Tal pai, tal filho: 55 anos de Luis Fabián “Luifa” Artime, maior artilheiro nacional do Belgrano
Equiparar a carreira no futebol à de um pai famoso é daquelas missões para poucos. E Luis Fabián Artime, decididamente, não fez tanta história no futebol como o xará – e progenitor – Luis Artime, o grande matador de River, Independiente, Palmeiras e homem-símbolo do primeiro Nacional campeão de Libertadores e Mundial. Mas El Luifa (apelido derivado da contração de seus dois prenomes) soube ter um papel digno: é o maior artilheiro que a apaixonada torcida do Belgrano celebrou na liga argentina. A própria família reconheceu que em Córdoba é Luis Artime quem é “o pai de Luifa”, e não este quem é “o filho de Luis”. Vale relembrar a trajetória do matador celeste, que hoje faz 55 anos.
Luifa formou-se em um ambiente de menor pressão familiar, o do Ferro Carril Oeste – onde no máximo houve em 1933 um outro Artime, que, contudo, só somou duas partidas no time principal verdolaga. Integrou a equipe B campeã argentina do campeonato da categoria realizado em 1983, embora ainda tardasse até 1985 para começar a frequentar o banco do time principal. A estreia nele veio pela 25ª rodada do campeonato de 1985-86, em 19 de janeiro de 1986. De modo auspicioso: marcou o único gol do duelo com o cascudo Deportivo Español da época, time que estava entre os líderes; Los Gallegos, de fato, ficariam com o bronze. E seriam a vítima favorita da carreira do novato.
O Ferro ficou em um razoável 6º lugar e, no pós-temporada, avançou até as semifinais da liguilla pre-Libertadores. Os outros dois gols do jovem Artime se deram naquele minitorneio, sobre o Güemes de Santiago del Estero (2-1, fora de casa) e em outro duelo contra o Español (4-1). Os números foram similares na temporada de 1986-87: Ferro em 6º e semifinalista da liguilla, com Artime já marcando seus primeiros gols sobre a dupla Boca (1-1) e River (derrota de 2-1), além de outro no Español (1-0). Em meio àquele início promissor, ele até defendeu o Nacional uma vez: e em pleno amistoso contra o Peñarol, em 19 de dezembro de 1986, pela “Copa de Oro de los Grandes”. O rival venceu por 2-1.
Além da derrota, a cogitada transferência a Montevidéu não era aprovada pelo patriarca: “é foda, é foda. No Belgrano, ele foi muito bem, eu não queria que jogasse no Independiente, onde por fim jogou, nem no Nacional, que o veio buscar várias vezes. Dizia que não, porque é foda. Eu ganhei tudo no Nacional, o que fazer? Qualquer coisa que fizesse ia ser pouco”, confessou nessa entrevista o octogenário Artime pai com toda sua dificuldade de fala (sofreu derrame há alguns anos, tendo priorizado a total recuperação locomotora, acabando por guardar sequelas fonoaudiológicas embora tenha lucidez plena).
Luifa não oficializou a troca para o Nacional. O que realmente brecou o início de carreira foram reiteradas lesões. Um perfil seu no guia Super Fútbol de 1989, que revela que seu apelido na época ainda era El Toro, descreve-o como “forte, aguerrido. É goleador por uma questão de linhagem. Vai bem à frente e gosta muito da área. Nos últimos tempos, esteve distante dos campos devido a uma série de lesões, por isso seu nome não se ouviu tanto como em seus começos, quando foi considerado um atacante com muito futuro”. Somou somente cinco gols entre as temporadas 1987-88 e 1988-89 (incluindo… em 3-2 no Español em 1987) e o Ferro começou a despencar, finalizando em 14º e 18º respectivamente.
Ainda assim, o Artime menor deixou em alta o bairro de Caballito. Precisamente o campeão argentino de 1988-89, o Independiente resolveu apostar no filho do ídolo como reforço para a temporada seguinte. Não bastasse o peso enorme do sobrenome de um pai consagrado no Rojo pelo histórico título de 1967, Luifa, ainda sem gols em Avellaneda, calhou de ser o vilão do vice-campeonato na Supercopa de 1989, em novembro. Foi justamente o pressionado novato o único a perder sua cobrança na decisão por pênaltis que coroou em plena Doble Visera um Boca em jejum (em final realizada a quatro dias do aniversário do pai, também aniversariante em dezembro…). Capitão adversário e ele próprio ex-jogador do Independiente, o elegante Claudio Marangoni, espécie de Redondo dos anos 80, se comoveu a ponto de escrever-lhe uma carta aberta de apoio.
Ao fim da temporada, o Independiente também foi vice-campeão do campeonato argentino, mas comendo poeira de um River vencedor com rodadas e rodadas de antecedência. Artime contribuiu silenciosamente com cinco gols, todos já em 1990. Ele recebeu uma nova chance para a temporada 1990-91, chegando inclusive a ser o artilheiro do elenco na temporada, mesmo que com apenas seis gols – um na Supercopa, curiosamente contra o Nacional, na eliminação no estádio Centenário; um no Apertura, no 1-1 com o San Lorenzo, três no Clausura, incluindo em 3-1 no Español, e em outros dois duelos contra o San Lorenzo, já pela liguilla.
Não bastou para Luifa sobreviver a uma entressafra do Rojo, apenas 10º no Apertura e 5º no Clausura. O destino foi reforçar um novato na primeira divisão argentina. E assim começou a trajetória de idas e vindas pelo Belgrano, que até então só tivera vitrine em participações no extinto Torneio Nacional, ao passo que os vizinhos Talleres, Instituto e Racing de Córdoba puderam ir além e credenciar-se também à liga argentina (que, na vigência do Nacional, fora renomeada de Torneio Metropolitano). O Pirata estreava, enfim, naquela temporada 1991-92. O reforço, entretanto, não foi um sucesso instantâneo por La B: seus gols começaram a sair apenas no Clausura 1992; foram quatro pelo 10º colocado.
Mas no Apertura 1992, ele enfim explodiu, com dez gols. Além de aplicar a lei do ex em vitória sobre o Independiente por 2-0, vazou ainda os grandes Racing (1-0) e San Lorenzo (3-3), terminando a dois gols da artilharia do torneio, mesmo pelo 8ª colocado. Na sequência, em 1993, a campanha no Clausura foi mais medíocre, em 14º, mas Artime e o Belgrano puderam avançar até a primeira etapa final da Copa Centenário da AFA. Os vencedores da fase de mata-matas foram os cordobeses e o forte Gimnasia LP da época. Os platenses prevaleceram, jogando os celestes para um mata-mata à parte entre os eliminados. Foi o bastante para uma nova oportunidade em um gigante, contratado pelo San Lorenzo com o Apertura 1993 já em andamento.
Após um início de seca, Artime conseguiu uma sequência interessante de gols como azulgrana: em 14 de novembro, aplicou novamente a lei do ex sobre o Independiente, derrotado na 10ª rodada do Apertura por 3-1 no estádio do Huracán – ainda alugado pelo San Lorenzo enquanto não se inaugurava o Nuevo Gasómetro. Essa inauguração veio em 16 de dezembro e Luifa marcou um dos gols da noite histórica (encerrando 14 anos em que o Ciclón não teve casa própria), no 2-1 amistoso sobre a Universidad Católica, então vice da Libertadores. Cinco dias depois da festa, ele até descontou para 3-2 uma derrota para o River ainda pela Copa Centenário – era a semifinal daquele mata-mata à parte entre os eliminados.
Vieram então os tradicionais amistosos de verão entre os gigantes e Luifa se sobressaiu, anotando no 1-1 com o Racing, no 3-0 sobre o Boca e no 2-0 sobre o Independiente. Esses resultados, somados a um 1-1 com o River, renderam aos cuervos o troféu de campeões simbólicos da Copa Ouro Cidade de Mendoza, que sediou as partidas, e alimentou expectativas quanto à calibragem do pé de Luifa, artilheiro daquela pré-temporada. O problema é que a seca voltou incrivelmente na retomada dos jogos competitivos, pelo Clausura 1994: “um de tantos atacantes que fizeram gols em todos os lados, menos no San Lorenzo”, definiu seu diminuto perfil no Diccionario Azulgrana. Ao todo, seu único gol oficial foi mesmo aquele sobre o Independiente no Apertura (que até pesaria no fim: o ex-clube terminaria a dois pontos daquele título). Em dezessete jogos…
O Belgrano estava de portas abertas e Artime logo voltou a mostrar que nasceu para vestir mesmo a camisa celeste: assim que voltou, logo fez-se o terceiro jogador na artilharia do Apertura 1994, vazando no caminho o Independiente (em derrota de 3-1), o Racing (1-1), o campeão River (1-1), o freguês Español (3-2) e, sobretudo, o único do clássico com o Talleres. La B foi 6ª colocada, sua melhor colocação na década. No Clausura, a ressaca foi grande: Luifa até se deu ao gosto de marcar o único gol de um triunfo belgranense dentro de La Bombonera sobre o Boca, mas o Pirata despencou para 17º. Não houve maior reação na temporada 1995-96, a resultar no primeiro rebaixamento do clube do bairro Alberdi, lanterna do Apertura e 13º no Clausura.
Artime ficou para a Primera B Nacional de 1996-97, vencida pelo tradicional Argentinos Jrs. A outra vaga de acesso seria definida em um mata-mata com os melhores abaixo do líder. Em 5º lugar na temporada regular, o Belgrano deu-se ao gosto de impor ao Talleres nada menos que 15 anos de jejum no Clásico Cordobés (naquele duelo os alviazuis chegaram ao cúmulo de usar supersticiosamente uma camisa reserva grená, em vão) com um triunfo de 2-0 em setembro, embora o rival pudesse ir à forra em novembro com um famoso 5-0. O dérbi quase voltou a ocorrer na final do mata-mata. Mas La B caiu nas semis para o Gimnasia y Tiro de Salta, que adiante prevaleceu sobre La T. O artilheiro contribuiu com treze gols e seguiu para mais uma temporada na segundona, com um regulamento mais intrincado.
Na edição de 1997-98, a fase regular da Primera B Nacional serviria apenas para formar dois grupos e o futebol cordobês mostrou-se forte, com o Instituto em 1º, Belgrano em 2º e Talleres em 3º. Já os grupos terminaram liderados por La B e La T, que então fizeram a final aguardada desde o ano anterior – agora, pelo título e única vaga direta de acesso. O rival venceu a ida e perdeu a volta pelo mesmo placar, revertendo-a ao triunfar na decisão por pênaltis. O bairro de Alberdi não riu melhor, mas riu por último, ao prevalecer nos mata-matas pelo segundo acesso. Já com 32 anos, o ídolo ainda contribuiu com oito gols nessa agridoce volta celeste à elite.
O regresso à primeira divisão não foi feliz. O Belgrano foi vice-lanterna do Apertura 1998 e no máximo 9º do Clausura 1999. Luifa anotou seis vezes na temporada inteira e foi visto como dispensável pelos cartolas, não acertando uma renovação de contrato: ele reforçou o Tigre na segunda divisão de 1999-2000, registrando quatro gols pelos rubroazuis enquanto o ex-clube seguia patinando na tabela de promedios, com o antepenúltimo lugar no Apertura 1999 (enquanto o Talleres se gabava com a Copa Conmebol). Com o Clausura 2000 na reta final, Artime voltou a Córdoba como bombeiro. Marcou só dois gols, mas vitais para a permanência: o da vitória por 2-1 sobre o Estudiantes na 17ª rodada, decisivo para garantir a La B a sobrevida de uma repescagem contra o Quilmes.
O duelo com o Cervecero guardou um dos momentos mais épicos já festejados pela torcida do Pirata, que jogava por dois resultados iguais. O adversário, na ida em casa, venceu por 3-1. Na volta, Artime tratou de abrir o placar cedo, aos 16 minutos. Mas os visitantes empataram e a missão parecia complicada quando o celeste Javier Villarreal foi expulso. O 1-1 seguia no placar do então Estádio Chateau Carreras (o atual Mario Kempes) até os 20 minutos finais. Foi quando Luifa praticamente converteu um segundo gol, forçando o oponente Humberto Váttimos a marcar contra. Dez minutos depois, foi a vez do compadre Luis Ernesto Sosa acertar uma falta para decretar o 3-1 suficiente para a heroica salvação.
Com moral, Artime seguiu intocável no bairro Alberdi por mais uma temporada de luta contra o rebaixamento. Aos 35 anos, ele ainda era capaz de marcar seis gols pelo 16º colocado do Apertura 2000, incluindo em mais um Clásico Cordobés (1-1) e no River (vencedor por 4-2). No Clausura, novo 16º lugar empurrou o Belgrano para nova repescagem contra o Quilmes. Os cordobeses outra vez levaram a melhor e, com a missão cumprida, Luifa buscou no Apertura 2001 mais tranquilidade no Gimnasia, então a equipe forte de La Plata. Mas não encontrou espaço no Lobo, registrando só quatro partidas, todas saindo do banco – em duas delas, com menos de dez minutos para o fim. Os gols que não vieram lá, porém, sobrariam no Peru.
Ao longo do ano de 2002, Artime esteve no medíocre Melgar, 7º colocado em ambos os semestres da liga peruana. Ainda assim, o argentino foi capaz de ser o artilheiro da temporada incaica, com 24 gols em 42 jogos pela Cordilheira. Longe dali, nos pampas, o Belgrano não sobreviveu a uma temporada inteira sem o velho artilheiro e, na lanterna dos promedios, terminara rebaixado ao fim do Clausura 2002. Luifa voltou para casa em janeiro de 2003 para duas temporadas e meia na Primera B, e de início contribuiu com razoáveis oito gols em 27 jogos ao longo daquele ano, mas nem ele se mostrava capaz de desencalhar o Pirata. A última partida oficial foi em 13 de março de 2005, derrotado por 4-1 em dérbi local com o Racing de Córdoba.
Já o último de seus 86 gols pelo Belgrano por torneios argentinos saíra ainda em 16 de outubro de 2004, descontando de pênalti uma derrota de 2-1 para o El Porvenir em um morno 13º lugar no Apertura da segundona. Os números são inferiores aos 103 de José Reinaldi, artilheiro máximo do clube em estatísticas que consideram também a liga regional cordobesa; Luifa, por outro lado, é quem mais proporcionou gols em Alberdi no campeonato argentino. Em 2015, escolhemos ambos para a dupla de ataque do time belgranense dos sonhos, mas coube a Artime ser o único representante celeste na renomeação de cada uma das quatro tribunas do palco municipal, quando o antigo Chateau Carreras virou o atual Estádio Mario Kempes (Osvaldo Ardiles representa o Instituto, Daniel Willington simboliza o Talleres e Roberto Gasparini, o Racing local).
Tamanha identificação não parou por aí: nesse 2020, Luifagol (esse é o seu arroba no twitter), que segue balançando redes por equipes masters do Ferro, do Belgrano e até da seleção argentina que nunca pôde defender propriamente, lançou candidatura a presidente de La B – em eleições ainda não autorizadas pela preocupação pandêmica. A ver!
https://twitter.com/Belgrano/status/1338871437160034306
https://twitter.com/LaFerropedia/status/1338846273118621696
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