Quando defini meus objetivos de jogos a serem assistidos e estádios a serem visitados aqui em Buenos Aires, durante um período de sete dias, não previa que algo poderia sair fora do meu controle. Pois foi o que aconteceu no sábado. Fui convidado para um churrasco tradicional no estilo argentino, que durou das 13h às 20h. Aquele famoso ‘asado’, que cada vez mais restaurantes no Brasil (principalmente em São Paulo) tem copiado, de forma genial (aos montes), dia após dias. Assim, não pensei duas vezes em aceitar o convite e acabei não visitando nenhum jogo neste dia mencionado. Foi um sentimento misto, confesso. Haviam bons jogos para ir, nos estádios de Argentinos Juniors, Lanús, Chacarita Juniors, Lamadrid, Club Comunicaciones, entre outros.
Porém, neste domingo me dei por satisfeito pelas visitas que fiz. Foi um dia inesperadamente produtivo, embora não tenha assistido nenhum jogo: fui até as ‘canchas’ de Tigre (Estadio Dellagiovanna), Nueva Chicago (Estadio República de Mataderos), Argentinos Juniors (Estadio Diego Armando Maratona) e Club Comunicaciones (Estadio Alfredo Ramos). Dois deles, Tigre e Argentinos, não estavam em meus planos ir até eles, mas fiquei feliz de dar uma volta nos estádios e visitá-los, mesmo que só por fora. Os outros dois, pude fazer um passeio mais completo, com a oportunidade de conhecer bons personagens, dois guias sem hora marcada que me receberam muito bem.
O dia começou com uma ida até o Estádio do Tigre. Fui lá com a intenção de comprar entradas para o jogo da noite deste domingo, Tigre x Newell’s Old Boys (2×2 placar final). Tinha esperança de que, talvez, as bilheterias estariam abertas ou de que alguém lá teria alguma entrada para vender. Fato é que, o clube, nem se quer se dá ao trabalho de divulgar as informações no seu site. Imagino eu que toda a carga de ingresso seja destinada aos sócios, ou seja, só esses recebem a informação no site de compras deles, de como conseguir as entradas. Algo raro e distinto no futebol dos dias de hoje.
Em seguida, foi a vez da primeira visita mais útil do dia. A ida ao Estádio do Nueva Chicago, em Mataderos. O nome do bairro se dá ao fato de ser uma região onde, no fim do século XIX, se instalaram os ‘matadores’ de gado da cidade. No momento em que o bairro começou a ser povoado por trabalhadores atraídos pela nova atividade, passou a ser chamado de “a Nova Chicago”, em referência à cidade americana, centro da indústria da carne. E é daí que vem o nome do clube, fundado em 1911.
Ao entrar pela parte social do clube, caminhei fingindo normalidade, como se estivesse indo ao ginásio poliesportivo, assistir aos jogos de basquete e vôlei que estavam acontecendo. Ao entrar nessa área, logo vi um rapaz jovem com a indumentária completa do time e lhe perguntei como faria para ver o campo de dentro, ou apenas visitar as arquibancadas. Esse rapaz era Brandon, mas que lá é mais conhecido como El Torito. Isso porque ele é o responsável por entrar uniformizado nos jogos do Nueva Chicago como a roupa do mascote, o Touro, desde o ano passado.
Foi uma visita rápida, mas o jovem de 19 anos fez um recebimento típico dos argentinos que conheci e ganhei afeto por aqui. Me deixou tirar algumas fotos lá de dentro, contou um pouco da sua história. Jogou futebol de campo, mas agora está começando a jogar futsal (outra paixão muito grande dos argentinos). El Torito é sobrinho do intendente do clube (que na tradução para o português significa prefeito), a pessoa responsável pelo estádio. Cresceu no seu bairro e, logicamente, tem só um clube de coração: o Nueva Chicago. Entre seus hobbies está participar do programa de rádio que só fala do clube, semanalmente.
Saindo do bairro de Mataderos, uma rápida passada no Estádio do Argentino Juniors. Aquele tipo de estádio que ocupa exatamente um quarteirão inteiro. Não sobra e nem falta espaço. Como eu já havia assistido um jogo lá, em 2015 (Argentinos x River Plate), me dei por satisfeito de só dar uma volta completa no estádio, fazer algumas fotos e admirar os murais novos que lá estão hoje, homenageando Diego Maradona do começo ao fim de sua carreira.
Inclusive, me dou ao direito de, nesse momento, valorizar toda e qualquer ida a porta de estádios, principalmente aqui na Argentina. Só de ir a porta do estádio e ver todos os murais ao redor do terreno que fica a ‘cancha’, você já consegue vivenciar alguns fatos da história do clube. É algo bastante rico, que eu valorizo muito.
No fim, não chegarei aos meus 20 e poucos estádios visitados (pelo menos de bater na porta), como eu havia planejado (pipoquei para cinco estádios em três áreas complicadas), mas me sinto muito feliz por tudo que percorri por aqui. Aos amigos que me leram esses dias (calma que ainda falta um dia de relato, hein) e quiserem combinar uma vinda no fim do segundo semestre, topo voltar. Contem comigo, porque ainda há muitos locais que quero assistir jogos.
Por fim, o momento mais legal e inesperado do dia. A ida do Club Comunicaciones. Lá, uma verdadeira aula de história completamente despretensiosa. Ao chegar, houve uma dúvida entre o responsável pela portaria e os seguranças, do que seria possível acontecer. O rapaz da portaria disse, “se os seguranças deixarem entrar, está liberado”. Os seguranças, logo em seguida, ao serem perguntados se era possível entrar para conhecer o campo, disseram o mesmo: “Se a portaria autorizar, está liberado”.
Segundos depois, aparece um senhor de 70 anos, chamado Rolando. Esse era o chefe da equipe de segurança. Como não havia um pedido de autorização e não havia nenhum responsável pela direção do clube lá, o que ele fez? Trocou por cerca de 40 minutos o seu posto de chefe da segurança do clube, para se tornar um guia turístico. Explicou toda a história do Club Comunicaciones, com um único pedido: não fazer fotos lá de dentro, para ele não ter nenhum tipo de dor de cabeça futura.
Com uma área gigantesca (19 hectares argentinos), o Club Comunicaciones faz divisa com a Universidade de Agronomia de Buenos Aires. É um clube muito mais social (porque tem vários esportes disponíveis para seus sócios) do que futebolístico, embora o seu presidente hoje seja uma pessoa do futebol. Ou seja, a prioridade está no time que disputa a terceira divisão do país, sendo inclusive o líder na tabela de classificação após 13-15 rodadas disputadas.
O Club Comunicaciones surge como um clube em que os carteiros do país pagavam automaticamente a partir de seu salário a contribuição mensal, para que o clube fosse mantido. Porém, como explicou Rolando, até o mandato do presidente Carlos Menem (1989-1999) o clube vivia bem. Isso porque todos os carteiros do país contribuíam para o desenvolvimento do clube, mas nem todos o frequentavam, já que é um país bastante grande. Ou seja, havia dinheiro de sobra. Quando Menem assumiu e resolveu privatizar diversos setores do país, o clube praticamente quebrou. Foram mais de 30 anos, até que a dívida pudesse ser definitivamente paga.
Rolando recorreu quase todos os setores do clube, apresentando um a um, menos o estádio, que estava completamente fechado. De fora deu para ver bem o campo, que ele estima ter capacidade para 2.500 pessoas. Quando falei que havia ido recentemente ao Lamadrid, que inclusive é um clube de um bairro muito próximo, ele já me avisou, “são nossos inimigos”. Ou seja, me deu mais vontade (do que eu já tinha) de fazer um texto só falando dessas rivalidades. É o que mais vi aqui. No Brasil, a cidade com mais rivais é, provavelmente, o Rio de Janeiro, com quatro clubes. Imagina o Rio de Janeiro com 20, 25 times de futebol nas quatro divisões do Brasileirão? Seria isso.
Bom, Rolando foi um gentleman no recebimento. Ex-policial desde a época da ditadura, está aposentado há 11 anos, onde trabalha no Club Comunicaciones desde este tempo. Ao término da nossa conversa, mencionei que meu pai também havia nascido na década dele. Logo, entramos no assunto sobre Pelé. Na opinião dele, o Rei do Futebol era “melhor do que Maradona e Messi juntos”. Achei curioso ouvir isso de um argentino.
Ele ainda me contou que, em 1961, teve a oportunidade de ir com toda sua família assistir Pelé de perto, na cidade onde vivia naquela época: Rosário. Lá, assistiu Newell’s x Santos. Foi uma das duas vezes que o Rei jogou na cidade. A segunda seria em 1966, porém contra o Rosário Central. Não dava nada para essa ida ao Club Comunicaciones. No fim das contas, foi uma das mais especiais de toda a viagem.
Encerro esse texto, para falar do jogo mais importante do País. O super clássico. Eu tive bastante vontade de ir quando pensei na viagem para cá. Confesso que, quando a ideia que tinha de ir ao jogo voltava a minha cabeça, eu dava um jeito de deixá-la passar. Mas, quando liguei o celular para assisti-lo, vi que foi, aparentemente, um jogo bastante sem graça. River propondo o jogo e o Boca fechadinho, para não levar gol.
Inclusive, assisti apenas os 10, 15 minutos finais. Foi quando saiu o penal duvidoso para o River – o gol da vitória (1×0), anotado por Borja. Logo em seguida, começo uma briga forte entre jogadores dos dois times, com 6 jogadores expulsos. Ou seja, sei que existe um glamour enorme entre River x Boca. Mas, dou um conselho, quem quiser vir a Argentina ver futebol, pode vir em qualquer momento que tenha campeonato rolando. Os jogos e estádios legais estão nos lugares onde menos esperamos.
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