Copa América: time dos sonhos da Argentina
Até 2011, quando já vivia jejum de quatro edições (e ausência em outra), a Argentina era a maior vencedora da Copa América. Já manteve este posto por um jejum continental muito maior que o atual, entre 1959 e 1987. Reflexo das brilhantes campanhas concentradas entre os anos 20 e 50, naturalmente a nata para montarmos esse time dos sonhos. Vale então ressaltar que o jejum iniciado em 1959 não durou até 1987 – este foi o ano em que ela apenas deixou de ser a maior vencedora, pois a seca se estenderia até 1991. Ou seja, os elencos campeões mundiais em 1978 e 1986 não tiveram praticamente nenhum campeão sul-americano com a Albiceleste.
Como pré-requisito para ser considerado ao time é ter vencido o torneio mais de uma vez, nomes como Mario Kempes, Ubaldo Fillol, Daniel Passarella e, sobretudo, Diego Maradona, presentes em quase qualquer seleção de todos os tempos da Argentina, têm de ficar de fora. O mesmo se aplica a craques festejados mais recentes, pois a seleção não vence o torneio desde 1993. Montamos um 4-3-3. Como a repetição de nomes campeões foi mais comum nos anos 40, a equipe-base veio dessa década, especialmente do tri de 1945-46-47. A Argentina é até hoje a única tri seguida no continente. Clique aqui para saber mais deste tri, que rendeu cinco jogadores e o técnico da escalação a seguir. E aqui para relembrar a taça de 1993, último título da seleção principal e que rendeu outros quatro jogadores.
Vamos aos nomes:
GOLEIRO: Sergio Goycochea. Fillol peca pela falta de títulos e outro dos goleiros mais celebrados do país, Amadeo Carrizo, sequer disputou o torneio. Os maiores concorrentes, naturalmente, são os outros bicampeões titulares: Américo Tesorieri (1921 e 1925) e Juan Estrada (1937 e 1941), ambos festejados no Boca – a geração fantástica do tri 1945-46-47 permitiu que cada título tivesse um goleiro diferente. Mas não protagonistas na seleção como Goyco, que vivia o inverso: a carreira clubística não deslanchava à altura das grandes performances pelo país. Foi eleito o melhor jogador da edição de 1993, como atleta do Olimpia. Em sua especialidade, classificou a Argentina nas quartas e nas semifinais ao pegar pênaltis de Boiadeiro e Aristizábal. Saiba mais.
LATERAL-DIREITO: Antonio Sastre, um dos maiores ídolos do São Paulo, vence os três efetivos jogadores bicampeões no posto, Juan Evaristo (1927, 1929), Carlos Sosa (1945-46) e Fabián Basualdo (1991, 1993). Era realmente completo, um mestre em todos os flancos do ataque, do meio, da defesa: no time dos sonhos do Independiente, o escalamos de volante (clique aqui); ele venceu o torneio em 1941 na meia-esquerda; e brilhara em 1937 como lateral-direito! “Eles tinham o Sastre, o Antonio Sastre… Sastre… Antonio Sastre. Para quê citar outros? Sastre era fabuloso e os argentinos tinham um monte de Sastres no seu time”, decretou o brasileiro Tim, anulado por El Cuila na final de 1937. Sastre ainda fez o único gol sobre o Uruguai em 1941, que praticamente definiu o título. Saiba mais.
ZAGUEIROS: concorrência dura de xerifes. Os bis foram Ludovico Bidoglio (1925, 1927), Oscar Tarrío (1929, 1937), Juan Carlos Sobrero (1946-47), Pedro Dellacha, Federico Vairo (a dupla de 1955 e 1957) e Oscar Ruggeri (1991 e 1993). Tri, só um, daí ser fácil apontar José Salomón, de 1941, 1945 e 1946. Apelidado de Puente Rota (“ponta rachada”) pois por ele ninguém pensava, era justamente o capitão e além disso foi até os anos 70 o recordista de jogos pela Argentina. Seriam mais se não fosse fraturado pelos brasileiros na final de 1946. Sua importância era tamanha que a briga generalizada que se sucedeu foi tal que AFA e CBD romperam relações por dez anos. A confusão foi um dos motivos para a Argentina não vir ao Brasil para a Copa América de 1949 e à do Mundo de 1950.
Salomón era destro assim como a maiora dos zagueiros bicampeões – só Sobrero e Vairo jogavam pela esquerda. Mas optamos por improvisar Ruggeri, que sabia atuar de líbero. Afinal, ele é um dos dois únicos argentinos a vencer a Copa do Mundo e a Copa América – e o outro, o goleiro Luis Islas, foi reserva em ambos os torneios. Eis outro dado incrível para El Cabezón, que já é o único detentor da impressionante estatística de único campeão argentino pelos três grandes de Buenos Aires (Boca, River e San Lorenzo) e único usado pela seleção vindo dos três também.
LATERAL-ESQUERDO: Adolfo Zumelzú ganhou em 1927 e 1929, mas nesta última atuou como volante central. Néstor Craviotto foi reserva em 1991 e 1993. Assim, o posto é de Natalio Pescia, que já levava vantagem por ser o único tri na posição – embora titular em duas, em 1946 e 1947. Mesmo assim, foi um dos seletos cinco jogadores usados no tri de 1945-46-47, amostra da qualidade da geração argentina da época, que permitia ao técnico Guillermo Stábile montar três ótimas (e campeãs) seleções. Logicamente, uma amostra da qualidade de Pescia também; um dos maiores ídolos do Boca, ele batiza a arquibancada da Bombonera onde a temida barrabrava La 12 se reúne.
VOLANTE: José María Minella, caudilho cavalheiro de 1937 e 1941, nomearia o estádio de sua Mar del Plata natal para a Copa do Mundo de 1978. Ángel Perucca foi o “Portão da América” em 1945 e em parte de 1947 – pois a outra parte foi da “Voz da América”, Néstor Rossi, que venceria dez anos depois também. Eliseo Mouriño copou em 1955 e 1959 e Diego Simeone, em 1991 e 1993. A concorrência é dura, mas optamos pelo mais recente. Além de fazer gol na final de 1991, a quebrar jejum continental de 31 anos, El Cholo foi membro ativo daquela invencibilidade de 31 jogos nos quais a Argentina não enfrentou somente forças sul-americanas, ao contrário do que ocorrera naqueles dourados anos 40.
MEIAS: a meia-direita não tem discussão, pois o maior artilheiro das Copas América jogava nessa posição. Foi Norberto “Tucho” Méndez, de 17 gols em 17 jogos no tri de 1945-46-47: foi outro dos cinco presentes em todo o tri e o carrasco do Brasil nos dois primeiros títulos – marcou três vezes nos 3-1 em 1945, todos incrivelmente de fora da área, e anotou ambos também nos 2-0 na final de 1946 – saiba mais. Quantidade e eficiência que fazem-no superar outro monstro da época, José Manuel Moreno, campeão em 1941 e 1947, descrito pelos mais antigos como mais habilidoso que Maradona.
O flanco esquerdo foi a posição do já citado Sastre em 1941 e posto habitual de Manuel Seoane em 1925 e 1927 e de Roberto Cherro, em 1929 e (alternando-se com Alejandro Scopelli) 1937. Rinaldo Martino ocupou a vaga em 1945, até marcando o gol do título, sobre o Uruguai, e foi bi em 1946. Mas perdeu a posição no torneio para o mito Ángel Labruna, que ainda por cima fez 5 gols em seus 4 jogos da campanha. Ganhou novamente em 1955. Fez os três primeiros jogos saindo do banco, sendo titular nos dois seguintes, os últimos. Mas com direito a marcar três gols em um 6-1 no Uruguai. E El Feo já tinha 36 anos. É o mais velho a marcar três gols em um só jogo pela Argentina. Saiba mais.
ATACANTES: na ponta-direita, Mario Boyé foi outro dos cinco de todo o tri em 1945-46-47, mas só foi titular no último, perdendo a vaga em 1945 para Juan Carlos Muñoz e em 1946 para um improvisado Vicente de la Mata. Adolfo Pedernera foi bi como ponta-direita em 1941 e centroavante em 1946, posição onde mais se consagrou. Claudia García não foi titular absoluto nem em 1991 nem em 1993. Assim, entre Carlos Peucelle, bi em 1929 e 1937, e Omar Corbatta, em 1957 e 1959, ficamos com Corbatta.
Espécie de Garrincha argentino pelos dribles endiabrados e pelo alcoolismo, Corbatta integrou primeiro o célebre ataque Carasucias de Lima em 1957, os “Cara-Sujas”, gíria argentina para os moleques que eram aquele quinteto ofensivo formado com Humberto Maschio, Antonio Angelillo, Omar Sívori e Osvaldo Cruz. Deles, só Corbatta foi titular na Copa do Mundo de 1958, sendo exatamente a única figura que se salvou no “desastre da Suécia”, a melancólica campanha encerrada com derrota de 6-1 para a Tchecoslováquia. Não é por acaso que manteve-se titular para ser campeão em 1959. Saiba mais.
Na outra ponta, não cabe discussão: Félix Loustau, o único titular absoluto em todo o tri de 1945-46-47. E com direito ao último gol nos 3-1 sobre o Uruguai que garantiram matematicamente aquele tricampeonato: saiba mais. Para centroavante, sim, há dilemas. Manuel Ferreira foi o bi de 1927 e 1929. Nos anos 40, dois concorriam de forma fenomenal: Adolfo Pedernera, descrito por Alfredo Di Stéfano como o maior jogador que vira (clique aqui), e René Pontoni, ídolo do Papa Francisco que deixou o próprio Di Stéfano na reserva no título de 1947. Pedernera, que conseguia ser um paradoxal “centroavante-armador” (sabe Messi?), superou Pontoni como titular em 1946 e foi campeão também em 1941, mas ainda como ponta-direita. Já Pontoni venceu em 1945 e em 1947, sendo dono de ótimos 19 gols em 19 jogos pela Argentina: clique aqui. Mas nem um, nem outro: ficamos com Gabriel Batistuta.
Maior artilheiro da seleção argentina, ele que iniciou sua trajetória de sucesso exatamente com a Copa América, indo à Fiorentina após ser campeão na de 1991 com um gol por jogo. Em tempos de preocupação defensiva muito maior e com adversários bem mais nivelados que antigamente, fez ao todo 13 gols em 16 partidas no torneio, incluindo um na final de 1991 e os dois da de 1993, o último e tão distante troféu da Albiceleste. Poderia ser mais não fosse la mano de Túlio para o Brasil em 1995 e o técnico e desafeto Daniel Passarella tirar Batigol a meia hora do fim dessa partida, na qual o atacante havia deixado o seu. Foi a última partida de Bati no torneio, pois em 1997 e 1999 a Argentina usou times experimentais e se ausentou da de 2001 pela insegurança da Colômbia. Saiba mais.
TÉCNICO: Só dois conseguiram ao menos dois títulos. Alfio Basile treinou o bi de 1991-93, um período em que a Argentina conseguiu um recorde mundial de invencibilidade, 31 jogos – mesmo não contando na maior parte com Maradona e Caniggia, suspensos por doping para cocaína. Só não foi tri individual em 2007 por extremo azar na final, onde tudo deu errado à ótima Albiceleste e tudo certo para o criticado time de Dunga. Mas Guillermo Stábile é imbatível. O artilheiro da primeira Copa do Mundo é também o técnico mais longevo da seleção. Mais de vinte anos de trabalho honrado entre 1939 e 1958 e rápida volta em 1960. No ínterim, os seis títulos de 1941, 1945-46-47, 1955 e 1957 em nove disputados, sabendo alternar com bons resultados as grandes figuras da época.