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Severino Varela, “A Boina Fantasma”

O Varela mais famoso do futebol uruguaio (e mundial) é Obdulio Jacinto, o capitão do Maracanazo, em 1950. Mas, até os anos 40, a fama era de Severino Varela Puente, com quem jogou no Peñarol e na Celeste. Severino fez história na Argentina também, pelo Boca. Lembraremos dele neste 14 de abril de 2013, quando La Boina Fantasma completaria 100 anos.

Este ídolo do Boca, curiosamente, começou no River Plate uruguaio, em 1932, atuando de 1935 a 1942 no Peñarol, sendo tetra seguido lá entre 1935 e 1938. No mesmo período desta passagem pelos aurinegros, defendeu o Uruguai, vencendo ao lado de Obdulio a Copa América de 1942 – com gol da vitória no Brasil incluso. Foi a única taça uruguaia em uma década onde quatro das seis edições do torneio ficariam com a Argentina, a vice ali. Severino tinha já 30 anos quando recebeu um cheque em branco do Boca, que lhe permitiria ficar de segunda a sexta em Montevidéu e ainda cederia Ángel Laferrara e Raúl Emeal em troca ao Peñarol.

O risco por um atacante de 30 anos e já com reumatismo e dores no ciático foi compensado. Na estreia, ele, nascido um dia depois da estreia do Boca na primeira divisão (falamos dela ontem), marcou em um 3-1 no Racing; foi o primeiro de seus 46 gols no primeiro de seus 74 jogos pelos auriazuis, pelos quais anotou em cinco dos seis clássicos que disputou contra o River e acertou todos os quatorze pênaltis que cobrou.

Oportunista, muitos dos gols foram de rebote, mas ele, que tinha ainda estatura mediana, destacou-se também pelos de cabeça. Foi um de peixinho, em um dos Superclásicos, que o eternizou de vez no clube. O River havia vencido os dois últimos campeonatos – a volta olímpica de 1942 inclusive fora na Bombonera – e ansiava o primeiro tri seguido da era profissional.

Uruguai de 1942: técnico Pedro Cea, Agenor Muñiz, Obdulio Varela (*), Schubert Gambetta (*), Aníbal Paz (*), Joaquín Bermúdez e Raúl Rodríguez; Luis Ernesto Castro, Severino Varela, Aníbal Ciocca, Roberto Porta e Bibiano Zapirain. Em destaque (*), campeões de 1950 – Cea fora em 1930

O grande momento do rival faria seu elenco ser apelidado de La Máquina, e aquele 1943 reservou o primeiro campeonato onde a linha ofensiva mais famosa do período atuaria junta desde o início: Juan Carlos Muñoz-José Manuel Moreno-Adolfo Pedernera-Ángel Labruna-Félix Loustau.

Foi o primeiro campeonato em que Boca e River disputaram o título entre si. A dez rodadas do fim, em 26 de setembro, os dois estavam empatados da liderança e se pegaram na Bombonera, onde Loustau abriu o placar. O Boca igualou aos 40 minutos com uma fórmula que já estava básica: cruzamento de Carlos Sosa para o gol de um atacante xeneize. Pío Corcuera não alcançou daquela vez, tampouco o adversário Ricardo Vaghi, para afastar.

A bola ia em direção à outra linha de fundo quando Varela apareceu repentinamente para emenda-la, quase na linha do gol, para as redes, em lance comparado a uma tacada de bilhar. A aparição surpreendente e a característica touca branca que usava renderiam ao uruguaio o apelido de La Boina Fantasma. O clássico seria dos mais especiais para ele: aos 3 do segundo tempo, ele fez o gol da virada e da vitória.

O Boca, que tivera três derrotas no certame, em um início errático, não perderia mais e, com 45 pontos, seria campeão – com um ponto de vantagem sobre o River. Varela fez 20 gols, com destaque para os hat tricks sobre o Independiente (os três na vitória por 3-1) e Chacarita (em um incrível 10-1). Deu ainda uma assistência para Jaime Sarlanga marcar um dos gols do título, nos 2-0 sobre o Ferro Carril Oeste na última rodada.

O recordado peixinho de Varela no River em 1943 e ele com Boyé, Marante e Pescia em capa de El Gráfico pós-bicampeonato em 1944

O campeonato de 1944 renderia estórias muito parecidas. Varela marcou bom número de gols para a idade (15), incluindo um hat trick no Chacarita e gols em cada Superclásico (em 1943, no primeiro turno, ele fizera o de honra na derrota por 1-3): 1-1 em casa e, em setembro com ambos disputando a liderança a dez rodadas do fim, 1-0, de cabeça e ao fim do primeiro tempo – desta vez, em pleno Monumental. O bicampeonato fez ainda o Boca tornar-se novamente o maior campeão argentino profissional, reultrapassando o River, que tinha uma a mais após vencer o de 1942; foram os últimos tempos em que os bosteros estiveram isolados nesse ranking.

Se o rival tinha sua célebre La Máquina, os auriazuis, ainda que menos badalados, não ficavam atrás. Vacca, Valussi, Marante, Dezorzi, Sosa, Lazzatti, Pescia, Boyé, Corcuera, Sarlanga e Varela formavam uma equipe que, entre os campeonatos de 1943 e 1944, passou 26 jogos sem perder, então um recorde de invencibilidade que só cairia em 1966, para os 39 da Equipo de José do Racing campeão mundial.

Após a derrota que quebrou a série, para o San Lorenzo, o time emendou outras 17 partidas invictas em série ainda no campeonato de 1944. No de 1945, novamente Boca e River disputaram o título até o fim, desta vez com os millonarios levando a melhor, ironicamente sem mais aquele seu quinteto mais recordado – Moreno fora jogar no México. Varela, do seu lado, fez bem menos gols (8) e acertou sua volta ao Peñarol.

Em 14 de setembro de 1995, meio século depois de deixar uma carreira de sucesso na Argentina, La Boina Fantasma, enfim, partiu para planos extraterrenos.

Boca campeão há 70 anos, em 1943: Carlos Sosa, José Marante, Ernesto Lazzatti, Natalio Pescia, Claudio Vacca e Víctor Valussi; Mario Boyé, Pío Corcuera, Jaime Sarlanga, Severino Varela e Mariano Sánchez
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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