Supersemana – Palermo de uma perna só: Libertadores 2000
Quem teria a insanidade de relacionar um jogador que está se recuperando de uma cirurgia no joelho para uma partida decisiva de Libertadores da América? Só um treinador como Carlos Bianchi, um dos maiores do Boca Juniors nos últimos tempos, para fazer isso. Diferente de Marcelo Bielsa, ele não é louco. Mas, teve a audácia de relacionar Martín Palermo, que só poderia voltar aos gramados em três meses, para fazer história na Libertadores de 2000.
Antes de relembrar a partida em questão, um pouco do que aconteceu dias antes. Da partida de volta das quartas de final daquele dia 24 de maio de 2000. Era uma supersemana com três partidas. No domingo, dia 14, o primeiro duelo pelo Torneio Clausura, que ficou num empate em 1×1 em que o Boca Juniors merecia a vitória, mas o paraguaio Nelson Cuevas decretou um empate sofrido na Bombonera. Três dias depois, foi a vez da partida pela Libertadores da América.
Na época, Boca e River tinham nível internacional mais equivalentes: ambos com duas Libertadores, um mundial, uma Supercopa. Se o Boca tinha mais vitórias nos dérbis (incluindo uma recente invencibilidade de nove anos em pleno Monumental, quebrada em 1999), o River tinha mais campeonatos argentinos e troféus em quantidade e qualidade mais recentes. E venceu por 2×1 no Monumental, com uma partida memorável de Javier Saviola, Pablo Aimar e do zagueiro Mario Yepes, considerado o melhor jogador da partida. A vitória dava uma vantagem mínima para a partida de volta.
E foi nesse hiato que o Boca começou a vencer o superclássico. Na segunda-feira, dia 21, logo após a rodada do Clausura, o técnico Carlos Bianchi concedeu uma entrevista coletiva e admitiu que convocaria 19 jogadores e que estaria Palermo, que se recuperava de uma cirurgia. O atacante, apesar dos três pênaltis perdidos na Copa América um ano antes e da assumida tosqueira, era uma máquina de gols, com cerca de 80 em 100 jogos já feitos pelo Boca. Mas não jogava havia seis meses, após estourar o joelho em jogo contra o Colón – do qual só aceitou ser substituído após, mesmo lesionado, conseguir marcar um gol (!).
O efeito psicológico fez resultado. Os jogadores do River Plate se mostraram um tanto quanto incômodos. Mas, Américo Gallego, até então técnico do River, fez um desdém que pode ter lhe valido a classificação: “Palermo não me preocupa. Se eles podem colocar Palermo no banco, eu coloco o Enzo”, se referindo ao ídolo millonario Enzo Francescoli, que havia se aposentado três anos antes.
No dia seguinte, Biachi decidiu por levar Palermo para a partida, mesmo não estando 100% (estaria 20% no máximo sendo relatos extra-oficiais). Na plateia, um ex-jogador dos dois rivais, Gabriel Batistuta, curtindo as férias após sua multimilionária transfência da Fiorentina para a Roma. Dentro das quatro linhas, com Martín no banco de reservas, o Boca dominava o River Plate, como tinha feito dias antes. Chegou até a sofrer pênalti não-marcado em Gustavo Barros Schelotto (ele mesmo, não Guillermo). Mas o tempo passava rápido. Roberto Bonano era uma muralha. O primeiro tempo terminava no 0x0 junto a várias dúvidas.
A resposta veio na segunda etapa. Riquelme começou a explicar o porquê de ser, para muitos, ídolo máximo do clube. Com uma tranquilidade que poucos têm, carregou o time nas costas. Depois de uma jogada fenomenal, encontrou Marcelo Delgado, que emendou de canela mesmo. O 1×0 parcial levava a partida para os pênaltis, já que não havia a regra do gol fora de casa daquela situação.
A vitória veio logo após a entrada de Martín Palermo em campo. A promessa foi cumprida. Mas o atacante pouco tocou na bola, sequer conseguia correr. Mas só a presença do jogador foi suficiente para deixar a partida mais tensa do que o normal. O lance que originou o pênalti do 2×0 (gol de Riquelme) não foi com ele, mas foi como se tivesse. Foi, aliás, outra mudança certeira de Bianchi: o pênalti foi sofrido por Sebastián Battaglia, que o técnico colocara no lugar de Gustavo Barros Schelotto.
Depois de tal gol, o Boca só administrou a partida. Com a posterior expulsão de Lombardi, a classificação estava assegurada. Riquelme começou a dar dribles desconcertantes, como uma caneta de costas em Yepes. O time da casa tocava a bola, apenas esperando o fim do jogo. A dez segundos do fim, eis que a estrela de Bianchi brilhou novamente, duas vezes. Battaglia recebeu de Riquelme quase pela lateral, entrou na área e quase da linha de fundo tocou para um manco Palermo.
A dificuldade do atacante era tamanha que ele demorou mais de cinco segundo para dominar, girar e chutar fraco, no canto direito de Bonano. Tempo suficiente para humilhar o adversário. Palermo, em seus únicos minutos naquela vitoriosa campanha na Libertadores (não voltaria a ser usado nela), chorava de dores e de emoção. Bianchi tinha um sorriso de orelha a orelha.
Era o Boca vencendo e humilhando o rival em plena Libertadores, que, após 22 anos, viria a ganhar em 21 de junho de 2000. Mas os festejos auriazuis datam desde 24 de maio, data daquele jogo de cinema e considerado Día de la Paternidad (literalmente, “paternidade”, mas no sentido de freguesia) pelos boquenses. Um presentaço à altura da mítica e mística La Bombonera, cuja inauguração completou 60 anos exatamente no dia seguinte.
Uma partida sensacional,lembro como se fosse hj.Aquele gol do Palermo foi uma coisa emocionante,depois de 6 meses parado ele fez o gol que matou o jogo.Ma só uma correção, o primeiro gol foi do Delgado não do Schelotto
Tenho a enciclopédia do xentenario. Esse é o décimo Superclásico, na ordem cronológica, no Top 10 Boca x River elaborado pelos autores. De fato, eles não deixaram de mencionar a provocação relacionada ao Francescoli, dizendo (salvo engano meu) que o próprio Príncipe não gostou da atitulde de Gallego. Faltou dizer que instituiu o Día de la Paternidad, hehe. O título do texto era justamente Father`s Day (a enciclopédia é em inglês).
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