Originalmente publicado em 8 de setembro de 2015, diante de amistoso entre os dois países – e revisto, atualizado e ampliado
Não é de hoje que a liga mexicana é das mais financeiramente atrativas das Américas, ocasionalmente cedendo jogadores à seleção argentina (como o defensor José Basanta, que fora à Copa 2014 como jogador do Monterrey, ou o goleiro Nahuel Guzmán, que fora à de 2018 vindo do Tigres) e até à italiana (Mauro Camoranesi foi descoberto pelo calcio por conta do desempenho na Cruz Azul). Nem é de hoje que La Tri emprega argentinos, fenômeno bastante acentuado no novo século. No dia em que os astecas pegam a Albiceleste, é propício relembrar os hermanos que defenderam o México. Especialmente com a panelinha atual da delegação adversária, a ter ao menos três ex-jogadores da seleção argentina – como o atacante Rogelio Funes Mori, retratado acima.
Um início de relação pode ser atribuído à Guerra Civil Espanhola. Contra as falanges nacionalistas do General Franco, astros bascos fizeram uma turnê para arrecadar fundos ao lado republicano. Com a derrota, se exilaram temporariamente no México, onde a seleção basca se converteu no clube Euzkadi, que foi campeão. Alguns ficaram por lá, outros regressaram à terra natal e alguns outros vieram à Argentina. Os de maior êxito foram os do San Lorenzo: o jogador que ainda detém o recorde de mais jovem estreante na seleção espanhola, o meia Ángel Zubieta, e o superartilheiro Isidro Lángara, primeiro no planeta a ser goleador em três ligas nacionais diferentes (na Espanha, no México e na Argentina, no caso dele).
Lángara, após seu enorme brilho no Sanloré, até voltou nos anos 40 ao México, atuando no extinto Real España com José Manuel Moreno, o primeiro grande astro argentino importado lá. Moreno era um dos inúmeros craques de La Máquina do River Plate e portenhos mais velhos diziam ser mais habilidoso que Maradona. Foi no México que ele ganhou seu apelido mais famoso: El Charro, “o caubói” na gíria local. Moreno, por sua vez, foi o primeiro jogador no mundo a ser campeão nacional em quatro países (além das ligas argentina e mexicana, regeu o primeiro título chileno da Universidad Católica e o primeiro colombiano do Independiente Medellín), um feito exclusivo seu até os globalizantes anos 90.
A importação não se restringiu a Moreno. Emilio Baldonedo, craque do Huracán e que é até hoje o sujeito que mais fez gols na seleção brasileira (sete), passou na mesma época por Monterrey e Puebla. Mas foi o León o time que melhor êxito teve. Esse clube viveu seu período mais brilhante na virada para os anos 50, com quatro títulos entre 1947 e 1956 – desde então, o time só venceu outras quatro vezes a Liga MX, e a primeira delas apenas em 1992. Foi no embalo daqueles anos dourados do clube que os jogadores do León compuseram toda a seleção mexicana usada no Pan-Americano de 1952. Foi a primeira das três edições do torneio, uma tentativa de competição continental de futebol envolvendo todas as Américas – não confundir com os Jogos Pan-Americanos.
Quatro desses jogadores do León eram argentinos. O atacante Leonardo Bossa não chegou a entrar em campo. Já o zagueiro Antonio Battaglia, o médio Alfredo Costa e o atacante Marcos Aurellio Di Paolo, sim. Formando no Vélez, Battaglia, que já tinha 35 anos, se aposentou após aquela competição – já foi objeto de um documentário chamado “A guarita do León”, bom indicativo da segurança que empunha. Marcos Aurellio (com dois L mesmo) também havia jogado no Vélez, vencendo a segundona argentina de 1943. Ele vinha do Barcelona, onde entrou para a história como autor do gol 1.000 do clube catalão, em 1950.
Costa, por sua vez, também era ex-Vélez e havia sido indicado por outro ex-velezano daquele elenco, o goleiro Miguel Rugilo. Que, por sinal, era apelidado de León – El León de Wembley, em função de sua grande atuação no estádio inglês pela Argentina em 1951. Outro time que viveu seus anos dourados na época foi o extinto Zacatepec, cujos dois títulos vieram na década de 50. Carlos Lara foi por onze anos um atacante daquele elenco apelidado de Los Cañeros. Três vezes artilheiro do campeonato, foi convocado à Copa de 1962. Defendeu La Tri por quatro vezes, uma delas exatamente diante da Argentina. Foi em derrota de 1-0 no Monumental, entrando no intervalo no lugar de Antonio Almaraz. Uma lesão inoportuna às vésperas do mundial acarretou no seu corte.
Quarenta anos depois é que um argentino realmente iria a um mundial pelo México. Revelado no nanico Central Córdoba de Rosario, Gabriel Caballero havia sido artilheiro no Chile por outro clube fora da órbita dos grandes, o Antofagasta. Repetiu a estrela na liga mexicana, participando dos primeiros títulos da história do Santos Laguna e os primeiros do Pachuca em oitenta anos. Mas sua naturalização foi bastante questionada, polemizando na imprensa e entre os próprios colegas. O técnico Javier Aguirre o levou ainda assim à Copa 2002, mas após o mundial Caballero não voltou a ser usado. Maior campeão do Pachuca, incluindo a Copa Sul-Americana de 2006 (com gol na final), seu nome batiza uma das arquibancadas do estádio do clube.
A naturalização massiva nos anos 2000 continuou dando o que falar, e Hugo Sánchez assumiu em 2007 o cargo de técnico nacional exatamente em reação a essa política. Seu antecessor foi Ricardo La Volpe, terceiro goleiro da Argentina na Copa de 1978. El Bigotón levara Guillermo Franco à Copa 2006 (e o brasileiro Zinha). Franco era um volante do belo San Lorenzo de 2001, campeão argentino no embalo de pontuação dos torneios curtos (47) e de vitórias seguidas (treze) e enfim vencedor continental, batendo o Flamengo na final da Copa Mercosul. No Monterrey, treinado por Daniel Passarella, Franco voltou à posição de origem, a de centroavante.
Foi um sucesso. O Monterrey voltou a ser campeão após vinte anos, em 2003, e o argentino foi artilheiro da Liga MX no ano seguinte. A seleção argentina convocava não raramente jogadores de lá, como a dupla ofensiva César Delgado e Luciano Figueroa, do Cruz Azul, mas não enxergava quem fazia ainda mais gols. Franco então passou a jogar pela mexicana em 2005. Enquanto Hugo Sánchez foi treinador, chegou a ficar três anos ausente. Mas foi também à Copa 2010. Nos seus dois mundiais, caiu em ambos nas oitavas-de-final exatamente para a Argentina natal.
Outro argentino que fazia muitos gols em meados dos anos 2000 e era ignorado por José Pekerman foi Matías Vuoso. Revelado no Independiente e com passagem pelo Manchester City na fase pobre dos Citizens, ele desembestou no Santos Laguna, com duas artilharias e um título (apenas o terceiro da equipe) entre 2003 e 2010. Estreou pelo México em 2008, mas o faro de gol declinou. Ausente das Copas de 2010 e 2014, esteve na última Copa América. Em 2009, Lucas Ayala, desde os 17 anos no país asteca, fez uma única aparição pela seleção. Foi uma bomba, pois não havia feito nada de extraordinário. Outro do Tigres foi Damián Álvarez, presente nos vice-campeões da Libertadores 2015 – por ironia, frente ao clube que formou o ponta-esquerda, o River.
Por hora, o único título sul-americano do futebol mexicano segue sendo a Copa Sul-Americana levantada pelo Pachuca em 2006, com o próprio Álvarez presente; ele fez um gol em cada semifinal contra o Athletico Paranaense. Álvarez, estreou no fogo das complicadas eliminatórias à Copa de 2014, jogando apenas duas vezes e ficando de fora do mundial. Um de seus colegas naquele Pachuca campeão sul-americanao em 2006, além de Caballero, foi Christian Giménez. Formado no Boca e reserva ativo no dourado ano 2000 dos xeneizes, El Chaco (titular na primeira final com o Palmeiras na Libertadores) fez outros dois gols sobre o Athletico Paranaense nas semifinais e o gol do título, na virada sobre o Colo-Colo em pleno Estádio Nacional do Chile.
Ex-jogador sub-20 da Argentina, Giménez chegou a ser convocado por Maradona para a seleção principal, mas não foi usado. Assim, ficou livre para estrear pelo México em 2013, já como jogador da Cruz Azul. Mas não repetiu os gols nas cinco oportunidades por La Tri e também ficou de fora da Copa 2014. Lucas Lobos, líder do Tigres antes de sair ao Toluca ano passado, chegou a ser convocado mas não atuou. Quem sim entrou em campo foi o atacante Rogelio Funes Mori, o único a defender como jogador a seleção principal dos dois países. Nome regular na sub-17 e na sub-20 da Argentina, na adulta Funes Mori foi limitado ao Superclássico das Américas de 2012, como reserva utilizado no decorrer da partida realizada em Goiânia.
Embora aquela partida valesse troféu, ela foi vista oficialmente como amistosa, liberando Rogelio para defender outra seleção – pois o atacante nunca conseguiria emplacar por seu River, limitando-se a desempenhos irregulares (embora com gols pontualmente decisivos em jogos-chave) no título da segunda divisão de 2011-12, nem no Benfica ou na Turquia. Seu irmão gêmeo Ramiro Funes Mori era inicialmente ainda mais criticado, mas com o tempo mostrou-se com mais estrela no clube. Acabou sendo mais presente também na Albiceleste: chegou a ser cogitado para a Copa 2018 e, embora não fosse à Rússia, marcou justamente sobre o México um dos gols da vitória por 2-0 em 2019, jogo a marcar a estreia do atual treinador Lionel Scaloni na seleção.
Desde 2015 no Monterrey, Rogelio enfim emplacou como artilheiro ali, estreando em julho de 2021 pelo México. Os Funes Mori ainda são o último par de irmãos na seleção argentina adulta, e só outros gêmeos a haviam defendido, mais de cem anos antes. Meses depois, La Tri teve outro argentino: Santiago Giménez, filho de Christian. Crescendo a maior parte da vida no México por conta do trabalho do pai, Santiago começou a defender desde 2016 as seleções mexicanas juvenis e estreou pela principal em outubro de 2021. Esteve na lista de pré-convocados ao Mundial, mas acabou de fora.
Além de La Volpe (que desde os anos 80 treinou diversos clubes mexicanos), outros argentinos dirigiram a seleção mexicana antes e depois do ex-goleiro. Um foi o próprio técnico da Albiceleste em 1978, César Menotti, contratado em 1991. El Flaco (também ex-jogador da seleção, no início dos anos 60) ficou um ano e meio e então voltou ao Boca. Vicente Rodríguez, seu assistente em 1978, sucedeu-o por uma partida, em outubro de 1992. Havia treinado a seleção nos Jogos Olímpicos, meses antes.
Atual treinador de La Tri, Gerardo Martino a assumiu em 2019. Como Menotti, El Tata defendeu a Argentina como jogador e técnico: era um volante elegante, regente da fase áurea do Newell’s (inclusive, ainda detém o recorde de jogos pelo clube), entre 1988-1992, na qual os rosarinos foram três vezes campeões argentino e duas vezes finalistas da Libertadores. Martino só foi reconhecido tardiamente na Albiceleste, apenas no ano de 1991. Já tinha 29 anos e logo alguém ainda mais classudo e jovem feito Fernando Redondo desembestou, com Alejandro Mancuso também despontando, como reserva imediato.
Com a Argentina, Martino não teve sorte tão melhor como treinador; credenciado pelo seu bom Paraguai na Copa 2010 e pelo seu vistoso Newell’s de 2013, sofreu os doloridos vices seguidos nas Copas América de 2015 e 2016 e saiu às portas das Olimpíadas do Rio, desgostoso com a desorganização da AFA. No trabalho atual, chegou ao Qatar reunindo bons 41 vitórias, 11 empates e 11 derrotas. Sua comissão técnica tem outros dois colegas dos tempos de Newell’s: o ex-defensor Jorge Theiler, seu assistente chegou inclusive a comandar os astecas interinamente, contra Panamá, Guatemala e Costa Rica, nas eliminatórias. O ex-goleiro Norberto Scoponi, por sua vez, é justamente o segundo homem com mais jogos no Ñuls. Nunca entrou em campo pela Argentina, mas embarcou à Copa 1994 como reserva e é o atual treinador de goleiros.
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