Sete dias de puro futebol em Buenos Aires: Uma experiência singular que eu nunca irei me esquecer
Meu segundo dia visitando estádios de futebol resumiu-se a apenas um estádio visitado: o Estadio Centenario Ciudad de Quilmes. Pelo Instagram do Platense, os “los calamares”, do bairro de Saavedra, no norte de Buenos Aires, pude me informar que para o jogo contra o Defensores de Belgrano, clube do bairro vizinho, haveria caravana da torcida até Quilmes. Pois então peguei o coletivo 71 e fui até o Estadio Vicente Lopez, do Platense, onde compraria minha entrada.
No ônibus conheci o Emiliano. Um chefe de cozinha, que assim como todos do Club Atletico Platense, é doente pelo seu clube. Dia de jogo do “Calamar” (Lula, em português), ele disse que “não vai trabalhar”. E realmente, para sairmos às 14h do Norte de Buenos Aires, e chegar ao município de Quilmes, no Sul da cidade, após Dock Sud, Avellaneda, Sarandí, entre outras províncias, era necessário dedicar um dia inteiro à missão.
Emiliano foi muito sincero e realista. Não diga nome de equipe nenhuma da Argentina, para te evitar problemas. Após comprar o ingresso, ele foi encontrar seus amigos e ver se tinha vaga para mim no seu carro. Neste meio tempo, passaram-se dois rapazes, Sebá e Maxi, que me acolheram até que o Emiliano me avisasse que não haveria espaço. Os dois rapazes que mencionei, na verdade, para mim eram garotos. Jovens, ambos com 18 anos.
Antes, fui a uma “Panaderia” almoçar rapidamente. De lá voltei conversando com um torcedor mais sênior (que não perguntei nome), dos seus 50 anos. Esse me ofereceu ir nos ônibus com ele. Já estava decidido a ir, quando no caminho encontrei Sebá e Maxi. Eles me chamaram para ir com eles. Fiquei em dúvida. Ir com alguém mais velho ou ir com a garotada. Escolhi ir com a dupla. Passei uns 10 minutos pensando: que cagada eu tinha feito. Mas naquele momento, não dava para voltar. Quer dizer, óbvio que dava. Mas, se eu voltasse, não teria vivido nada do que vivi nas oito horas seguintes.
Quando paramos próximos aos ônibus que nos levariam a Quilmes, Sebá logo se posicionou como um líder e disse que cuidaria de mim. Sim. Foi literalmente isso que ele disse. Quando pensei que ele tinha metade da minha idade, mas talvez mais juízo que eu, preferi ouvir seus conselhos. Diferente de Emiliano, que eu havia conhecido meia hora antes, o meu segurança pessoal (juro que foi assim que me senti) me sugeriu para que eu não abrisse a boca. “Boca de Muçarela”, disse ele para mim. Ainda mais depois que me explicaram que o Chacarita Juniors era seu maior rival. E lembram-me que o São Paulo é o time amigo do Chaca, pelas nossas cores serem iguais. Eu sabia, obviamente. Porém, preferi fingir ignorância.
A caminho do ônibus me passou na cabeça desistir. Entramos logo no segundo buzão. Ou seja, não deu muito tempo para eu voltar atrás. Seriam duas horas exatas para percorrer quase 40 km. Ritmo realmente lento, uma vez que de carro daria 50, 60 minutos. No fim, fui num ônibus mais calmo, do que os outros aparentavam. 60% eram jovens, nenhum com mais de 19, 20 anos. Os outros 40%, pareciam os monitores da excursão. Haviam mulheres, algo como cinco ou seis. Havia gente de idade. Ou seja, me acalmei ao enxergar a cena toda.
Até Quilmes, 120 minutos de cantoria. Eles não paravam um minuto. Como é bom ser jovem e ter energia. Após uns quarenta minutos, sentei-me ao lado de um rapaz que estava quieto. Ele não abria a boca, só olhava para trás e gesticulava para outros dois amigos. Em sua mão tinha a capa de um instrumento musical, um metálico, como Tim Maia gostava de dizer. Confesso que não perguntei o que era, mas pensei “levar um violão para o estádio, que romântico”.
Papo vai papo vem, Joel (o rapaz ao meu lado, que esqueci de apresentar devidamente), me mostra uma foto no estádio do River Plate. Ali, me perguntei “o que esse maluco faz no meio dos platenses”. Eu tinha uma desculpa (doença futebolística), ele teria outra melhor. E aí, disse-me: ele tocava trombone. Sua profissão, até o momento com 20 anos, é tocar em estádios de futebol para as torcidas argentinas. Esse seria seu 24º estádio diferente na vida. Quando expliquei minha viagem para visitar estádios, ele já falou “vou conversar com o Ariel. Para você ir sexta-feira no Barracas Central e no All Boys com a equipe”. Ariel era meio que o chefe dos músicos.
Um papo legal que tive com Joel foi sobre as torcidas que têm e não têm os instrumentos metálicos em sua organizada. Disse ele que, depois que o Boca Juniors colocou os instrumentistas na sua Barra, aí que o River Plate decidiu que nunca terá músicos tocando Trompete ou Trombone. Ou seja, Joel vai continuar tocando em muitos estádios. Espero que chegue a um número ainda maior. Mas dificilmente vai tocar para sua equipe jogar.
Outro papo interessante foi quando ele me perguntou de qual país eu era. Eu devolvi a pergunta, com um “de qual você acha?”. Ele respondeu “Suíça?”. Não sei se é bom ou ruim ser visto como um suíço. Eu, particularmente, sempre achei todo suíço que conheci bastante arrogante. Mas ele me explicou que em um jogo recente, um suíço havia vindo acompanhar uma partida e pelo visto nosso espanhol era similar.
Ah, um detalhe interessante. Em todo o tempo da ida, recebi mensagens do Emiliano me perguntando se estava tudo bem comigo, onde eu estava, etc. Achei uma atitude bacana dele, até porque minutos depois dele me perguntar (naquela hora estávamos saindo de Buenos Aires), houve um momento curioso.
Eu estava mexendo no celular, emitindo umas notas fiscais e boletos para um dos meus trabalhos no Brasil. Cabeça baixa, focado nas informações que escrevia nos dois celulares que tenho. O ônibus estava parado e eu nem me dei conta do porquê. Quando olho para o lado, a torcida do platense começa a sair dos ônibus. Não foram todos, mas calculo que uns 100, 150 correram e atravessaram a rodovia. Isso tudo porque um ou dois torcedores, não sei de qual clube, provocaram eles e os chamaram para a briga. O que “Los Calamares” fizeram? Foram lá, deram uma lição nos provocadores. Só pararam quando a policia, que nos escoltava, começou a atirar balas de borracha.
Perguntei para o Joel se estava tudo bem, ele disse “Argentina está mal, mas quanto a isso está tranquilo sim”. Enviei mensagem para o Emiliano, ele explicou que aquilo era normal. “Assim acontece quando as torcidas chegam (nos jogos na Argentina). Sobretudo a nossa. Nós não temos amizade com ninguém e ninguém gosta de nós. Esse é o orgulho de ser um Calamar”.
Bom, chegamos em Quilmes, tive que decidir com quem ir. Como ainda não sabia se o meu segurança pessoal estava me assustando de propósito ou se estava realmente preocupado comigo, fui com os instrumentistas. Caminhei com eles em uma área reservada e um policial me perguntou “O que você faz aqui?”. Eu respondi, como sempre honesto “Não sei, senhor”. Foi preciso Ariel argumentar para eu poder passar com eles. Todos riram (eles eram 11 músicos, se não me engano). “Brasileiro, se perguntarem outra vez, diga que você é da banda”.
Entramos no estádio, logo encontrei Sebá e Maxi. Fui com a dupla para ver onde estariam durante o jogo e o local que estavam eu tive como base. Aí, retornei para acompanhar um dos momentos mais bacanas do futebol argentino: a recepção que a torcida faz para os jogadores no começo dos jogos. Eles ficam na entrada fazendo um Carnaval. Na hora que começa, vão para a arquibancada. É realmente bonito. Como eu costumo dizer, a torcida de futebol brasileira tem muito a aprender com os hermanos.
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O resultado do jogo foi 2×0 para o Platense, que eliminou o Defensores de Belgrano na fase de 64avos de final da Copa Argentina. Gravei vídeos, obviamente, da turma dos trombones e trompetes, e tirei fotos com Joel e Ariel. Fiquei impressionado com o trabalho que fazem. Me impressionei também porque ali, embaixo das faixas, a única coisa que você não assiste é o jogo. Ou seja, os 11 que foram lá tocar eu entendo. Mas a turma que toca os demais instrumentos, esses sim torcedores do Platense, aí parabenizo mais ainda eles. Porque fazem por total amor. Não que os músicos contratados não amem o que fazem, mas definitivamente cada um torce mais pelo seu time do que pelos times que o contratam.
Saí sem me despedir dos músicos, mas estou certo que vou com eles nesta sexta-feira (5) aos jogos que combinamos. Na volta, parei para tomar uma Quilmes e Sebá e Maxi comeram um Choripan. Aliás, meu segurança estava mais preocupado comigo do que com ele. Fez eu comer quase metade do lanche. Achei curioso.
O fechamento dessa experiência inesquecível aconteceu no fim do trajeto de volta. Não sei como, mas levamos 2h30 para chegar em Vicente Lopez. A 2 km do fim, na estrada, Sebá disse que iria pular do ônibus. Eu disse “vou junto”, já que era mais próximo de onde estou hospedado. Nisso, ele e os amigos explicaram que era pular literalmente. Porque o ônibus não faz parada. E ainda me alertaram que, se a polícia pegasse, levaria paulada. Nessa hora, agradeci a ideia. Todos deram risada do Brazuka, quando percebi que era uma cagada fazer aquilo.
Minutos depois, ele fez o que ele realmente havia dito que iria fazer. Pulou com o ônibus em movimento. Calculo que estava a 30 km por hora. Preciso dizer o que aconteceu? Não, né? Óbvio que ele caiu no chão, de uma forma que só de olhar já me doeu. Conclusão que tive: no fim ele realmente estava cuidando de mim, por eu ser brasileiro e tudo mais. Mas, não posso deixar de dizer que a única decisão errada do dia, foi dele com ele mesmo. Óbvio que ele só teve alguns ralados, mas não foi uma ideia boa pular do ônibus em movimento. Se você ler e chegar até o fim deste texto, não faça isso de novo, Sebastian, meu amigo e segurança pessoal em jogos do Platense.
Fecho este texto com mais um momento resenha que tive. Parei para jantar perto do estádio, num sushi bem brasileiro. Achava que o brasileiro tinha detonado com a tradição japonesa quando criou seus pratos abrasileirados. Mas, vou te dizer: o meu sushi tinha até tomate seco no hot roll. Bom, saindo de lá, chei um Uber. Quem me buscou foi Ping Song Chang. Um sul-coreano de 49 anos. Eu, obviamente, “entrevistei” ele, né? O primeiro motivo da entrevista foi, que na sua descrição, dizia que ele falava espanhol, inglês e português. E sim, ele realmente falava português. Melhor que muita gente. Motivo? Foi casado com uma brasileira, morou no Brasil inclusive. Seus filhos, moram em Londrina (PR). Em seguida, fiz a pergunta óbvia que faço para todos motoristas de Uber: para quem você torce? Ele logo respondeu, que quando era jovem torcia para River Plate, porque tinha que torcer para um time. Mas, que depois, quando pode escolher com calma, virou torcedor do Chacarita Juniors, porque lá se vive um futebol raiz. Mais uma bela história, para fechar com chave de ouro esse dia inesquecível.
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Encontrei há pouco o seu blog, pesquisando sobre estádios argentinos, pra entender onde é melhor ou mais fácil de ir, ainda que não tenha jogos. Gostando de ler as narrativas até aqui!
Achei impressionante a história dos músicos. Chegou a Buenos Aires em 21/11, daqui duas semanas, você tem os contatos desses caras ainda!?
Pretendo fazer algo semelhante, e ainda estou fazendo as listas dos estádios que eu preciso e dos que eu gostaria de conhecer.