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Servindo o Newell’s com coração auriazul: 60 anos de Juan Simón

 

No Newell’s, só seriedade. No Boca, sorrisos: gostava mais das cores “azul y oro” desde que era fanático pelo Rosario Central, onde nunca pôde jogar

Juan Ernesto Simón, nascido há 60 anos em Rosario, foi um zagueiro de predicados incomuns na Argentina. Em um futebol tão arraigado à arte de perna forte nas divididas, era reconhecido como um defensor de classe, raramente até mesmo amarelado – a ponto de disputar todos os 90 minutos da Argentina na Copa de 1990 (só ele e Maradona foram titulares sem substituições na campanha do vice), marcada por desfalques por lesões e suspensos dos hermanos; conseguiu voltar à seleção após nove anos de ausência, um dos cinco maiores hiatos da Albiceleste; mas talvez a grande curiosidade seja ter defendido (decentemente, inclusive) o Newell’s embora fosse assumido torcedor do Rosario Central em meio a uma das rivalidades mais intensas do mundo, uma rixa sem vira-casacas desde 1984. Sem jamais ter defendido os canallas, a paixão pelas cores auriazuis seria direcionada ao Boca, onde seria ídolo após boa passagem também pelo Monaco.

A paixão pelo rival do próprio clube já era de conhecimento público desde o início dos anos 80, segundo recordação do próprio jogador em longa entrevista de 2013 à revista El Gráfico: “eu nasci às 00h30 de 2 de março e ao meio-dia meu velho já me havia feito sócio do Central. Na minha família, são todos fanáticos canallas. Eu comecei a ir a campo aos 5 anos, e chorava se o Central perdia. No bairro me zoavam por isso”. Naquele 2013, o Central havia acabado de voltar à elite argentina após três anos e Simón contrastou a paixão infantil pela relação pessoalmente distante que o tempo trouxe para si, mas não para os demais familiares: “me lembro de ter ido com 11 anos ao Monumental ver a semifinal contra o Newell’s da Palomita de Poy [o mitológico gol de peixinho que pôs o Central na final nacional de 1971, todo ano reencenado sob exigência de fanáticos que pleiteiam que o lance seja reconhecido no Guinness como gol mais comemorado do mundo]. Fui com meu cunhado em outros mais em um Torino à arquibancada da [avenida] Figueroa Alcorta onde Poy meteu o gol. Era uma festa total. Vinha antecipando à minha família que o Central ia cair e no dia que perdeu a repescagem com o All Boys, liguei para casa e fiz uma brincadeira com minha irmã. Me megaxingou e desligou na minha cara. Meu sobrinho foi a Jujuy vê-lo subir e no dia que subiram, uma das minhas sobrinhas pôs a foto do meu velho ao lado da TV, porque meu velho morreu em 2010, o ano em que o Central caiu. São fanáticos. Assim era eu garoto, nesse nível”.

E por que, afinal, Simón terminou ingressando no Newell’s? Ele também explicou, revelando outra ironia, a de alguém que, se hoje é fanático pelo Boca, esteve perto de defender o “inimigo” também nessa rivalidade: “duvidei, claro. Eu pertencia ao Río Negro, um time da liga rosarina que saía sempre campeão. Central e Newell’s buscavam jogadores nele. Jogava aí com Víctor Rogelio Ramos [maior artilheiro do Newell’s]. Voltei do teste no River em um sábado e na segunda-feira vem correndo em casa o pai de Demagistris [outro colega de Río Negro] e diz a meu velho: ‘don Simón, o Newell’s comprou os garotos’. Escutei e fui dizer a meu velho: ‘eu não, hein, não vou, espero o River, que virá me buscar’. E quem me havia feito sócio em dez horas dessa vez me disse: ‘Juan, pense, fique em Rosario, nos vais ter próximo de você’. Meu velho havia sofrido muito quando vim por quinze dias a Buenos Aires [fazer testes no River]. No fim aceitei, ‘mas vou com a camisa do Central por baixo’, lhe disse. Não sei se antes éramos mais ingênuos ou se agora há mais mazela, mais fanatismo, está tudo muito mais midiatizado, não sei. Eduardo Bermúdez, meu técnico no time sub-19, sabia, se assim que terminavam meus jogos a primeira coisa que eu fazia era perguntar como o Central havia se saído. Em 1977 e 1978, Central jogava no Parque [estádio do Newell’s] porque estavam reformando o Gigante, então terminava meu jogo de juvenil e ia à arquibancada ver o Central. Ninguém no clube nunca me disse anda. Eram outros tempos”.

A paixão familiar sempre ficava abaixo de noções de caráter e profissionalismo, ressaltou o zagueiro: “ajudava meu velho, que tinha a verdureira em frente de casa. Levantávamos às 4 da manhã, mas ele sabia que eu ia pelo café e pelos croissants. Fui injusto com meus pais, porque no colégio me dava vergonha dizer que eram verdureiros. Uma vez um colega riu na minha cara. Minha mãe me dizia que quando me perguntassem, respondesse que eram comerciantes. Hoje o afirmo com orgulho. Como digo a meus filhos: ‘não me faltou nunca nada, mas comia presunto uma vez por mês. E era uma festa’. Gosto das coisas certinhas. Prefiro perder grana, mas não renunciar ao que meu velho me transmitiu: a honestidade ante de tudo. E exponho um exemplo que vivi jovem. Um dirigente muito importante [do River] disse a meu velho: ‘o garoto está para ficar, tire-o do Newell’s que pago a você’. E meu velho, que era um verdureiro a quem nada sobrava, lhe respondeu: ‘não, senhor, se engana, você tem que falar com o clube’. E nunca se deu. Isso meu velho me transmitiu. Eu sofria muito quando perdíamos contra o Central. É contraditório. Minha velha sabe o que sofria. Houve uns clássicos em que joguei muito mal. Eram tantas as ganas de fazer as coisas bem que entrava muito tensionado. Me recriminava muitíssimo. Quando estava na França, quis voltar ao Newell’s, porque criei carinho, apesar das minhas origens”.

Postagem das redes sociais de Maradona no ano passado, saudando os 40 anos da conquista sub-20 de 1979. Simón é o antepenúltimo em pé

Desde cedo, inclusive, a falta de jogo duro de Simón já era notada – e criticada: “meu primeiro técnico no infantil do Newell’s me viu e disse: ‘não quero um zagueiro que saia jogando, prefiro mais rigor’. Eram três elencos juvenis e me mandaram ao C, o mais fraco. Aí comecei a jogar e no ano seguinte este treinador assumiu o time secundário e me subiu direto. O mesmo que não me quis ao princípio terminou me colocando. Assim é o futebol”. Não que ele tenha chegado a ser um zagueiro completo, segundo ele próprio confessou, destacando como pontos fortes “o posicionamento, o golpe de vista, a antecipação, estar sempre uma fração de segundo adiantado. E isso depende de inteligência para ver o jogo. É chave a concentração, és o último jogador e não te pode distrair nada. Me faltavam um montão de coisas, por isso tinha que antecipar a jogada. El Mono [Carlos Navarro Montoya] me dizia sempre: ‘Juan, tens um físico de merda, não pegas bem na bola, não cabeceias, quanto talento para ter jogado tanto tempo na primeira divisão!’. Era tudo velocidade, posicionamento e antecipação”.

Simón estreou no time principal do Newell’s ainda em 1977, sempre sendo um “zagueiro-zagueiro”: “na minha carreira fiz um gol pelo Newell’s, um pela seleção juvenil, dois na França e três em decisões por pênaltis”, escancarou sobre a falta de projeção ofensiva. Nada que o tardasse de chegar à seleção juvenil da Argentina que contribuiu como sparring do time principal nos treinos para a Copa de 1978, credenciado pela campanha semifinalista do clube no Nacional de 1977: “eu era torcedor do Central e nasci em 1960, então aos 13 anos estava a pleno, ano 1973 e 1974, e meu ídolo não poderia ser outro que não Mario Kempes. O maior. Esteve só três anos no Central, mas foram impressionantes. E tenho uma anedota incrível com Mario. Na prévia ao Mundial de 1978, os juvenis praticávamos com eles e em uma pelada no campo auxiliar do River, terminamos e lhe pedi as meias. Contei que jogava no Newell’s e que era meu ídolo. E me as deu. Essas meias foram as que pus para ir à Argentina-Polônia em Rosario, pelo Mundial de 1978. Vi as seis partidas do Mundial que se jogaram em Rosario, havia adquirido os ingressos antes, e tive a sorte de que me calhassem três da Argentina. Para mim, era um sonho (marca-lo). Não lhe podia nem tocar, o susto que teria eu de fazer-lhe algo!”.

No Nacional de 1978 e no Metropolitano de 1979, o Newell’s fez campanhas razoáveis – caindo ainda na fase de grupos, mas por um ponto a menos que os últimos classificados. Assim, Simón estreou na seleção adulta em jogos não-oficiais em abril e maio, em 5-2 contra o clube mendocino Gutiérrez e em outro 5-2, na seleção cordobesa. Ainda capacitado a defender a juvenil, esteve meses depois na campanha campeã mundial da categoria – seu único gol pela seleção juvenil foi o segundo na goleada de 4-1 sobre a Polônia na fase de grupos. O zagueiro destacou a conquista daquele Mundial sub-20 como a maior alegria da carreira: “significou o respeito por uma forma de entender o jogo. Não me esqueço mais da conversa do Flaco [César Menotti] no intervalo do segundo jogo, contra a Iugoslávia. Íamos 0-0, nos davam um baile bárbaro. ‘Para que caralho viemos ao Japão?’, começou assim que entramos no vestiário, ‘para jogar dessa forma, que permanecessem na Argentina, isso não é o que combinamos. Agora saiam e sejam fiéis a uma ideia, eu cago para o resultado'”. Em maio de 1980, veio a estreia oficial pela seleção principal, contra a Irlanda. Ao fim do ano, triscou o título argentino: líder de seu grupo, o Newell’s avançou até as semifinais.

Só que, tal como em 1971, a Lepra terminou eliminada justo para um Central posteriormente campeão – e o zagueiro revelou na entrevista que a paixão infantil seguia viva a ponto de ter ido assistir a final na torcida pelos auriazuis (“meu cunhado me disse para ir vê-la, que não aconteceria nada”). Os rubronegros, por sua vez, fizeram outra boa campanha no torneio seguinte, o Metropolitano de 1981, um terceiro lugar. Apesar das boas campanhas, o zagueiro, após o amistoso contra a Irlanda em 1980, só voltaria a defender a Argentina às vésperas do natal de 1989. E não escondeu mágoa por deixar de ir à Copa de 1982: “terrível, um golpe duríssimo, um dos desencadeadores da minha ida à França depois de um 1981 excelente, o melhor ano da minha carreira. El Flaco apostou em seus homens e não posso dizer nada, mas tive bronca, eu estava convencidíssmo de que merecia estar. Depois do Mundial, em 1982, me cruzei em Rosario com Menotti. ‘Olá, Juan, lhe prometo que se permaneço vou te levar a Toulon e a todas as seleções que forme’, me disse. Estava em conversas para renovar seu contrato, e senti que essa frase foi como dizer-me: ‘me equivoquei, te devo uma’. Ao fim Menotti não renovou, veio Bilardo e convocou quase todos os zagueiros que havia no país menos a mim. Então decidi ir ao Monaco”.

O Monaco campeão sobre o PSG na Copa da França de 1985: Jean-Luc Ettori, Dominique Bijotat, Juan Simón, Abdallah Liégeon, Nenad Stojković e Manuel Amoros; Bruno Bellone, Philippe Tibeuf, Philippe Anziani, Daniel Bravo e Bernard Genghini

Simón passou três temporadas no Principado, entre 1983 e 1986, tendo como pontos altos os vices da Ligue 1 e da Copa da França já na primeira delas (1983-84) e o título na Copa na segunda (acompanhado de um terceiro lugar no campeonato). Não bastou para entrar no radar de Bilardo, especialmente após transferir-se em 1986 à segundona francesa para defender o Racing de Estrasburgo. A temporada 1986-87 foi mediana ao clube alsaciano, mas na seguinte a equipe venceu a Ligue 2. Calhou que em paralelo chegava ao Boca o treinador rosarino José Omar Pastoriza: “era do bairro Refinería o mesmo que o meu. Estudou no mesmo colégio que eu, se casou na mesma igreja que eu, e era muito amigo do meu tio”. Os xeneizes vinham atravessando uma década perdida, sofrendo por anos um rombo financeiro que quase extinguira o clube em 1984. “Eu voltei ao país para ir ao Mundial. Gente próxima me disse: ‘como vais ao Boca se é uma bagunça e não há um mango?’. E eu estava convencido de que o Boca seria o trampolim para ir ao Mundial. Foi”. Foi uma montanha-russa: Simón sofreu uma distensão muscular na pré-temporada e perdeu a primeira rodada. Como a segunda reservava nada menos que o Superclásico, ficou receoso de estrear nessa fogueira.

O técnico Pastoriza não titubeou em chama-lo de “cagão de merda” e em consultar o massagista, que deu sinal verde para o zagueiro ser usado apesar da lesão, avaliada como leve. Deu certo e o Boca, que vinha de uma surpreendente derrota em casa para o Deportivo Armenio, ganhou de 2-0 mesmo dentro do Monumental. O clube, embora ainda sofresse na própria Bombonera outro vexame (6-1 para o San Martín de Tucumán, com Simón sendo expulso com o jogo ainda em 0-0: “aí demonstrei o importante que eu era para a equipe, isso ao menos o Clarín pôs no dia seguinte”) logo passou a brigar pela liderança com um Racing embalado pelo recente título da Supercopa e ambos se toparam na rodada final do primeiro turno igualados na dianteira. Foi quando o goleiro Navarro Montoya foi atingido por um rojão e o zagueiro quase perdeu a visão de um olho, atingido por uma moeda na sequência: “El Mono estava caído pelo petardo, em aproximei e me acertaram em cheio. O árbitro declarou que o jogo não se suspendeu pelo Mono, como pensaram muitos, mas sim por mim”. O tribunal deu os pontos aos auriazuis, abalando os racinguistas, que não foram mais os mesmos. O Boca, porém, não aproveitou tão bem a deixa e precisou resignar-se com o vice a muitos pontos do campeão Independiente. O troco ao menos não tardou: meses depois, em novembro, decidiu a Supercopa com o próprio Independiente e venceu-o nos pênaltis dentro de Avellaneda.

Aquela Supercopa serviu para encerrar um jejum geral de oito anos pendente desde o Metropolitano de 1981, a segunda maior seca sofrida pela torcida boquense. No mês seguinte, Simón então voltava a defender a Argentina após nove anos, em amistoso de 21 de dezembro contra a Itália. “No dia que me chamaram, estava lesionado e fui ver Ferro-Boca na plateia do Ferro e em um momento toda a arquibancada começou a cantar ‘Si-món, Si-món, Si-móóón, Si-móóón’, ficaram sabendo”. O treinador foi transparente até demais, admitindo-lhe que esperaria até quando pudesse pela recuperação do pupilo José Luis Brown (“imagine como me senti ao escutar essa declaração, ‘que caralho faço aqui, irmão?”). Brown não se recuperou e Simón seguiu. Cumpriu tão bem o papel que outro zagueiraço feito Edgardo Bauza seria o único jogador de linha a não ter um minuto sequer de uso na Copa de 1990. “Me elogiaram mais do que merecia. Acredito ter jogado um Mundial nota 6, mas por toda a epopeia escreveram que fui nota 8. A tal ponto que nossas mulheres, que estavam na Itália a iam comer sempre no mesmo lugar, depois de eliminarmos a Itália não as deixaram entrar mais”. Na entrevista, Simón também revelou que seria o primeiro batedor de pênaltis se as disputas se encaminhassem às séries alternadas, sendo sempre grato que Goycochea impedisse essa necessidade…

A polêmica perda da Copa no finzinho para a Alemanha Ocidental não foi a noite mais triste para o zagueiro. Segundo ele, foi a perda da final argentina da temporada 1990-91, justamente para… o Newell’s. Foi a primeira temporada dividida em Apertura (ganha pelos rosarinos treinados pelo iniciante Marcelo Bielsa) e Clausura, que ainda não valiam como títulos: haveria uma final entre os líderes de cada turno para definir um campeão único. No embalo da dupla ofensiva de Diego Latorre com a revelação Batistuta, o Boca liderou invicto e com sobras o Clausura, com direito a um 6-1 na reta final sobre o concorrente direto Racing do próprio Goycochea – justamente na partida seguinte à tumultuada queda nas semifinais da Libertadores para o futuro campeão Colo-Colo. Só que o sucesso voltou-se contra o próprio Boca, que perdeu Latorre e Batistuta e o volante Blas Giunta para a seleção, que jogaria a Copa América na época da finalíssima. Apesar da Supercopa de 1989 e da conquista também da Recopa em 1990 terem atenuado a sensação de seca, a cobrança pelo desjejum no cenário doméstico era alta e pesou: nervosos, os auriazuis erraram mais pênaltis e amargaram o vice dentro da própria Bombonera. Expulso aos dez minutos da prorrogação, o zagueiro deu detalhes de uma semana inteira sob crise de choro:

Em sua única Copa do Mundo, a de 1990: só ele e Maradona estiveram em todos os minutos da seleção na campanha vice-campeã

“A passei muito mal. Minha mulher havia ido com o bebê à Itália visitar o irmão e voltando no ônibus a mulher do [treinador Oscar] Tabárez me dizia: ‘Juan, venha comer conosco, não fique só’. Eu queria me enclausurar em minha casa. Minha velha me ligou de Rosario: ‘Juan, não vá fazer uma loucura, por favor!’. No domingo seguinte, jogamos contra o Argentinos Jrs pela liguilla, perdemos de 1-0 e no chuveiro me deu um ataque e comecei a chorar e chorar. Não podia parar. Sentia que tinha uma pedra por cima e não podia sair, uma pressão terrível, estava fei-to mer-da! O que chorei nessa ducha… sentia que queria sair de uma piscina e me metiam a cabeça para baixo. Foi uma grande injustiça que não nos dessem esse título: um timaço, campeão invicto, com recorde de poucos gols sofridos. O ano seguinte foi de muitíssima pressão e por sorte no fim de 1992 fomos campeões”. Os onze anos entre 1981 e 1992 ainda são a mais longa seca nacional do Boca, superando os dez vividos entre 1944-54. A partir da temporada 1991-92, cada turno enfim passou a valer como título separado, embora ainda fosse preciso ver o River ganhar o Apertura 1991 e o Clausura 1992 voltar ao Newell’s até o Boca enfim sorrir no Apertura 1992. Nele, uma lesão tirou Simón da reta final, embora ele ressalte que “veja que nesse Apertura eu joguei oito partidas e em sete não nos meteram gols”.

O fim da seca esteve, porém, longe de arejar o ambiente interno, rachado entre as panelinhas Halcones (“Falcões”) e Palomas (“Pombas”). A lesão serviu para Simón ficar neutro nessa questão: “não estava no dia-a-dia com eles. Depois de ganhar o Apertura 1992, entrei um dia no vestiário, vi tudo dividido e perguntei: ‘que caralho acontece aqui?’. E alguém me respondeu: ‘Juan, não te metas, deixe que tudo siga assim’. O clima era irrespirável, vias sempre grupos por um lado e pelo outro. Uma vez, antes de um clássico com o River, brigavam por quem tinha que ser capitão, quase se agarram em socos a ponto de ‘te espero amanhã em tal lado’. Um desastre. Foi uma idiotice inexplicável, as misérias humanas, a sede de protagonismo, esse grupo era nocivo e quem perdeu foi El Maestro [Tabárez]. E o Boca”. O uruguaio acabou não se sustentando no cargo diante da má fase pós-título, ainda que o time ainda erguesse em 1993 a Copa Ouro Sul-Americana. O clube teve três técnicos até fechar ainda em 1993 com César Menotti. E a mágoa pela ausência na Copa de 1982 terminou renovada quando sentiu que o velho mestre teria promovido-lhe a dispensa do clube em meados de 1994. Simón, desgostoso, preferiu parar de jogar, embora contasse a versão do próprio treinador na entrevista: “Estive muitos anos ofendido com o Flaco pela minha saída do Boca. Ele viajou ao Mundial de 1994 e nesse ínterim soube que havia uma lista de jogadores que iam ficar livres, entre eles que estava eu, Pogany, Tapia, Graciani, Saturno”.

“Me contou um dirigente enquanto Menotti seguia nos EUA e aqui me queriam fazer treinar como se nada. Me esquentei, disse que não me fizessem de bobo, saí do vestiário, estavam os jornalistas e explodiu a bomba. Ao fim, esses jogadores saíram todos. Já não tinha mais ganas de jogar, me custava muito correr por uma moléstia no ísquio. Me levantava e me doía tudo. Quando cheguei ao Boca eu estava rápido, mas com a operação de joelho perdi essa velocidade e perdi tudo. Mas o campeonato [Clausura 1994] se interrompeu faltando seis rodadas, voltava depois do Mundial e pensei em jogar essas partidas e esticar até dezembro. Um mês antes de ele ir acompanhar o Mundial, jogamos contra o Real Madrid e El Flaco me disse: ‘Juan, você está bárbaro, não fale mais de aposentadoria’. Por isso me parecia estranho que me colocasse em uma lista mas me encheram a cabeça de que havia sido El Flaco, e me aposentei. Uns meses depois, se completaram 15 anos do Juvenil e nos juntamos para comer. El Flaco se aproximou e me perguntou: ‘você segue com o mesmo telefone? Vou ligar para esclarecer as coisas’. Nunca mais falamos, e na última comida que fizemos, no ano passado, El Flaco começou a falar, e quando El Flaco fala, é como se falasse Deus. E bem, um momento disse: “em minha carreira, só tive problemas com dois jogadores, bem, e quase com três, mas de você, Juan, gosto muito, por isso não o meto na lista’. Riu e me olhou: ‘como vai pensar que vou deixa-lo numa lista armada? Se quiser, vamos e agarramos esse filho de mil p… do vice-presidente e esclarecemos’, me disse depois, a sós. Tudo bem. ‘Deixa para lá, César, prescreveu a causa’, terminei”.

Simón seguiu como empresário de jogadores, rechaçando que a profissão seja um mal necessário. “Mal não, necessários sim. Antes, o dirigente se aproveitava do jogador, agora o jogador é mais inteligente e está capacitado para brigar com o dirigente”. E quanto à questão Newell’ x Central? “Já aposentado, me perguntaram quem era o sexto grande, respondi que era o Central e desde então não pude voltar a pisar no Parque. Hoje me dá no mesmo que ganhe qualquer um dos dois, porque me sentimento está voltado ao Boca, fiquei muito torcedor do Boca pela minha etapa no clube. Às vezes me parece que exagero. Quando nos eliminou o Newell’s de La Copa [a Libertadores de 2013], fiquei superesquentado, me levantei 15 vezes à noite, pensava ‘por que não chutaram esse pênalti ali em vez de aqui?’, coisas que não me ocorriam quando jogava. Nessa noite contra o Newell’s, assistimos com minha filha e estava o representante francês do Nice em casa. Terminamos caídos no chão gritando ajoelhados ‘Quiricocho, quiricocho‘. O francês não entendia nada, lhe expliquei que é uma palvra que se usa para praguejar quem ia chutar. Hoje vou à Bombonera com meus filhos, tenho três cadeiras na segunda fila VIP, e se posso esgotar o bandeirinha, faço. Os xingo muito. Com os jogadores também me escapa algum insulto. Com os anos, deveria estar mais calmo, mas em campo me transformo, é mais forte que eu. Não peço nada do Boca, não quero que haja mal entendidos: pago minha cadeira, minha cota de sócio e meu estacionamento”.

Ah: além de ocorrer pouco depois do Boca ser eliminado nos pênaltis pelo Newell’s na Libertadores, a entrevista também deu-se semanas após o Independiente ser rebaixado, com a queda do River dois anos antes ainda fresca. Indagado se as campanhas medianas xeneizes na época poderiam terminar em algo assim, Simón foi taxativo, com a resposta virando o título da própria nota: “o Boca nunca irá para a Série B… salvo se lhe quiserem mandar”.

O choro convulsivo de Simón na derrota para o Newell’s na final argentina de 1991
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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