Supersemana: Quando brasileiros decidiram um clássico histórico
No dia 9 de dezembro de 1962 a mítica Bombonera estava abarrotada. E não havia como ser diferente: era dia de Superclássico. Mais do que isso, era um superclássico numa verdadeira decisão, já que Boca e River chegaram empatados à última rodada do campeonato nacional daquele ano. Quem vencesse o confronto se sagraria campeão. E dois brasileiros tiveram atuação decisiva naquele dia.
O que não chegava a ser surpreendente, já que naquele tempo os dois gigantes argentinos possuíam vários jogadores do nosso país. Pelo Boca passaram grandes nomes do futebol brasileiro, como Dino Sani, Orlando Peçanha (campeões mundiais em 1958), Maurinho e o lendário Almir Pernambuquinho. O River não ficou atrás, e também teve sua cota de brasileiros (o mais famoso por aqui era Moacir, ex-Flamengo, reserva de Didi na copa de 1958). Mas dois deles se destacaram acima dos demais, se transformando em mitos do futebol argentino.
Paulinho Valentim não chegou a disputar nenhuma copa do mundo, mas marcou época no Botafogo, anotando cinco gols na decisão do campeonato carioca de 1957 contra o Fluminense. Encantou os argentinos no sul-americano de 1959, quando marcou todos os gols da vitória brasileira sobre o Uruguai (3 x 1), partida que terminou numa briga generalizada que entrou para a história. No ano seguinte chegava a Buenos Aires, contratado pelo Boca.
O atacante acabou se transformando em lenda do clube. Ainda é o jogador xeneize que mais marcou no superclássico, e atuou por toda a primeira metade da década de 1960 na equipe da Bombonera. Boêmio, morreu pobre em Buenos Aires, em 1984. Mas era tão querido que a torcida tinha um canto especial para ele: “tchin, tchin, tchin! gol de Valentim!”. Quem vai ao museu do Boca Juniors pode testemunhar sua importância na história do clube.
Pelo lado do River a lenda brasileira atendia pelo nome de Vladem Quevedo, ou mais simplesmente Delém. Campeão carioca em 1958 pelo Vasco, o camisa 10 chegou ao River Plate em 1961, ficando na equipe millionária até 1967. Embora tenha atuado em um período difícil da história do clube (o jejum de títulos que se estendeu de 1957 a 1975, o maior da história do River), Delém se consagrou. Ficou na Argentina, onde se transformou num dos maiores descobridores de talentos da história do país. Morreu em Buenos Aires, em 2007.
E os dois brasileiros estavam em campo naquele 9 de dezembro. Tinham como objetivo vencer dois goleiros que talvez tenham sido os maiores da história do país. Pelo Boca vinha Antonio Roma, filho de La Boca e titular nos mundiais de 1962 e 1966. Pelo River havia Amadeo Carrizo, titular da copa de 1958. Passar por esses legítimos frutos da lendária escola de goleiros argentinos era a função de Delém e Valentim.
O cobrador era o brasileiro Delém. Que tomou distância e bateu com muita força, no canto direito. Mas Roma se adiantou de tal maneira que quase dividiu a bola com o meia brasileiro. A bola explodiu no corpo do goleiro xeneize e saiu. Os jogadores do River reclamavam desesperados, enquando Foino dizia que “se a cobrança fosse boa a bola teria entrado” (posteriormente se arrependeu e declarou que deveria ter mandado a cobrança se repetir).
Como é fácil imaginar, aquela partida entrou para a história do superclássico. E não apenas por ter sido uma grande partida, repleta de grandes jogadores, e que decidiu um campeonato. Também por mostrar o significado mais profundo de um superclássico: naqueles 90 minutos se constroem heróis e vilões, que terão seu nome inscrito na eternidade pelo que fizerem naquele intervalo de tempo. E naquele dia, dois brasileiros conheceram os dois lados da moeda.
Os protagonistas daquele jogo foram:
Boca Juniors: Roma, Simeone, Silvero, Orlando Peçanha e Marzolini; Menendez, Rattín e Pezzi; Pueblas, Paulinho Valentim e Gonzalez. DT: José D’Amico.
River Plate: Carrizo, Saenz, Ditro, Varaga e Etchegaray; Sarnari, Cap e Delém; Pando, Artime e Roberto. DT: Jorge Kirstenmacher.