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Só um toque na bola em Copas, com o calcanhar: a classe de Marcelo Trobbiani fez 65 anos

No primeiro ciclo pelo Boca, onde foi revelado. Só ele, Mascherano e mais três estrearam na seleção principal antes mesmo de entrar no próprio time adulto do clube de formação

Um recorde quase caiu na final da Copa de 2014, entre Argentina e Alemanha. Mertesacker substituiu Özil pouco antes do minuto 15 do segundo tempo da prorrogação, que ainda teve dois minutos de acréscimo. Inconscientemente, foi um troco histórico do técnico Löw à alteração promovida pelo treinador Bilardo na final de 1986: também para ganhar tempo, El Narigón acionou Marcelo Antonio Trobbiani aos 45 do segundo tempo no lugar do herói Burruchaga. Com os acréscimos, Trobbiani também teve dois minutos, o suficiente para fazer-se notar, ao contrário do zagueiro alemão: de costas ao gol, ele matou no peito uma bola levantada em falta cobrada para Maradona, deixou-a pingar uma vez no chão e, sentindo a ameaçadora aproximação do tanque Briegel e o avanço do colega Héctor Enrique, encostou seu pé uma única vez na bola: foi para dar um calcanhar de canhota que deixou Enrique na entrada da área para quase anotar o 4-2. Mas sua classe que ontem completou 65 anos não se restringiu àqueles dois minutos, rendendo-lhe idolatria em especial no Boca, no Estudiantes e num Barcelona finalista de Libertadores – claro, o do modesto futebol do Equador.

Ele nasceu em Casilda e cresceu em Arequito, cidade vizinha naquele interior santafesino que também o tem como filho. Desde cedo, precisou trabalhar em função da condição humilde dos Trobbiani, acordando na madrugada para auxiliar na padaria familiar, e nas horas vagas ouvia o time do coração – o Boca, conforme contou à El Gráfico em entrevista de 2012 da qual tiramos as aspas dessa nota: “em casa colocávamos o rádio no pátio, não se televisionavam os jogos. Tinha que imaginar tudo. Meu ídolo era Ángel Clemente Rojas porque movia a cintura, mas o imaginava pelo relato da rádio, não o havia visto nunca. Meu pai me levava quando o Boca jogava em Rosario, estávamos a 40 quilômetros, mas nem sempre se podia. Vi ao vivo o grande Ernesto Grillo quando veio da Itália e pôs a camisa do Boca, e veja o que é o destino, pois depois o tive de treinador nos juvenis do Boca. Um grande mestre. Eu driblava muito e ele me dizia: ‘a você, garoto, o que vou lhe dizer? Siga driblando, se do mesmo jeito vai fazer o que quer’. Palavras sábias. Era minha maior virtude e ele não a podava”. Trobbiani em 2012 era o técnico da seleção sub-20 e destacava a importância daquele momento caso topasse com um juvenil similar:

“É uma frase que lembrarei toda a vida. Hoje há muito pouco dribladores. Te posso assegurar que se tenho cinco jogadores que driblem, sou campeão do mundo. Assim são as grandes equipes, a que tem vários jogadores desses, te ganham o mano a mano e és campeão. Nem mesmo Bilardo pedia a mim que me matasse marcando. Conheciam minhas qualidades e minha personalidade, então me indicavam que fechasse um pouco, que corresse 20 metros para tapar. E isso, eu fazia”. Antes de Grillo, que tinha experiência de gol em final de Liga dos Campeões pelo Milan, ele foi primeiramente observado pelo ex-vascaíno Bernardo Gandulla, um mestre ainda mais destacado: “me formou como homem e como jogador. Foi um segundo pai. Penso que o mestre de juvenis é o que não fala muito e te diz as coisas pertinentes. E o que tem bom olho. Testou a mim depois que eu saí do trem leiteiro que me trouxe de Arequito e que tardou 15 horas. Vinha nervoso, cansado, joguei 20 minutos e andei mal, mas no outro dia me voltou a ver 20 minutos e me inscreveu. Isso é ter olho”. O peito de usar um calcanhar na única bola recebida em uma final de Copa do Mundo seria reflexo de uma postura sempre corajosa. É o que se pode interpretar logo na primeira pergunta daquela entrevista, “como se potencializa um juvenil para a seleção principal?”:

Em dois momentos com Miguel Brindisi: voltando ao Boca em 1981 e no vice da Libertadores de 1990 pelo Barcelona de Guayaquil: “os homems também choram”, diz a revista

“Fazendo-o jogador partidas internacionais, corrigindo movimentos, repetindo jogadas. Imprimindo que não é bom o temor, que é preciso ter audácia na vida, tomar riscos. Eu fui audaz desde pequenino: aos 12 anos vim só a Buenos Aires, e aos 20 me venderam a um clube que não sabia nem onde ficava. A vida, para mim, é tomar riscos, com inteligência e equilíbrio, mas sem riscos não vale nada. Em campo, é igual”. A pergunta fora feita mesmo a um especialista: Trobbiani estreou na seleção principal antes mesmo de estrear no time adulto de seu clube, algo inédito e só repetido quatro vezes desde então – pelos obscuros Alejandro Débole e Jorge Cecchi em 1980, por Mascherano em 2003 e por Mammana em 2014. Ele, que sequer havia chegado no time sub-19 do Boca, quanto mais ao sub-20, também contou como foi isso: “Don Miguel Ignomiriello me levou ao Juvenil de Cannes, onde fui o melhor jogador, e no regresso me incluiu na seleção fantasma que se preparava na altura para jogar contra a Bolívia. Dessa equipe, fomos Bochini e eu a Tilcara, havíamos rendido. Ao fim fui ao banco contra a Bolívia e entrei a uns minutos do final, não me conhecia ninguém. Tilcara era um povoado fantasma, as pessoas nos convidavam aos bailes mas eu tinha uma fome de glória que nada me importava. Em La Quiaca treinávamos em um ginásio. Chegamos a jogar oito amistosos e a grana da arrecadação repartíamos entre nós no vestiário, foram meus primeiros pesos no futebol. Ninguém nos dava bola. Don Miguel Ignomiriello fazia tudo, um fenômeno. Quero lhe agradecer por essa nota, porque foi ele quem me resgatou. Graças a Don Miguel terminei sendo alguém no futebol”.

Em tempos menos empresariais da FIFA pré-Havelange, a Argentina tinha receio de perder sua condição de sede da Copa de 1978 caso, tal como em 1970, não se classificasse à Copa de 1974. Diversos jogadores ainda obscuros foram então preparados por três meses pelo tal Ignomiriello (enquanto que Omar Sívori trabalhava longe dali com o elenco visto como principal) na altitude para não haver nenhuma margem ao azar para o jogo contra a Bolívia em La Paz, mas terminaram esquecidos pela própria AFA – daí o apelido de “seleção fantasma”, que foi a nada glamourosa porta de entrada também para Kempes e Fillol na Albiceleste: “não se sabia quem era os que estavam representando a Argentina, éramos uns fantasmas, por isso o apelido. Bem na hora do jogo, veio Sívori com os titulares e se armou uma discussão importante. Sívori não queria pôr ninguém. Ao fim Don Miguel deve tê-lo convencido, colocou uns dois dos nossos e ganhamos de 1-0. Foi uma vitória histórica, a seguinte em La Paz foi com Pekerman, 32 anos depois”. Esse jogo contra a Bolívia deu-se em 23 de setembro de 1973, enquanto a estreia de Trobbiani no time adulto do Boca ocorreu dois meses depois, em 25 de novembro, como titular em um 4-0 no Ferro Carril Oeste pelo Torneio Nacional: “La Candela é um orgulho para mim. Agora é um luxo, antes não havia televisão nos quartos nem calefação, tínhamos sim fome de glória, agora talvez falte algo disso. Nós vivíamos sonhando com a possibilidade de jogar no time principal do Boca e estávamos esperando essa oportunidade todo o tempo”.

Essa partida contra o Ferro deu-se já na reta final, com mais três jogos restantes: 1-0 fora de casa no Huracán recém-campeão do Metropolitano, 4-1 no Atlanta e derrota de 3-2 para o Gimnasia em La Plata em um grupo de quinze times onde só avançavam os dois primeiros para a fase seguinte. O próprio Atlanta terminou líder e o Boca, apenas o quinto, quatro pontos atrás. Trobbiani ao menos conseguiu titularidade logo de cara, participando dos 90 minutos de todos aqueles jogos. Contrariando o estilo de um volante apenas aguerrido como tradicionalmente se espera no Boca, exibia um repertório de dribles e armação de jogadas – inaugurando uma linhagem seguida por Claudio Marangoni e Fernando Gago como camisas 5 classudos nos xeneizes. Tradição clubística oposta à parte, ele admitiu a aparente extinção de jogadores assim em geral na Argentina: “o futebol mudou muito, Verón e Riquelme talvez sejam os últimos. Quase não restam campinhos nem baldios, agora é tudo edifício, por isso é preciso trabalhar muito as jogadas e os movimentos para resolver os problemas que antes resolvíamos jogando cinco horas por dia contra rivais na rua”. Treinado pelo boleiro Rogelio Domínguez, ex-goleiro de Real Madrid e Flamengo, aquele Boca de 1973-75 era reconhecido pelo bom futebol que falhava em obter títulos: começou o Metropolitano de 1974 com um 5-2 no River na estreia de Fillol pelo rival e emendou um 7-1 no Argentinos Jrs com um 6-0 fora de casa no San Lorenzo entre a 6ª a 7ª rodadas, classificando-se ao quadrangular final – quando então ficou fora do baralho já no segundo jogo após duas derrotas seguidas.

Em janeiro de 1983, prestes a ser campeão do Metropolitano, e festejando em junho com o mentor Eduardo Luján Manera o bicampeonato com o Nacional: na Argentina, Trobbiani consagrou-se mais no Estudiantes

No Torneio Nacional, após uma vitória e um empate nos dois primeiros jogos, os auriazuis emendaram nove vitórias seguidas. Classificados com folga ao octogonal final, nele então perderam os quatro primeiros jogos, voltando a sair cedo do páreo… Foi pelo Nacional que Trobbiani, inclusive, marcou seus primeiros gols (começando por dois sobre Ricardo La Volpe, em um 4-0 no Banfield). E foram onze, um deles após driblar quatro adversários do Estudiantes para anotar o único do duelo dentro de La Plata – o golaço rendeu-lhe da El Gráfico o apelido de Mandrake. Em paralelo, ele reapeceu na seleção, no segundo semestre de 1974, já após o Mundial da Alemanha. No Metropolitano de 1975, foi o inverso: o time foi de menor a maior, só perdendo uma partida nas últimas 22, embora tenha sido derrotado dez vezes no total. A arrancada não bastou para o time ir além do 3º lugar enquanto o rival River, somando cinco pontos a mais, encerrava jejum de dezoito anos. Condutor do Boca com ainda 20 anos e deixando também seus golzinhos (onze no Metropolitano), Trobbiani foi em paralelo empregado em maio pela seleção juvenil campeão do tradicional Torneio de Toulon, junto de outros futuros campeões da Copa de 1978 (“em Toulon eu era o titular e Ardiles, meu reserva, jogavam Passarella, Gallego e Valencia…”).

O embalo não se manteve para o Nacional. O time deixou cedo o páreo em seu grupo, em um 4º lugar a seis pontos da segunda vaga. Domínguez foi despedido e substituído pelo pragmático Juan Carlos “Toto” Lorenzo, que no Metropolitano de 1976 enfim encerraria seis anos de jejum vivenciados àquela altura pelo Boca. Sem que Trobbiani contribuísse tanto; inclusive nem marcou na campanha: “como eu não chutava nunca ao gol, em um jogo, El Toto me fez pôr uma cinta adesiva no dedo para que me lembrasse. Nesse dia me expulsaram com dez minutos e atirei a cinta na merda. Seguramente, Lorenzo tinha razão com respeito a mim, porque nesse momento driblava demais. Na Espanha, me fiz mais jogador. Creio que Lorenzo não jogava do meu jogo, preferia um volante com mais marcação, e então quando vi o interesse do Elche, não duvidei em pressionar para sair”. A transferência a um pequeno clube espanhol terminou tirando-o da melhor parte da Era Lorenzo: o bicampeonato com o Nacional de 1976, vencido em final com o River, emendando com as primeiras Libertadores xeneizes, no bi de 1977-78. A negociação com ele ainda precisando concluir o serviço militar obrigatório rendeu-lhe também uma imputação formal como desertor das forças armadas, algo que demorou a ser arquivado. E a ida a um time pequeno da Espanha tirou-o do radar para a Copa de 1978, pois a falta de espaço no Boca não o privava da Albiceleste no primeiro semestre de 1976, onde foi usado sete vezes por Menotti.

Só que o treinador se permitia a valorizar muito mais o futebol nacional, chamando para 1978 do exterior somente o artilheiro Kempes, do Valencia, ao passo que o Elche terminou justamente rebaixado na temporada 1977-78 (“além disso, Ardiles andava muito bem”, reconheceu). A queda não arranhou sua imagem no Elche; ao contrário, foi declarado intransferível pelo presidente em tempos pré-Bosman de lei do passe mais forte. O time esteve por duas temporadas nas cabeças para voltar a La Liga, com o 5º lugar na segundona de 1978-79 e um 4º na seguinte, a dois pontos do acesso. Foi então transferido ao Real Zaragoza na temporada 1980-81, mas na janela de inverno europeu foi repatriado pelo Boca. Veio em meio a um pacotão de reforços que incluía o veterano Miguel Brindisi e, sobretudo, Maradona para solucionar um novo jejum doméstico, que adentrava o quarto ano. Calhou de ser novamente um campeão não tão marcante, pois uma hepatite o tirou dos gramados entre março e junho. Ainda assim, foi incluído por Menotti na lista dos 40 pré-convocados ao Mundial de 1982. Trobbiani terminou não confirmado na Espanha, e Maradona sim, o que lhe deu mais espaço no Boca no primeiro semestre de 1982, enquanto Diego se ocupava com a preparação da seleção. Na época, os desmandos econômicos da ditadura se agravaram com a derrota nas Malvinas, levando a uma súbita valorização do dólar em 240%. Sem dinheiro para reter Dieguito, o clube negociou-o com o Barcelona ainda antes da Copa.

Comemorando com Bochini (de camisa belga) e Batista após as semifinais de 1986, e preparado por Bilardo para entrar para os descontos da final

Só que Trobbiani tampouco ficou após a eliminação no Torneio Nacional, agora disputado no primeiro semestre: “Ficou muito difícil manter todos os jogadores e logo aí Carlos (Bilardo) veio me buscar. Eu sabia que o Estudiantes tinha uma grande equipe, que vinha de perder a semifinal do Nacional e isso me entusiasmava. E no final terminei sendo mais ídolo no Estudiantes do que no Boca. Carlos foi um adiantado ao colocar a mim com Ponce e Sabella, algo parecido ao que o Barcelona faz com Xavi, Iniesta e Cesc. Era muito difícil que nos tirassem a bola, por isso o mote de que o Estudiantes não jogava é mentira, dávamos baile em todas as outras equipes”. De fato, apesar da imagem aguerrida no imaginário brasileiro pela batalha de La Plata na Libertadores de 1983, aquele Estudiantes ficou reconhecido pelo futebol-espetáculo, em contraste com o time irritantemente astuto do fim dos anos 60. José Daniel Ponce e Alejandro Sabella eram ambos meias-armadores, daí a nada modesta comparação com o Barça naquela entrevista de 2012. Não só o calcanhar mas todo o pé esquerdo de Trobbiani mostrou-se quente assim que chegou em La Plata. Se o Estudiantes classificou-se para aqueles embates célebres contra o Grêmio na Libertadores de 1983, foi como campeão do Metropolitano de 1982, finalizado só em fevereiro de 1983. O volante contribuiu com oito gols no primeiro título pincharrata desde a Libertadores de 1970.

Essa conquista alçou Bilardo ao comando da seleção argentina, com o elenco passando a ser comandado por Eduardo Luján Manera para o Torneio Nacional de 1983. Pois os alvirrubros conseguiram em um único semestre o seu único bicampeonato argentino seguido, sagrando-se campeões novamente em junho. Se em julho já se amargava a eliminação para os gaúchos na Libertadores, a boa campanha continental rumo ao triangular-semifinal serviu para repor Trobbiani na seleção após sete anos: reestreou pela Albiceleste seis dias depois da batalha de La Plata, em um 1-0 sobre o Paraguai em Assunção pelo troféu binacional Copa Félix Bogado. O Estudiantes ainda ficaria no páreo pelo Metropolitano de 1984, a três pontos do campeão Argentinos Jrs. Nisso, o volante virou peça assídua na seleção de Bilardo, com sete jogos naquele ano – incluindo seu único gol pela Argentina, em 2-0 amistoso sobre a Bélgica em Bruxelas. O Estudiantes ainda ficaria no páreo pelo Metropolitano de 1984, a três pontos do campeão Argentinos Jrs. Nisso, o volante virou peça assídua na seleção de Bilardo, com sete jogos naquele ano – incluindo seu único gol pela Argentina, em 2-0 amistoso sobre a Bélgica em Bruxelas. Em 1985, foram mais cinco jogos, incluindo o decisivo que garantiu a Argentina na Copa. O Peru, de virada, arrancava um 2-1 dentro de Buenos Aires, tal como nas eliminatórias para 1970.

Nos minutos finais, Passarella acertou a trave. Trobbiani, no lance, atraíra a marcação peruana, facilitando que Gareca se infiltrasse para aproveitar o rebote e marcar o 2-2. Se em 1969 esse resultado desclassificou os hermanos da viagem ao México, em 1985 bastou para carimba-los no mesmo país. O volante então aceitou proposta do lucrativo narcofútbol colombiano, reforçando o Millonarios treinado pelo seu mestre Eduardo Luján Manera, confiante de que seria lembrado pelo compadre Bilardo. Passando a armar as jogadas para os gols do artilheiro argentino Juan Gilberto Funes, Trobbiani triscou o título – o time de Bogotá, onde o também argentino Alberto Vivalda ensinava as manhas de goleiro ao jovem René Higuita, terminou a dois pontos e meio (isso mesmo) de um América de Cali recém-vice da Libertadores e igualmente turbinado com argentinos, incluindo o próprio Gareca. Trobbiani seguiu na Colômbia até a virada de março para abril de 1986, quando o Elche o trouxe de volta por 10 milhões de pesetas como reforço de emergência na reta final da segundona espanhola. Passou perto: o acesso escapou por um ponto. A boa fase foi acompanhada por Bilardo, que o incluiu na lista final para a Copa do Mundo, ainda que o volante não houvesse sido usado desde que deixara o Estudiantes. Ele reapareceu pela Argentina já em 30 de abril, na criticada derrota para os semiamadores da Noruega em Oslo em um dos últimos amistosos pré-Copa.

https://www.youtube.com/watch?v=y2ox9vGyl-U
Oito segundos de vídeo: Trobbiani entra, dá seu único toque e a Argentina é campeã

“Por sorte, realizei o sonho em 1986 com 31 anos, com mais experiência, já sem driblar tanto. Carlos conhecia bem minhas virtudes e por isso sempre tive fé para 1986”. Ele e o velho conhecido Ricardo Bochini, colega dos tempos de “seleção fantasma”, enfim foram contemplados com a convocação, pensados como alternativas a Maradona ou ao meteórico Claudio Borghi, mas, embora Borghi tenha perdido lugar após o segundo jogo, Bilardo optou por reforçar mais a defesa. Bochini só foi usado para ganhar tempo nos cinco minutos finais da semifinal, contra a Bélgica. E Trobbiani teria ainda menos tempo, nos 120 segundos de acréscimo da decisão – embora já fosse visto antes, na comemoração do gol de outro antigo compadre, Jorge Valdano. Colegas na seleção juvenil campeã em Toulon em 1975, dividiam a habitação (“ele tinha trezentos livros e eu, nenhum. Mandava uns discursos bárbaros no grupo, El Poeta. Eu o deixava falar, o deixava, e quanto voltávamos ao quarto lhe perguntava: ‘que c*r*lho falavas, Jorge?”) e Trobbiani consolou-o por um gol feito embaixo da trave perdido pelo atacante perdera contra os belgas: “lhe dei ânimo e terminei lhe dizendo: ‘vais fazer um gol na final’. Fez e por isso veio correndo ao banco, me sinalizando com o dedo”.

Considerando somente finais, a marca de Trobbiani, igualada por Mertesacker em 2014, só esteve ameaçada em 2002: Denilson entrou pouco antes dos 45 minutos no lugar de Ronaldo, em um jogo que teve três de acréscimo. Aos 47, Kaká se perfilou para entrar, mas a partida não se interrompeu e, para a agonia do camisa 23, foi encerrada antes que pudesse figurar na estatística da decisão. Houve quem interpretasse a entrada de Trobbiani como um agradecimento de Bilardo, algo rechaçado sem ilusões pelo volante: “que agradecer que nada. Bilardo não é disso. Me pôs para manter a bola porque faltava pouco e precisava que os minutos passassem. Se não joguei antes foi porque Burruchaga andou muito bem. O mesmo ocorreu a Bochini, que quase não jogou porque Diego arrebentava. Teria gostado de jogar mais, mas também é certo que são privilegiados os que chegam a ser campeões do mundo em toda a história do futebol. Eu estive entre esses”. Após erguer a taça FIFA, Trobbiani voltou à realidade da segunda divisão espanhola por uma temporada a mais no Elche, apenas 7º na temporada 1986-87. Acertou um segundo ciclo no Estudiantes na temporada argentina de 1987-88. Dessa vez, o time de La Plata ficou entre os cinco últimos, mas o volante se deu ao gosto de marcar seu único gol no Clásico Platense (1-1) – em parte porque o Gimnasia esteve ausente da elite entre 1980 e 1985.

Para o segundo semestre, atravessou a cordilheira para ser o condutor do Cobreloa campeão chileno de 1988 e eliminado nas quarta-de-final da Libertadores de 1989: “amo os mineiros como louco, levam uma vida supersacrificada. Ali sou ídolo e sempre os tenho no coração”. Em 1990, ele foi mais longe na Libertadores, agora pelo Barcelona treinado pelo ex-colega Brindisi. Nunca o futebol equatoriano fora tão longe e as boas memórias não se resumiram a essa estatística: o time levou a melhor o clássico de Guayaquil com o Emelec pelas quartas-de-final e, sobretudo, eliminou nas semifinais o River. Na decisão, a queda em Assunção para o Olimpia parecia reversível quando um Trobbiani de 35 anos abriu o placar no Equador aos 16 do segundo tempo (ele é o terceiro mais velho a marcar numa final de La Copa, abaixo de José Sand e Juan Abbadie), dez minutos depois do colega Luis Acosta ter perdido um pênalti salvo pela lenda Éver Almeida, cuja irregularidade em adiantar-se tanto não foi observada. O time da casa já havia visto um gol de Manuel Uquillas ser anulado aos 41 do primeiro tempo, em duvidoso impedimento. Os paraguaios enterraram o sonho com um gol faltando nove minutos. O choro convulsivo do veterano foi o retrato dos derrotados. “A derrota que mais me doeu foi a final da Libertadores”, admitiu em 2012. Campeão da liga local em 1991, ele voltou ao futebol argentino para um breve passo pelo Talleres em 1993, pendurando as chuteiras em 1994 no Deportivo Laferrere na segunda divisão.

Onde mais foi campeão no continente: com o Cobreloa em 1988 e pelo Barcelona em 1991, embora a imagem seja do seu gol na final da Libertadores de 1990

Não tardou a emendar uma nova carreira, voltando ao Estudiantes como técnico juvenil e assistente do mestre Eduardo Luján Manera do time principal no elenco campeão da própria segundona na temporada 1994-95. Trobbiani não virou técnico de ponta, mas teve seus momentos sobretudo como promovedor de jovens talentos. Ainda assistente, acompanhou Luján Manera no Deportivo Español em 1997, lançando breve “carreira solo” um ano depois no Provincial Osorno rebaixado no Chile. Voltou então a ser assistente, trabalhando com Mario Zanabria no Lanús em 1999 e com Roberto Challe no Universitario campeão peruano de 2000. Assumiu esse clube em 2004, voltando a trabalhar com jovens nas inferiores do Hércules de Alicante entre 2005 e 2006 (“com o Messi, na Espanha, o via jogar no Barça B, antes que Rijkaard começasse a coloca-lo no time. Nessa época, eu vivia em Alicante e às segundas-feiras escrevia um artigo no diário Información. Um dia, o título foi: ‘Rijkaard, use Messi mais’. É uma relíquia e um orgulho”). Voltou ao Boca como assistente do Miguel Ángel Russo na campanha campeã da Libertadores de 2007, embora depois tenha rompido com o velho colega dos tempos de Estudiantes.

Seguiu então trabalhando no Cobreloa em 2008 (“potencializei Eduardo Vargas, a quem venderam por 18 milhões ao Napoli. Charles Aránguiz, Toni Castro, muitos dos que tem El Zurdo Sampaoli em La U, os promovi desde garotos em Calama”) e em duas passagens pelo Cienciano quando foi requisitado pela seleção sub-20 da Argentina naquele 2012. Naquela entrevista oito anos atrás, Trobbiani cravou projeções certeiras sobre algumas promessas ainda anônimas internacionalmente com quem trabalhava na seleção juvenil: “sobre Dybala, é difícil que ache um buraco na frente com todos os atacantes que tem hoje a Argentina. É goleador, não tem posição fixa, vai pela direita, pela esquerda, recua e banca o armador, é hábil, rápido, vivo, ataca os espaços livres. É completo. E pelo que averiguei tem a cabeça bem colocada, é um garoto humilde”. Era auxiliado à distância pelo filho Pablo, nascido em Elche e que passou brevemente pelo Boca também: “ele vive em Elche e segue alguns garotos que aqui não são tão conhecidos. Me mandou uns CDs com imagens de Mauro Icardi. Já se aproximou dele a seleção italiana, então meu filho, como vive lá e está bem informado de tudo, vai se movendo. Me mandou os CD, eu vejo; e se me parecem bons, os convoco para observá-los ao vivo”.

Quanto à missão principal de técnico juvenil, não teve dúvidas: “jogar muito bem. Depois, potencializar os jogadores. Se a mim me dizem que vão chegar três garotos do sub-20 ao Mundial de 2014, mas não ganharemos o Sul-Americano, assino já”. O problema foi levar essa máxima à sério demais: mesmo sediando o Sul-Americano sub-20 de 2013, a Albiceleste de Kranevitter, Iturbe, Vietto, Centurión, Lanzini e Alan Ruiz caiu na primeira fase. O ex-craque foi defenestrado de imediato ao Sport Huancayo peruano e até 2016 rodou ainda por Cobreloa e River Ecuador até assentar-se desde 2018, novamente como treinador juvenil, no Barcelona de Guayaquil. Uma das perguntas na entrevista foi justamente “por que tiveste duas etapas em quase todos os clubes em que jogaste e dirigiste?”, ao que respondeu: “deve ser porque gostam de mim e porque deixei uma marca. Se não, não voltam a te chamar”.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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