Nesta semana, a AFA, após consulta a seis técnicos, publicou o que seria a “seleção de todos os tempos da Argentina”. Como qualquer lista do tipo, a elaborada não está imune a discussões, apesar da ótima escalação. Especialmente do meio para trás. Vamos sugerir e justificar quais nomes deixariam a equipe ainda melhor, ao menos no papel.
O senão mais visível da lista é o lateral-esquerdo, Alberto Tarantini. El Conejo teve o mérito de ser titular da Copa de 1978 e ser quem mais representou a rivalidade Boca e River na seleção (raríssimo destaque em ambos, fez 22 jogos na seleção como boquense e 23 como millonario). Mas, mesmo eleito o melhor da posição na própria Copa, não fez um torneio espetacular, com alguns pecados na final. No mundial de 1982, foi uma das maiores decepções dentre jogadores de todas as seleções.
Um nome bem mais habilidoso foi o de Silvio Marzolini, que passou todos os anos 60 na Albiceleste. E que, apesar da queda precoce e polêmica da seleção na Copa de 1966, foi ele o escolhido o melhor lateral-esquerdo daquela Copa. Diversas vezes no seu ciclo tentaram outros nomes, mas sempre terminou se impondo.
Já Roberto Perfumo teve muita qualidade (capitão em 25 das 37 partidas que fez), a ponto de se manter na seleção mesmo após a desclassificação em casa nas eliminatórias para a Copa de 1970. Roberto Ayala seria uma alternativa crível, mas José Salomón foi um zagueiro destro ainda mais representativo na seleção – além de não ter tantos gols contra.
Capitão nos dourados anos 40, Salomón venceu três vezes a Copa América e era o recordista de jogos pelo país até os anos 70. Foram 44 e teriam sido bem mais não fosse a fratura contra o Brasil na vitoriosa final da Copa América de 1946, lance que atrofiou o resto de sua carreira. Era tão querido que a lesão ensejou uma verdadeira batalha campal que culminou no rompimento por dez anos entre as relações de AFA e CBD, conforme mencionamos no sábado passado (clique aqui). Cavalheiro, perdoou Jair Rosa Pinto, com quem tivera a trágica dividida.
Os demais nomes da defesa são inquestionáveis. A Argentina teve inúmeros goleiros históricos, mas é consenso que nenhum teve tanto sucesso como Ubaldo Fillol na seleção. Javier Zanetti é recordista de jogos pelo país e sua ausência nas Copas de 2006 e 2010 é inexplicável. Daniel Passarella é o único bicampeão mundial, fez um mundial de 1978 irrepreensível, foi o capitão da primeira conquista e é o segundo maior zagueiro-artilheiro do futebol.
No meio, não há o que falar de Maradona. Fernando Redondo e Miguel Ángel Brindisi jogaram o fino também, mas poderiam ser trocados. Redondo, em que pese as mentes dos técnicos, ausentou-se praticamente por vontade própria das Copas de 1990 e 1998. Quando voltou à seleção, em 1999, não se deu tão bem e voltou a pedir dispensa. Faltou mais amor à camisa ou, pelo menos, uma colocação melhor pela Argentina na bela Copa de 1994 executada pelo classudo volante.
No lugar de El Príncipe, um volante mais duro para cobrir as constantes subidas de Passarella ao ataque. Néstor Rossi conseguiu voltar à seleção após nove anos de ausência, mas afundou no vexame da Copa de 1958, com a Argentina surrada por 6-1 pela eliminada Tchecoslováquia. Diego Simeone caiu na primeira fase em 2002, mas no grupo da morte, não estando com o melhor de seus joelhos e após quatorze anos de serviços contínuos à Albiceleste (jogou partidas em todos os anos entre 1988 e 2002). Não tremeu como Luis Monti na final de 1930. Psicológico era um ponto forte de Simeone, aliás, como bem soube David Beckham.
Brindisi foi uma grata surpresa em uma seleção bastante jovem. Foi justamente ele o primeiro a superar José Salomón em partidas pela seleção. Manteve-se nela após a eliminação para a Copa de 1970. E, ao contrário de Redondo, desejo de jogar pela Argentina não lhe faltava: recusou Real Madrid e Juventus para manter-se no pequeno Huracán pois sabia que se fosse ao exterior suas chances de se manter na Albiceleste diminuiriam (era esse o efeito na época, ao contrário de atualmente). Acabou condecorado até pelo presidente Perón pela atitude.
Miguelito, conforme destacamos no Especial dedicado a ele (clique aqui), carregou a classificação à Copa de 1974 (onde fez um gol no Brasil, além de ter sido o artilheiro argentino nas eliminatórias), mas para meia-direita houve gente mais representativa, a dos anos 40. Norberto Méndez é o maior artilheiro da Copa América, com 17 gols em 17 jogos – no total, fez 19 em 31 pela Argentina. Adolfo Pedernera se notabilizou pela versatilidade, jogando nas duas meias, nas duas pontas e de centroavante.
Mas escolheríamos José Manuel Moreno pelo maior tempo de seleção: foram 14 anos contra 11 de Méndez e seis de Pedernera. Além dos ótimos 19 gols em 34 partidas (dois deles em um 5-1 sobre o Brasil em São Januário em 1939, pior derrota brasileira em casa até os 7-1). El Charro poderia ter feito ainda muito mais se não se transferisse ao futebol mexicano em meados dos anos 40. Ele é um dos seletos doze que jogaram por ela tanto por River como por Boca. Seu antecessor nisso (Francisco Taggino) havia jogado nos anos 10. E o primeiro sucessor da marca (Hugo Gatti) só a conseguiria nos anos 70. Saiba mais de Moreno, considerado pelos portenhos mais antigos como mais habilidoso que Maradona.
Não há muito o que contestar no trio de ataque. Mario Kempes, com 24 anos, personificou a conquista de 1978, ainda que tenha perdido precocemente o brilho após a Copa. Gabriel Batistuta, além de maior artilheiro, tem ótima média de 56 gols em 78 jogos. Sábio, se submeteu aos caprichos de Passarella para jogar a Copa de 1998 e se a Argentina não foi mais longe, a culpa foi do técnico ai tira-lo precocemente contra a Holanda, pois Bati até ali era o artilheiro da Copa com 5 gols em 5 jogos.
Lionel Messi carrega a crítica de não vingar pela Argentina a chuva que faz no Barcelona. Mas em que pese Enrique García (“O Poeta da Canhota”, dos anos 30), Félix Loustau (único titular absoluto na Argentina tricampeã da Copa América nos anos 40, apesar do tri, ainda um recorde exclusivo dela, ter sido em anos seguidos), René Houseman, Oscar Ortiz (campeões de 1978, mas sem se sobressaírem tanto), outros ponta-esquerdas bem reconhecidos, nenhum chegou a ser dono do time, muito menos tão mágicos quanto um Lionel em dia meia-boca.
E vale lembrar que ele superará Batistuta em gols se fizer mais sete. Que José Pekerman preferiu pôr Julio Cruz contra a Alemanha em 2006, que o técnico de 2010 foi Maradona e que jogou recuperado de lesão em 2014 com um time repleto de astros em má fase ou no departamento médico. E mesmo assim foi importante ao vice-campeonato, tão elogiado sobre um Maradona que tivera circunstâncias parecidas em 1990. Colocação que, se fosse alcançada por um gajo português eliminado na primeira fase em 2014 (e semifinalista coadjuvante em 2006 a ponto de perder para Lukas Podolski a eleição de melhor jogador jovem), bastaria para tacha-lo de superior a La Pulga.
Os consultados pela AFA para elaborarem o time foram Carlos Ischia, Esteban Pogany, Rubén Darío Insúa, Diego Cocca, Ricardo Zielinski e Ricardo Rezza, todos técnicos ex-jogadores dos anos 70 em diante, o que explica menor reconhecimento a estrelas de um passado glorioso e esquecido. Faltou consultar técnicos que tiveram história antes, como os próprios campeões mundiais César Menotti e Carlos Bilardo, como também Carlos Bianchi e Juan José Pizzuti, ainda lúcido aos 90 anos que completará neste 2016, célebre pelo Racing campeão mundial de 1967 e que como jogador vivenciara os anos 40.
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