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Títulos Argentinos no Mundial Interclubes (III): Estudiantes 1968

Em 1968 o futebol argentino conseguiria seu 2o título mundial interclubes, e de forma consecutiva, façanha que até hoje jamais se repetiu. E a façanha torna-se ainda maior quando se lembra que para chegar ao título o Estudiantes teve de suplantar uma equipe histórica do Manchester United, com Bobby Charlton, George Best, Dennis Law, entre outros.

A história começa em 1965, quando Osvaldo Zubeldía foi contratado como treinador do clube pincharrata. Um fato que mal foi notado pelos contemporâneos. Jogador razoável, com passagens por Vélez Sarsfield e Boca Juniors, Zubeldía tinha tido uma passagem como treinador pelo pequeno Atlanta, e havia escrito um livro sobre tática, algo muito singular para a época. Por seu lado, o Estudiantes também não chamava muita atenção. Seu grande momento havia sido entre 1928 e 1931, com a famosa equipe comandada pelo grande “Nolo” Ferreira, capitão da albiceleste nas Olimpíadas de 1928. Em 1965 o clube platense se contentava por estar na primeira divisão.

Mas as coisas mudariam para o clube de La Plata com a chegada do novo treinador. Para Zubeldía, o futebol era questão de esforço e inteligência. Trouxe novidades como os treinamentos em dois turnos, a importância do contra-ataque, marcação forte no meio campo, e o treinamento obsessivo das jogadas de bola parada (algo que fará a diferença na final intercontinental). Com isso, Zubeldía levaria o Estudiantes ao tri da Libertadores e se transformaria em objeto de um debate feroz. Para muitos um gênio da tática. Para outros, o criador do chatíssimo futebol de resultados. Os últimos não perdoam o fato de a equipe pincharrata ter institucionalizado o uso do anti-jogo, fazendo largo uso da catimba e recursos antidesportivos (Carlos Bilardo, futuro discípulo de Zubeldía, entrava em campo com um alfinete para atingir seus adversários).

Osvaldo Zubeldia

Contudo, o segredo pincharrata não estava apenas em seu treinador. Zubeldía teve a felicidade de encontrar uma brilhante geração de jovens, a chamada “tercera que mata”, os quais promoveu para a equipe principal. Entre esses jovens estavam grandes jogadores como Juan Ramón Verón e Carlos Pachamé, futuros jogadores da seleção nacional. Com isso, o Estudiantes terminaria o campeonato de 1966 na sexta colocação. Mas em 1967, primeiro ano em que o futebol argentino teve dois torneios, o Metropolitano e o Nacional, o clube chegaria ao topo. Venceria o Metropolitano, se tornando a primeira equipe além dos cinco grandes a conquistar um título de primeira divisão na era profissional. E chegaria ao vice do Nacional, se classificando para a Libertadores do ano seguinte.

Na Libertadores o Estudiantes teve de disputar 13 jogos para chegar à decisão, eliminando o Independiente, campeão nacional, e o Racing, que defendia seu título continental. Na final, o clube enfrentaria outra academia, a palmeirense, que por pouco não chegou ao título. Em La Plata o Palmeiras vencia até o fim, com um gol de Servílio, mas Verón e Flores marcaram os gols da virada nos minutos finais da partida. No Pacaembu o Palmeiras foi superior e venceu por 3 a 1. Mas no desempate em Montevidéu a superioridade pincharrata se impôs, e a equipe de La Plata venceu por 2 a 0, gols de Ribaudo e Verón. O Estudiantes era campeão da Libertadores.

A primeira partida, disputada na Bombonera, foi duríssima. Os britânicos voltaram para casa reclamando da violência argentina, em especial de Ramón Aguirre Suarez, mas eles próprios tinham em sua formação um Nobby Stiles. Violento marcador, campeão mundial de 1966 pela Inglaterra, Stiles terminaria expulso daquela verdadeira batalha que se disputou no campo do Boca. Mas com a bola rolando o Estudiantes foi melhor, e teve várias chances de marcar. Ao fim venceu por 1 a 0, gol de Marcos Conigliaro, que aproveitou um escanteio para cabecear e marcar o gol que deu a vitória ao clube de La Plata. O Estudiantes estava a um empate do título mundial.

Os dias prévios à segunda partida foram tensos. Os jornais ingleses falavam da violência da equipe argentina, e ainda estava vivíssima a lembrança da controvertida partida entre as seleções inglesa e argentina no mundial de 1966. Naquele dia o capitão Antonio Rattín foi expulso (injustamente, para os argentinos), e ao sair de campo tocou de forma desrespeitosa uma bandeira inglesa. Torcedores ingleses chegaram a atirar uma pedra no quarto onde dormiam Conigliaro e Aguirre Suarez. Na hora da partida, havia 800 policiais em campo, uma indicação de que as autoridades inglesas esperavam pelo pior. Ao chegar ao vestiário, os jogadores argentinos encontraram os vidros destruídos pelos torcedores do Manchester United.

Mas logo aos 7 minutos veio a ducha de água fria: Verón aproveitou um escanteio e cabeceou para colocar o Estudiantes em vantagem. Osvaldo Zubeldía havia conseguido um feito incrível: sua equipe havia marcado duas vezes de cabeça nos ingleses, então os reis do jogo aéreo. A partida seguiu tensa, mas a equipe pincharrata estava bem preparada, e lentamente esfriou a equipe inglesa. As entradas duras se sucediam de lado a lado, e George Best e José Medina terminariam expulsos, após uma troca de agressões. No último minuto Willie Morgan empatou, mas era tarde. O Estudiantes era campeão do mundo em pleno Old Trafford, um feito incrível para uma equipe que apenas 3 anos antes lutava contra o descenso.

Naquele dia o Estudiantes teve: Poletti, Malbernat, Aguirre Suarez, Madero e Medina; Bilardo, Pachamé e Togneri; Ribaudo, Conigliaro e Verón. Para o Manchester United jogaram: Stepney, Brennan, Dunne, Crerand e Foulkes; Sadler, Morgan e Kidd; Charlton, Law e Best.

Era o triunfo supremo do futebol à moda de Osvaldo Zubeldia: talento, marcação forte, contra-ataque, bolas paradas e, quando necessário, violência e anti-jogo. Nascia ali uma nova escola dentro do futebol argentino. Uma escolha que chegaria ao auge em 1986, com o título mundial conquistado por Carlos Bilardo, meio campista daquele Estudiantes e discípulo de Zubeldía. Essa escola seria central na trajetória do Estudiantes, que se manteria fiel a ela: depois de Zubeldia a equipe voltaria a ser campeã no Metropolitano de 1982, sob o comando do mesmo Bilardo. E reencontraria o caminho dos títulos já no século XXI, com treinadores da mesma linhagem, como Diego Simeone e Alejandro Sabella (o último, campeão pelo Estudiantes como jogador, sob o comando de Bilardo). E tendo em campo Juan Sebastian Verón, filho do velho atacante campeão mundial em 1968, torcedor do clube e herdeiro das melhores tradições pincharratas.

A escola que se origina de Zubeldía é tida frequentemente no exterior (inclusive no Brasil) como “o futebol argentino”. Na verdade é uma das vertentes do futebol do país. Uma vertente que tem admiradores mas também seus detratores, em especial a corrente que defende o futebol clássico do país, mais cadenciado, com mais toque de bola, que se agruparia em torno de Cesar Menotti a partir da conquista do Metropolitano de 1973 pelo Huracán. O menottistmo também daria aos argentinos um mundial, em 1978, e desde então as duas tendências se digladiam, com frequencia em termos violentos, sobre qual a melhor maneira de jogar futebol. E o Estudiantes de 1968 é um dos grandes trunfos da escola Zubeldía-Bilardo. Afinal, um título mundial conquistado por um time sem até então sem títulos é algo que não se pode desprezar.

 

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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