A edição de terça-feira do Superclássico tem algo de melancólica. Afinal, o maior duelo argentino jamais foi disputado com as duas equipes estando ao mesmo tempo em situação tão complicada, ambos sem condição de sonhar com qualquer título. O mundo aprendeu a ver o confronto como o encontro de duas grandes equipes que disputam títulos importantes. E a história mostra que Boca e River sempre deram todos os motivos para que o clássico fosse visto dessa forma.
Entre 1931 e 1966 a Argentina tinha um campeonato por ano, disputado apenas pelas equipes da região de Buenos Aires. Nesse período, o domínio dos cinco grandes (Boca, River, Independiente, Racing e San Lorenzo) era completo. Os 36 campeonatos disputados nesse período foram vencidos por um dos grandes, 22 deles por Boca e River. Apenas quatro daqueles campeonatos tiveram um clube de fora do grupo dos cinco como vice-campeão: Huracán em 1939, Banfield em 1951, Velez em 1953 e Lanus em 1956.
Em 1967 foi feita uma grande reforma do sistema futebolístico argentino, com dois torneios sendo disputados a cada ano: o Nacional e o Metropolitano. Agora as equipes provinciais tinham a oportunidade de enfrentar os grandes em partidas oficiais. As coisas ficaram mais difíceis para os grandes. Já em 1967 o Estudiantes foi o primeiro a furar o bloqueio e venceu o Metropolitano. Em 1971 o Rosário Central seria a primeira equipe de fora da provincia de Buenos Aires a ser campeã, vencendo o Nacional daquele ano.
Esse sistema durou de 1967 a 1985, período em que se disputaram 19 Nacionais e 18 Metropolitanos (não houve Metro em 1985). Desses 37 torneios, 22 foram vencidos pelos cinco grandes, 12 deles pelos protagonistas do superclássico.
Essa clara diminuição da hegemonia dos grandes não era propriamente um sinal de decadência. O período em questão foi marcado por equipes muito fortes que não pertenciam ao grupo dos cinco. Basta lembrar o tricampeonato da Libertadores conquistado pelo Estudiantes (1968/69/70) ou a conquista continental do Argentinos Jrs. em 1985.
Nesse caso, portanto, o maior equilibrio refletido numa distribuição mais igualitár/ia de conquistas era um sinal de fortalecimento do futebol argentino. Entre 1964 e 1978, por exemplo, os clubes do país venceram 12 das 15 Libertadores disputadas no período (Peñarol em 1966, Nacional em 1971 e Cruzeiro em 1976 foram as exceções).
Em 1991 foi instaurado o sistema atual, de torneios curtos. De lá para cá se disputaram 19 Aperturas e 19 Clausuras. Nos primeiros dez torneios Apertura, River e Boca venceram 9 (o Velez em 95 foi a exceção). No Clausura o equilíbrio foi maior nesse período, mas ainda assim os grandes venceram 6 das 10 primeiras edições do torneio (exceções: Newell’s 1992, Velez 1993/96/98). No total, dos primeiros 20 torneios curtos, os grandes venceram 15 (12 deles conquistados por Boca ou River).
Nas últimas nove edições dos dois torneios, a situação não chega a se alterar completamente: 11 dos 18 títulos ficaram com os grandes. Mas nos últimos anos a Argentina vê, estarrecida, uma seqüência inédita de fracassos dos grandes. O atual Apertura será o quarto torneio consecutivo sem título dos cinco, algo que jamais havia acontecido. E em 2011 não teremos nenhum deles na Libertadores pelo segundo ano consecutivo, outro fenômeno inédito.
E o Superclássico de terça-feira é um retrato do momento atual dos gigantes argentinos. Veremos em campo duas equipes repletas de problemas internos, à beira da crise, e que não empolgam nem o mais fanático de seus torcedores. Do lado do River, há o risco real de rebaixamento e a comissão técnica interina, após a demissão de Ángel Cappa. Do lado do Boca a situação é menos desesperadora, mas seu treinador também é muito questionado, e a equipe simplesmente não consegue jogar bom futebol.
E embora haja bons jogadores dois dois lados, mesmo a qualidade dos elencos mostra a má fase das duas equipes. Ambas atualmente tem em campo jogadores de alta qualidade mas já veteranos (Riquelme, Palermo, Almeyda, Ortega), jovens talentosos que ainda não se firmaram como grandes jogadores e atletas de qualidade mediana.
E os argentinos e os amantes do futebol espalhados pelo planeta esperam a recuperação dos grandes clubes do país, Boca e River em particular. Afinal, com todo o respeito ao ótimo trabalho feito por clubes como Estudiantes e Velez Sarsfield, é inconcebível termos um futebol sul-americano forte sem Boca, River, Independiente, Racing e San Lorenzo (e Peñarol e Nacional…).
Infelizmente na Argentina não falta quem considere que o que vemos agora é o declínio irreversível de um modelo futebolístico pautado em um punhado de gigantes. Esses analistas apostam numa pulverização dos títulos e o fim do conceito de “grande”. Será esse um bom modelo?
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