1978. A base era o River: Passarella (1º em pé), Luque (agachado ao meio) e Ortiz (último agachado) eram titulares da final. E o timaço ainda tinha Perfumo (4º em pé)…

A punição deveu-se só ao temperamento do goleiro, pois entre 1974 e 1978 seguiu em forma. Talvez a Libertadores de 1976 pudesse vir ao Millo se Fillol não se lesionasse ainda na primeira final, em Belo Horizonte, contra o Cruzeiro. Em 1977, veio novo título argentino. Já na Copa, pegou até pênalti contra a fortíssima Polônia da época; segurou um chute à queima-roupa de um Roberto Dinamite deixado livre de Daniel Passarella por Zico; e espalmou no reflexo um fuzilamento de Johnny Rep da marca do pênalti e interceptou-lhe em outro lance onde Rep esteve prestes a emendar de carrinho para o gol, dentre tantas outras grandes defesas. A imagem que eternizou o título foi exatamente protagonizada por Fillol, aos abraços com um fã e com o defensor Alberto Tarantini (saiba mais).

Na época, era visto como melhor goleiro do mundo até por brasileiros e foi ovacionado por outros rivais, os do Boca, em um Superclásico na Bombonera semanas após a Copa, em 12 de julho de 1978. E conseguia em 1979 ser o atleta mais bem pago na Argentina mesmo durante meses em que ficou sem contrato com o River: as receitas vinham das camisas da marca Olimpia que levavam sobre o peito a assinatura do craque, sendo vestidas até por outros goleiros profissionais. Naquele ano, foi novamente campeão tanto do Metropolitano quanto do Nacional, neste em campanha onde classificou o clube às semifinais ao pegar dois pênaltis do Vélez e onde agarrou tudo contra o surpreendente Unión na final: o time de Santa Fe perdeu a taça apenas pelo gol sofrido em casa, pois foi 0-0 no Monumental.

Mas engana-se quem pensa que Fillol era unanimidade no River. Ao contrário, foi dos mais xingados ídolos que o time teve, conforme levantamento mostrando matérias da época, por mais que seja obra de torcedores do Boca: veja neste site. Único que recebia em dia no River, ele já compartilhava o salário com colegas. A crise econômica “presenteada” pela desastrada ditadura só se agravou nas Malvinas e o clube sofreu debandada após a guerra, saindo de Mario Kempes, Daniel Passarella e Ramón Díaz. Fillol aguentou até 1983, acertando com o Argentinos Jrs. Para variar, o técnico era Labruna e a base daquele elenco da modesta equipe de La Paternal venceria a Libertadores de 1985, mas sem eles: ainda em 1983, um ataque cardíaco matou o técnico nos braços do goleiro, que caminhava com ele na hora.

Desejado pelo Flamengo desde setembro de 1982, Fillol (que segundo nota da Placar ainda em 1979 tinha interesse em apartamentos em Ipanema) acertou com os rubro-negros, cujos dirigentes buscavam de uma vez suprir a ausência do aposentado Raul e também dar à massa órfã de Zico um ídolo novo quase à altura. A passagem pela Gávea teve altos e baixos. Fillol foi bem especialmente no início, com a Placar lhe absolvendo até quando tomava quatro gols: levou nota 7 após um 4-0 do Internacional e um 9 naquele dramático 4-1 contra o Corinthians, que assim se classificou às semifinais do Brasileirão após ter perdido de 2-0 no Maracanã. Faltaram os títulos.

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Com a camisa Olimpia bordada com sua assinatura, vestida também pelo oponente argentino-peruano Ramón Quiroga. E com Chilavert e Gatti, que só pelas costas conseguem minimizar-lhe

Na Libertadores de 1984, o Flamengo foi às semifinais com direito a sua estrela defender pênalti fora de casa aos 45 do segundo tempo em um 2-1 no Junior de Barranquilla, mas a vaga na decisão seria gremista. Em 1985, a perda da vaga nas semifinais do Brasileirão foi tão traumática quanto a anterior, para a zebra Brasil de Pelotas. E os Estaduais eram ganhos pelo Fluminense. Mal acostumada por tantos títulos entre 1978 e 1983, a torcida àquela altura já pedia por Cantarelli e Fillol acertou com o Atlético de Madrid. Mas vale lembrar que no Rio o argentino conseguiu levar menos de 1 gol por jogo (60 em 71).

Enquanto foi flamenguista, Fillol disputou as eliminatórias à Copa de 1986 como um dos quatro remanescentes de Menotti no time de Carlos Bilardo: os outros eram Maradona, Passarella e Juan Barbas. Em convocação polêmica, Bilardo levou ao México apenas Maradona e Passarella (que não jogaria). Fillol, com 36 anos, havia acabado de ser vice da Recopa Europeia pelo Atleti. Prosseguiu brilhando no Racing, que em 1986 vivia uma situação ainda pior que a do River em 1973: eram dezenove anos sem títulos e até um rebaixamento recente em 1983. O goleirão assumiu a braçadeira de capitão para quebrar esta seca, erguendo a primeira edição da Supercopa Libertadores, em 1988.

A Supercopa foi em pleno Mineirão, sobre o Cruzeiro, uma pequena vingança sobre o algoz da Libertadores de 1976: saiba mais. Outros trocos foram no próprio River, eliminado nas semifinais – ele já havia se desentendido com o ex-clube em 1987, quando uma confusão sua com Carlos Enrique começou no campo rendendo a expulsão de ambos e terminou simplesmente no prédio da AFA, onde voltaram a trocar sopapos. Mas El Pato ainda teria uma última resposta a quem tanto lhe xingou.

Em 1989, após desilusão com o Racing (embalado pela Supercopa, o clube terminou o primeiro turno na liderança, mas perdeu pontos nos tribunais e terminou só em nono – e a taça ainda foi do Independiente…), ele e o técnico Alfio Basile passaram de Avellaneda a Liniers, acertados com o Vélez. Fillol já não era o mesmo. Mantinha o nível de um goleiro comum, com a última impressão sendo enganosa pelo desempenho em si pelo Fortín. Mas, pelo conjunto da carreira, ele merecia terminar sua última partida carregado pelos colegas velezanos. Foi na última rodada do Apertura 1990, visitando o River em Núñez. O ex-clube seria campeão se vencesse. A taça terminou com o Newell’s do jovem Marcelo Bielsa porque aquele quarentão permitiu que os visitantes vencessem por 2-1 ao igualar-se a Gatti, pegando um pênalti (de Rubén da Silva) pela 26ª e última vez.

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O último troféu foi a Supercopa 1988, pelo Racing. Já a última volta olímpica foi no Monumental, claro. Mas pelo Vélez

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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