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Argentina já teve seus “Ricardos Oliveiras”, veteranos reconvocados. Veja quais

Guiñazú em 2003 e 2011

O Brasil hoje estreará nas eliminatórias da Copa tendo Ricardo Oliveira entre os convocados, quase nove anos após usar pela última vez o atacante de 35 anos. Se a idade não faz por merecer o retorno, o desempenho no Brasileirão e o baixo nível da concorrência fazem. A Argentina já passou por algo parecido, com hiatos até maiores que o do santista – o último retorno é inclusive conhecidíssimo dos brasileiros, o do volante Guiñazú. Com boa vontade, poderia-se até armar um time inteiro com direito a reservas. Os três maiores retornos na Albiceleste, curiosamente, também são de centroavantes, ironicamente a posição em tese mais complicada para tanto e a mesma de Ricardo Oliveira.

O líder é o Juan José Ferraro, um dos maiores ídolos do Vélez. Afinal, ao pendurar as chuteiras ele era o maior artilheiro do Fortín, sendo ultrapassado apenas por Carlos Bianchi. Sofreu nos anos 40 com a concorrência de uma geração dourada da Argentina, que tinha para a posição Adolfo Pedernera e René Pontoni. Ferraro não era apenas definidor, tendo um estilo no qual também recuava para armar jogo. Atuou algumas vezes em 1945, com direito a dois gols nos últimos dez minutos em um 9-1 na Colômbia pela vitoriosa Copa América. Reapareceu só em 1956, em um 2-1 amistoso com o Uruguai.

Os seguintes tiveram estilos semelhantes: toscos, sem virtuosismos com a bola, mas eficientes para coloca-la nas redes. Foram dez anos para ambos, com Carlos Morete superando em alguns meses Martín Palermo. Se Palermo é o maior artilheiro do Boca, Morete foi justamente um dos maiores carrascos dos auriazuis, especialmente pelo River. Fez dois jogos na seleção em 1973. O River vivia jejum desde 1957 e El Puma foi o artilheiro da quebra desse tabu, em 1975 (falamos aqui). Mas foi em seguida à Europa e isso naquela época fazia os jogadores sumirem do radar, diferentemente de hoje.

Morete voltou à Argentina exatamente no Boca e foi campeão em 1981, mas na reserva e mal recebido pela torcida. Voltou a descarregar seus cartuchos por Talleres e Independiente, pelo qual foi novamente artilheiro nacional, em 1983 (curiosamente, é torcedor do arquirrival Racing). Acabou retornando neste ano rapidamente à seleção. Como Ricardo Oliveira, pela má safra que seu país se via de bons atacantes, com nenhum campeão do mundo em 1978 mantendo a boa fase depois.

Já a trajetória de Palermo é mítica: entenda. Virou faz-me-rir internacional com os três pênaltis perdidos na Copa América em 1999. Sua volta já era especulada em 2008 (quando o técnico ainda era Alfio Basile), mas impedida na época por rompimento do ligamento dos joelhos. Em 2009, a Argentina corria risco sério de não se classificar à Copa. Messi (de só quatro gols em todas as eliminatórias), Agüero (idem), Tévez (só um) e Diego Milito (nenhum) não correspondiam, Lavezzi (que nem iria à Copa) não estava maduro e Higuaín não se decidia entre jogar pela Argentina ou pela França.

Os recordistas de demora: Ferraro, Morete e o “stripper” Palermo (perdendo os três pênaltis em 1999 e celebrando o dramático gol sobre o Peru dez anos depois)

Maradona, que já havia recomendado a contratação de Palermo ao Boca em 1997, efetivou então a volta do Titán. Foi premiado com o gol do veterano sobre o Peru (por sinal, na noite em que Higuaín enfim estreou pela Argentina) nos descontos e logo após o empate peruano, dando vitória que aliviou bastante a situação argentina. Palermo acabou indo à Copa e deixando sua marca contra a Grécia. Dos argentinos que fizeram gols, é o que menos minutos jogou no torneio: dez, os últimos daquele jogo.

Abaixo do trio, um zagueiro: Juan Simón. Era bastante completo, sendo veloz para se antecipar aos marcadores, bom no jogo aéreo e sabendo jogar nos dois flancos. Campeão mundial sub-20 com Maradona em 1979, estreou na seleção principal em fevereiro 1980, ainda nos tempos de Newell’s (ironia: é torcedor do Rosario Central, com quem o Newell’s tem a rivalidade mais ferrenha do país), em série de dois jogos contra a Irlanda. Só voltou a vestir Albiceleste quase dez anos depois, em dezembro de 1989. Apesar do bom desempenho no futebol francês, só voltou aos radares ao vir ao Boca. Só Simón e Maradona jogaram todos os minutos argentinos na Copa 1990.

Outro que passou nove anos entre um jogo e outro foi o volante Néstor Rossi, um dos únicos membros mundialistas daquela bela geração dos anos 40: jogou a Copa de 1958 ao lado de Ángel Labruna, colega de River e daquela geração. Mas enquanto Labruna sempre foi do River e era nome frequente na seleção, Rossi pagou o preço da ida ao Eldorado Colombiano em 1948 junto de Alfredo Di Stéfano (o outro único que foi a uma Copa, pela Espanha em 1962, onde não jogou). Ele voltou do Millonarios de Bogotá em 1954, mas entre 1947 e 1956 a “Voz da América” não jogou pela Albiceleste. Saiba mais.

Outro que também teve hiato por volta dos nove anos foi Edgardo Bauza, um dos maiores ídolos do Rosario Central e quarto maior zagueiro-artilheiro do futebol. Teve o azar de ser contemporâneo e canhoto como Daniel Passarella, ainda mais fenomenal nos dois quesitos (é ele o segundo maior zagueiro-artilheiro). El Patón, futuramente técnico das primeiras Libertadores do futebol equatoriano (com a LDU em 2008) e do San Lorenzo, estreou em outubro de 1981, perdendo para a Polônia em Buenos Aires. Voltou só em janeiro de 1990, contra o México, país onde atuava na época. Jogou mais uma vez em março, contra a Escócia, e só. Foi convocado à Copa do Mundo, mas foi o único não-goleiro argentino a não entrar em campo no mundial. Pudera: foi derrotado em suas três partidas.

Abaixo deles, os outros que, como Ricardo Oliveira, esperaram oito anos. Por questão de meses ou semanas, a ordem é: Pablo Guiñazú (2003-11), Pedro González (1969-77), Raimundo Orsi (1928-36), Hugo Ibarra (1999-2008) e Hugo Gatti (1967-75) – os três últimos na realidade não demoraram oito anos completos, mas arredondados. Guiñazú se destacara no Independiente campeão nacional pela última vez, em 2002 (veja aqui), e foi testado por Marcelo Bielsa na renovação pós-Copa.

Néstor Rossi, Juan Simón (ambos em duas fotos) e Edgardo Bauza esperaram nove anos

Ele não se firmou. Mas seu desempenho no Internacional e a obrigatoriedade de só usar-se jogadores de Brasil e Argentina nos primeiros Superclássicos das Américas fez Alejandro Sabella chamar Guiña para o jogo em Belém. Acabou mantido por um tempo mesmo em convocações que incluíam “europeus” e mesmo depois de ir ao Paraguai jogar no Libertad, mas não ficou para a Copa 2014. Já González era ponta-direita do primeiro campeão profissional invicto na Argentina, o San Lorenzo de 1968 (saiba mais), fazendo a torcida cuerva não ter maiores saudades do suspenso Doval.

González não tinha o talento do futuro ídolo carioca, mas sabia aproveitar espaços e habilitar bem os colegas. Após passar até pela Guatemala, Pedrito voltou à Argentina sob desconfiança dos torcedores do River pelo declínio e pela alta idade. Mas rendeu bem no Millo, vencendo o Metropolitano com direito a gols nos dois clássicos com o Boca, um deles driblando o mencionado Gatti para dar a vitória no finzinho, e gol também no jogo que garantiu a taça, contra o Ferro Carril Oeste. Na seleção, porém, não foi feliz, com só uma vitória em sete jogos. Acabou de fora da Copa 1978.

Orsi tem história no futebol, pois fez gol em final de Copa do Mundo. Foi pela Itália, empatando perto do fim contra a Tchecoslováquia em 1934: saiba mais. O ponta-esquerda foi membro cativo do pentacampeonato da Juventus entre 1931-35, sequência de títulos inédita na Itália e que fez da Juve popular em todo o país. Os alvinegros o contrataram em 1928, após a prata da Argentina nas Olimpíadas. El Mumo havia brilhado nos primeiros títulos nacionais do Independiente, nos anos 20, retornando ao Rojo e à Albiceleste (para uma única partida, contra o Uruguai) em 1936. É um dos três casos de jogadores que defenderam a Argentina antes e depois de jogarem por outra seleção.

Ibarra foi um dos maiores laterais-direitos do futebol argentino, mas sofreu por ser contemporâneo de Javier Zanetti. El Negro é ídolo eterno no Boca ao ser um dos pouquíssimos que estiveram nas quatro Libertadores vencidas entre 2000 e 2007. Chegara à seleção ainda antes, em 1999, quando aquele Boca já demonstrava força considerável: o clube fora bi em 1998-99 no embalo de um recorde de invencibilidade na Argentina, 40 jogos. Eis porque Palermo também estreou naquela época pela Argentina, que usou os auriazuis como base para a Copa América: Juan Román Riquelme, Diego Cagna, Walter Samuel (que assim estreou na seleção) e Guillermo Barros Schelotto também foram chamados.

A Copa América foi decepcionante e Ibarra não voltou à seleção nem quando foi vice da Liga dos Campeões pelo Monaco, em 2004. Foi necessário vencer novamente a Libertadores, em 2007, para meses depois receber nova chance, em nova Copa América. Foi reserva de Zanetti e teve suas últimas chances no início das eliminatórias à Copa 2010. Por fim, Gatti é outro ídolo histórico no Boca, vencendo as outras duas Libertadores xeneizes, no bi de 1977 (foi herói na decisão por pênaltis, contra o Cruzeiro) e 1978. Defendeu o clube até depois dos 40 anos, em 1988, após chegar em 1976.

Ibarra (em 1999 e 2007), o goleiro Gatti e Orsi esperaram oito anos

Gatti é o segundo homem que mais jogou pelo Boca e o recordista de jogos no Argentinão. A entrada na seleção se deu em 1966, quando estava justamente no River, onde nunca conquistou totalmente a torcida – sentimento naturalmente piorado quando virou a casaca. Foi à Copa 1966, mas só estreou pela Albiceleste em 1967. Suas loucuras que chegavam ao visual não eram bem vistas em anos bastantes moralistas (“Deus não pode ter-lhe feito para que você não se penteie”, reclamou a revista El Gráfico na época) e só voltou à seleção porque César Menotti usou um time formado no interior para a Copa América de 1975; Gatti era do Unión de Santa Fe.

O técnico daquele bom Unión era Juan Carlos Lorenzo, que viria fazer história no Boca em 1976 trazendo consigo aquele folclórico goleiro (além do ponta Heber Mastrángelo, outro ex-River). Gatti manteve-se na seleção e a princípio era ele e não Fillol, de estilo e clube totalmente opostos (o espalhafatoso e colorido Gatti gostava de sair jogando pelo Boca, Fillol era sóbrio entre as traves pelo River. Eles, aliás, compartilham o recorde de pênaltis defendidos no futebol argentino, 26) o titular para a Copa de 1978. Mas lesionou-se nos fins de 1977 e terminou descartado do mundial.

Vale lembrar as esperas de sete anos. Elas incluem o goleiro Gabriel Ogando (1945-52, sempre pelo Estudiantes), o zagueiro Zenón Díaz (1906-13, sempre pelo Rosario Central – foi um dos primeiros latinos que se firmaram no clube e na seleção), o lateral Roberto Mouzo (1976-83, sempre pelo Boca, do qual é o recordista de jogos), o volante Harold Ratcliff (inglês que defendia o Belgrano Athletic, hoje voltado ao rúgbi. Atuou em 1901, na partida que a AFA considera oficialmente a primeira da seleção, e voltou em 1908), os armadores Marcelo Trobbiani (1976-83, por Boca e Estudiantes) e Alberto Márcio (1985-92, pro Toulouse e Boca), os pontas Jorge Valdano (1975-82, por Newell’s e Real Zaragoza) e Ariel Ortega (2003-10, por Fenerbahçe e River) e o centroavante Juan Carlos Irurieta (1925-32, por Argentino de Quilmes e All Boys).

Valem menção ainda o beque Juan Carlos Iribarren, ídolo histórico de Argentinos Jrs e River e um dos primeiros longevos na seleção, defendendo-a entre 1922 e 1937 (só Labruna, Maradona, Zanetti e Ortega tiveram alcance maior) com espaços entre 1924 e 1929 e entre agosto de 1930 e dezembro de 1936; e ao lateral Rodolfo Arruabarrena. Atual técnico do Boca, pelo qual fez os dois gols da final da Libertadores sobre o Palmeiras em 2000, El Vasco teria passado onze anos sem defender a Albiceleste entre 1995 e 2006. Mas entre um ano e outro atuou uma única vez em 2000.

Atualização após a matéria: em março de 2016, a Argentina usou o zagueiro Javier Pinola nos 2-0 contra a Bolívia nas eliminatórias à Copa de 2018. O jogador do Rosario Central havia jogado só uma vez pela seleção principal, em junho de 2007, em 4-3 amistoso com a Argélia quando defendia o Nuremberg.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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