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Todos os argentinos do Real Madrid

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Di Stéfano, presidente de honra do Real Madrid, rugindo contra o Barcelona. E Di María, eleito o melhor em campo na final de ontem: dramática reconquista e sobre o rival Atlético

Acabou a espera: La Décima veio, e com requintes de crueldade diante de um já sofrido rival. Em uma noite cujo placar não traduz a anulação vivida pelos midiáticos Cristiano Ronaldo e Gareth Bale em quase a totalidade do jogo, coube a Ángel Di María, eleito oficialmente o melhor jogador da vitoriosa final da Liga dos Campeões, ser o motor do Real Madrid. Prêmios que coroaram a grande temporada do jogador argentino em melhor fase hoje, conforme já explicamos  neste outro texto. O garoto formado no Rosario Central é o último nome de uma história rica em outras joias argentinas.

O primeiro argentino no Real foi inclusive o primeiro caso de um jogador homenageado com estátua por um clube de futebol: o meia Sotero Aranguren, mencionado no site oficial como “o primeiro símbolo dos blancos” (clique e veja). Atuou com o irmão Eulogio Aranguren nos anos 10, época em que ainda não havia La Liga e as conquistas resumiam-se a campeonatos regionais e, especialmente, a Copa do Rei. A dupla, que cresceu já na Espanha, venceu três regionais e a Copa de 1917. A morte de Sotero aos 28 anos em 1922 foi um choque. A estátua é de 1925 e está nos vestiários.

Os dois hermanos seguintes vieram só em 1947. O atacante Manuel Rocha havia no ano anterior participado do único título português do Belenenses (veja). O outro, o zagueiro José Navarro Cánovas, vinha do extinto time mexicano do Marte após surgir no Newell’s. Eles dois venceram a Copa do Rei de 1947 em uma época de vacas bem magras em Chamartín: La Liga, inaugurada em 1929, só fora vencida no bi seguido de 1932 e 1933 até então.

Rocha e Navarro já não estavam no clube em 1950, ano da chegada dos próximos, dois atacantes: Antonio Imbelloni, que não triunfara nem na Argentina, por San Lorenzo e Banfield. Muito individualista, também não la rompió no Real, ficando só um ano. Já Roque Olsen, ex-Tigre e Racing, passou os sete ano seguintes nos merengues, período do grande salto para a frente do Real, então em jejum de duas décadas e menos vitorioso na liga que Atlético, Barcelona, Athletic e até Valencia.

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Os irmãos Eulogio e Sotero Aranguren, os primeiros argentinos. Olsen, que treinou o Barcelona. E Rial, com Di Stéfano também pela Espanha

Olsen também seria um dos quatro argentinos técnicos do Barcelona. Ainda mais marcados que ele porém, ficaram Héctor Rial, que chegou em 1954 do Nacional uruguaio, e especialmente Alfredo Di Stéfano, que desembarcara um ano antes desde o Millonarios de Bogotá. Os dois jogariam também pela seleção espanhola. Rial ficou nos merengues até 1961 e Di Stéfano, até 1964. Nesse período, o clube merengue passou a ser o maior campeão do país e venceu as cinco primeiras edições da Liga dos Campeões, primordiais para fazer do Real o maior clube do século XX, para a FIFA.

“A história do Real Madrid começa de fato com a vinda de Di Stéfano”, já disse Emilio Butragueño. Foi “A Flecha Loira” quem teria expandido a rivalidade com o Barcelona, que havia contratado-o também, mas negociara com o clube que oficialmente tinha o passe, o River. Não aceitou dividi-lo a cada temporada com o Real, sugestão que chegou a ser feita para resolver o impasse. E Don Alfredo virou o maior da história madridista e para muitos, do futebol também. Falar mais dele alongaria muito aqui: busquem na Wikipédia lusa mesmo. Escrevi seu verbete lá, eleito como destaque.

Em 1957, veio do Racing e da seleção argentina campeã da Copa América o goleiro Rogelio Domínguez, na época rival do lendário Amadeo Carrizo. Domínguez ganhou três espanhóis, três Ligas dos Campeões e a primeira Intercontinental até voltar em 1962 à Argentina, contratado pelo mesmo River de Carrizo. O hermano seguinte foi o atacante Miguel Ángel Pérez, vindo do nanico Sportivo Italiano. Chegou em 1967, após o canto do cisne do período dourado madridista, o título na Liga dos Campeões em 1966. Pérez foi reserva e emprestado na maior parte do tempo e saiu em 1971.

Os anos 70 foram cheios de argentinos. O zagueiro Juan Carlos Touriño (1970-76) e o atacante Roberto Martínez (1974-80) foram os mais longevos e ambos jogaram pela seleção espanhola. Touriño vinha do Quilmes e Martínez (não confundir com o técnico do Everton), desde o Espanyol após jogar nos modestos Nueva Chicago, Huracán Las Heras, Unión e Banfield. Também ganharam troféus o meia ex-River Eduardo Anzarda (1971-73); o atacante Carlos Guerini (1975-79), ex-Málaga após projetar-se no Boca e em diversos clubes de sua Córdoba natal, especialmente no General Paz Juniors; e o zagueiro Enrique Wolff (1977-79), ex-Las Palmas após formar-se em Racing e River e ter jogado a Copa 1974.

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Domínguez, goleiro do Real de Di Stéfano, encerraria a carreira no Flamengo. Touriño e Martínez, da seleção espanhola e com mais da metade dos anos 70 no clube merengue

O outro hermano setentista foi o atacante Oscar Más, único a ver navios. Veio do River em 1973 e ficou só um ano, voltando ao ex-clube para estar na quebra em dose dupla em 1975 do jejum millonario de dezoito anos sem títulos – os brasileiros o conhecem mais pelo gol da vitória sobre o favorito Brasil na primeira Copa Pelé, em 1987. Já os anos 80 tiveram o primeiro madridista na Albiceleste, o atacante Jorge Valdano; foi só na década anterior que a Argentina passara a chamar “estrangeiros”.

Valdano chegou em 1984 já após nove anos de futebol espanhol, por Alavés e Real Zaragoza, depois de ser lançado no Newell’s. Já veterano no Real, fez quase meio gol por jogo em dupla com Hugo Sánchez, ganhou duas Liga Europa seguidas (melhor momento continental dos madrilenhos desde os anos 60), em 1985 e 1986, e participou do início do penta seguido no Espanholzão ao fim da década. El Filósofo ganhou como merengue a Copa 1986 e por anos integrou a diretoria do Santiago Bernabéu.

Já como técnico, Valdano treinou o time que em 1995 encerrou o tetra espanhol do Barcelona de Cruijff, após treinar justo o Tenerife que em dois Espanholzões seguidos, em 1992 e 1993, venceu o líder Real na última rodada e ajudou o Barça a ser campeão. Em 1989, o Real contratou do Logroñés o defensor Oscar Ruggeri, de sucesso por Boca e River e campeão da Copa 1986. El Cabezón foi campeão no último título do penta mas  machucou-se na Copa 1990. Para não manter inativa uma vagas de estrangeiros (só três em anos pré-cidadania europeia comunitária e Lei Bosman), foi ao Vélez.

Ruggeri saiu em 1990, ano em que Chamartín pinçou o adolescente Juan Esnáider do Ferro Carril Oeste. O atacante fez sucesso no time B e em empréstimos ao Real Zaragoza, mas foi subaproveitado no principal. Saiu em 1996 para jogar justo no Atlético de Madrid, conforme explicamos ontem (aqui). Ainda no Real, foi colega do volante Fernando Redondo, trazido em 1994 daquele Tenerife de Valdano.

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Valdano, que foi também técnico e diretor. O capitão Redondo com a Liga dos Campeões de 2000: foi sua despedida no Real. E Solari, campeão na de 2002, ano do centenário madridista e a última até ontem

Redondo de carrasco passou a ser El Príncipe em Madrid. Sua elegância esteve na reconquista espanhola em 1995, no título nacional em 1997 em plena espetacular temporada de Ronaldo no Barça e, sobretudo, na reconquista na Liga dos Campeões, em 1998 e 2000. Só não foi à Copa 1998 por birra do técnico Passarella. Foi o outro único argentino além de Di Stéfano eleito por torcedores em 2012 ao time dos sonhos do Real: Iker Casillas; Roberto Carlos, Fernando Hierro, Sergio Ramos; Redondo, Zinédine Zidane, Míchel, Ferenc Puskás; Di Stéfano, Raúl e Cristiano Ronaldo.

A vitoriosa temporada 1999-2000 teve também o goleiro Albano Bizzarri, contratado junto ao Racing para ser reserva imediato de Bodo Illgner mas que acabou perdendo o posto ao prata-da-casa Iker Casillas. A estreia profissional de Casillas foi justo em clássico contra o Atlético em que Bizzarri, que entrara jogando, terminou expulso. Foi exatamente naquela derrota por 3-1 em pleno Bernabéu para o rival, dia que marcou a última vez que o Atleti venceu o dérbi até o jejum acabar no ano passado.

O ano 2000 viu novos: o atacante Rolando Zárate era uma promessa não-lapidada do Vélez (é irmão de Mauro Zárate, ex-Lazio e de volta hoje ao mesmo Vélez) e não durou. Já o meia-esquerda Santiago Solari veio justo do Atlético de Madrid, que, apesar daquele triunfo em 1999, terminara rebaixado na temporada anterior. El Indiecito ficou até 2005. Foi titular na vitoriosa Liga dos Campeões de 2002, até ontem a última conquistada pelo maior campeão do torneio e em pleno ano do centenário blanco.

Em 2002, o volante Esteban Cambiasso enfim foi aproveitado no time principal. Chegara ao Real Madrid ainda em 1997 da base do Argentinos Jrs após brilhar no mundial sub-20 daquele ano, sendo esperado como possível “novo Maradona”. Tanto que o Real trouxe junto para o time B seu irmão, o goleiro Nicolás Cambiasso, hoje no All Boys. O Real mandou Esteban a Independiente e River e, mesmo não se revelando tão supercraque assim, reativou o interesse após ser campeão do Clausura com o River.

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Cambiasso, Gago e Higuaín: campeões esforçados que sucumbiram pela obsessão “galáctica”. Gago, que jogou mais vezes que Valdano, também foi atrapalhado por lesões

O time foi campeão espanhol no embalo de Ronaldo em 2003 mas a primeira Era Galáctica passou a murchar em 2004, ano em que Cambiasso foi passar a se consagrar na Internazionale. A deficiência daquele time cheio de craques era a defesa e Walter Samuel foi buscado na Roma como solução. Mas El Muro não funcionou e em 2005 juntou-se a Cambiasso, Solari e o português Luís Figo na Inter.

A primeira Era Galáctica acabou em 2006 com a renúncia do presidente que a fomentou, Florentino Pérez. O sucessor Ramón Calderón continuou contratando craques, mas mais “austeros” no nome. Nos idos de 2006 e 2007, veio uma penca hermana: o volante ex-Boca Fernando Gago, então apontado como sucessor de Redondo; o atacante ex-River Gonzalo Higuaín; outro atacante, Javier Saviola, vindo justamente dos fundos do rival Barcelona; e, do Manchester United, o zagueiro Gabriel Heinze.

Os quatro foram campeões com sobras na temporada que marcou o declínio do Barcelona de Ronaldinho e Frank Rijkaard, em 2008. Mas só Higuaín ficou duradouro, só saindo no ano passado e por vezes sendo mais efetivo que contratações mais renomadas de Florentino Pérez, que voltou ao cargo em 2009: La Pipita fez mais gols até que Cristiano Ronaldo na temporada 2009-10 em La Liga. Na seguinte, fez mais que Emmanuel Adebayor e teve média superior à de Karim Benzema. Fez mais que o francês também nas duas posteriores, as últimas do argentino, desde 2013 no Napoli.

Em 2008, o Real Madrid contratou do Racing Santander o zagueiro Ezequiel Garay, recém-campeão olímpico. Garay passou a temporada emprestado ao Santander e quando enfim foi aproveitado em Madrid, a partir de 2009, foi pouco usado. Saiu em 2010 ao Benfica, onde vem brilhando – veja. Será titular na Copa 2014 assim como Di María, autor do gol do título naquelas Olimpíadas de Pequim e que veio justo em 2010 após boa temporada no próprio Benfica (o título 2009-10 havia sido o último nacional dos “encarnados” até o atual) e jogar o mundial da África.

*Leia também os Especiais que fizemos sobre os argentinos do vice Atlético de Madrid (clique aqui) e os da rivalidade madrilenha (aqui). Fizemos ainda sobre os do campeão da Liga Europa, o Sevilla (aqui) e em breve será a vez do Barcelona

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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