A imprensa vem dando como certa que a camisa reserva do Torino para a próxima temporada será branca com faixa diagonal (em grená, claro) tal como o característico manto do River: veja que se disse. Não terá sido a primeira vez. Há amizade entre os clubes desde maio de 1949, especialmente a partir de um jogo realizado no dia 26, portanto há exatos 65 anos. Os corintianos devem saber que na época o Corinthians chegou a usar a camisa do Torino para homenageá-lo. O River foi bem além.
Os anos 40 não tiveram Copas pelas tristes razões conhecidas. Se realizadas, a dúvida geral é se ficariam com Argentina ou Itália, ambas com gerações das mais douradas. Mas se a argentina era espalhada por diversos clubes, incluindo os pequenos, a base da italiana era Il Grande Torino. O clube grená viveu sua fase mais brilhante. Se hoje é o primo pobre da Juventus, a qual não vence há 19 anos, naquele 1949 tinha só um título italiano a menos que a rival após empilhar os últimos cinco seguidos – um recorde só igualado pela própria Juve “argentina” dos anos 30 (veja aqui) e pela Inter de 2006-10.
O detalhe é que a sequência poderia ser maior: o penta seguido começou em 1942 e parou em 1949 porque nesse intervalo houve temporadas em que o campeonato não foi ocorreu, pelo agravamento da II Guerra em território italiano. Em 1949, aliás, a Juventus estava em jejum nacional havia 14 anos, hoje algo impensável. Em um dos títulos, ela foi a vice com dez pontos a menos que o Toro – em uma época em que a vitória valia 2 e não 3. “Base” da Azzurra é até pouco, pois em 1947 a seleção chegou a entrar em campo com dez dos onze jogadores sendo do Torino. Era a favorita para ser em 1950 tri seguida na Copa e ficar de vez com a Jules Rimet. Mas ficaria pela primeira fase no Brasil.
“Só a morte pode vencê-los”, escutava-se sobre o craque Valentino Mazzola e colegas. Assim aconteceu em 4 de maio de 1949, com o penta quase garantido. O avião que os trazia de volta de Lisboa após amistoso com o Benfica explodiu no monte Superga. A Itália inteira chorou. Em um dos inúmeros reconhecimentos, a federação imediatamente anunciou que o título seria dos grenás, que entraram em campo nos quatro jogos restantes representados pelos juvenis, que ganharam todos – em grande gesto de respeito genuíno e não marqueteiro, os adversários também escalaram juvenis.
A comoção não se restringiu à Velha Bota. Mesmo em tempos por demais distantes da era da internet, a fama daquele Torino alcançara cada país que amasse futebol. E o River imediatamente se mobilizou para enviar seu time titular, este sim “base” da seleção nacional, para jogar em Turim um amistoso beneficente aos familiares dos mortos. E em duas semanas estava na cidade, após custear dos próprios fundos as intermináveis viagens de conexão necessárias na época rumo ao destino: Buenos Aires-Recife-Ilha do Sal-Madrid-Paris-Roma (ou Milão) até aterrissar em Turim.
Manolo Eppelbaum, jornalista argentino radicado há muito no Brasil (era grande amigo de Doval), já relatou ao Globo Esporte: “A grandeza de um clube não se mede só pela quantidade de títulos conquistados, de gols marcados ou de jogadores excepcionais. Mede-se também pelos gestos. (…) O alto-falante do Monumental de Núñez avisou: ‘Solicitamos aos espectadores que não abandonem o estádio, pois temos uma notícia importantíssima para dar assim que acabar o jogo’.”
“Aí, ficamos curiosos. ‘O que pode ser? Vamos esperar…’. Aí, voltou o alto-falante: ‘Comunicamos à distinta plateia que hoje assistiu a mais um triunfo do River Plate que daqui a pouco toda a delegação se dirigirá ao aeroporto internacional e partirá com destino a Turim para fazer jogo em benefício das famílias dos jogadores do Torino’. Achei isso comovente… A torcida inteira aplaudiu como se o time já tivesse sido campeão. E gritou o nome dos jogadores”.
Não só na Argentina, mas a iniciativa riverplatense foi muito prestigiada também na Itália e em outro país, na Santa Sé: “lembro que os jornalistas italianos nos elogiaram muito. (…) Foi minha primeira visita à Europa e jamais poderei esquecer que nossa ação solidária foi agradecida pelo Papa Pio XII, que nos recebeu no Vaticano e nos disse que nossa atitude era digna de bons cristãos”, recordou o duro marcador Néstor Rossi. O 2-2 amistoso no Estádio Comunal de Turim foi ovacionado por 70 mil pessoas lá dentro, um sucesso de público, crítica e que quebrou um recorde de arrecadação. O jogo foi contra um combinado chamado de Torino Simbolo.
Dentre os adversários, estavam um ex-jogador do Grande Torino até o ano anterior, o ponta Ferraris II, já no Novara. Por sua vez, o goleiro reserva Moro vinha do Bari para jogar no próprio Toro a partir da temporada seguinte. Quem mais cedeu jogadores ao combinado foi justo a arquirrival Juventus, incluindo um de seus maiores emblemas: o atacante Giampiero Boniperti naquele dia foi grená. A Juve era também o clube do goleiro Sentimenti IV, dos reservas Angeleri e Muccinelli, do zagueiro Manente e de outro atacante, o dinamarquês John Hansen, artilheiro da liga em 1952.
O Torino Simbolo, aliás, tinha outros artilheiros do calcio: o húngaro István Nyers, da Internazionale, havia sido o máximo goleador do trágico campeonato de 1948-49. Já o sueco Gunnar Nordahl foi cinco vezes artilheiro da Serie A, recorde até hoje, impulsionando nos anos 50 seu Milan (então em seca de quatro décadas) com os compatriotas Gunnar Gren e Nils Liedholm (que, veterano, abriu o placar contra o Brasil na final da Copa 1958), a célebre linha Gre-No-Li. Annovazzi era o outro milanista. Giovannini, Achilli e Lorenzi, outros da Inter. E Furiassi era da Fiorentina.
River e Torino também trocaram presentes. O Millo doou um troféu oferecido pela primeira-dama Eva Perón, e recebeu um jogo de camisas do Toro, a partir dali usadas às vezes como reservas no River. A admiração se estende às torcidas. E o clube italiano retribuiu o amistoso: em 1951, ele e o presidente da federação italiana viajaram à Argentina para partida das comemorações oficiais dos 50 anos da Banda Roja, que se diz fundada em 25 de maio de 1901 – portanto, comemorou idade nova ontem embora há quem sustente que a data correta seria 15 de maio de 1904 (falamos aqui).
No amistoso de 1951, também houve pompa, com o presidente Perón dando o pontapé inicial da vitória argentina por 3-1. O gol dos adversários foi do mítico Silvio Piola, que chegou a passar brevemente pelo Grande Torino justo no período da Guerra em que o campeonato esteve suspenso. Mas o que ficou mais guardado foi mesmo o amistoso de seis décadas e meia atrás, também por outras razões: foi um dos últimos jogos e gols de Alfredo Di Stéfano pelo River.
Em agosto, Di Stéfano e outros astros, como o mencionado Rossi, rumaram ao Eldorado Colombiano. O futebol argentino, mais de meio século à frente do Bom Senso FC, vinha de longa greve de jogadores no ano anterior, com direito a prévias com eles também ficando imóveis nos primeiros minutos das partidas. Os pedidos não foram atendidos e muitos debandaram – o mais celebrado jogador do elenco millonario, José Manuel Moreno (clique aqui), já havia ido à Universidad Católica, por exemplo.
Vale mencionar ainda que apenas três dias depois daquele 26 de maio de 1949, o River jogaria no campeonato argentino, em tempo muito curto para a volta dos titulares. Os reservas dos reservas enfrentaram um Racing poderoso, que seria em 1949 campeão após 24 anos de jejum e daria largada ao primeiro tri argentino seguido da era profissional. O Millo venceu por 3-0.
River: Amadeo Carrizo, Ricardo Vaghi, Lidoro Soria; Norberto Yácono, Néstor Rossi e José Ramos; Ángel De Cicco, Roberto Coll, Alfredo Di Stéfano, Ángel Labruna e Félix Loustau. Torino Simbolo: Lucidio Sentimenti IV (Giuseppe Moro), Sergio Manente e Zeffiro Furiassi; Carlo Annovazzi, Attilio Giovannini e Camillo Achilli (Stefano Angeleri); István Nyers (Ermes Muccinelli), Giampiero Boniperti, Gunnar Nordahl (Benito Lorenzi), John Hansen e Pietro Ferraris II. Árbitro: Peter Scherz (SUI). Gols: Nyers (24/1º), Labruna (25/1º), Annovazzi (2/2º) e Di Stéfano (36/2º)
httpv://www.youtube.com/watch?v=VjvKAYFYhOg
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