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Segunda divisão e a seleção argentina

O palmeirense Hernán Barcos não foi o primeiro a atuar pela seleção argentina após ser rebaixado com o seu clube. Foi apenas o mais recente de um grupo de dezenas de outros, que inclui alguns dos mais célebres jogadores da Albiceleste. Neste especial, relembraremos tanto os que, como Barcos, jogaram pela seleção ainda em uma equipe de primeira divisão, mas já rebaixada, como também os convocados já em um clube a disputar uma divisão inferior, tendo ascendido ou não.

Vale ressaltar que muitos outros jogadores foram convocados para a seleção sem estarem na primeira divisão argentina, mas isto porque seus clubes, interioranos, não disputavam os campeonatos da AFA, tidos como argentinos embora fossem geograficamente restritos ao conurbano da Grande Buenos Aires com La Plata. Muitos ganharam vitrine com o advento do torneio nacional, que reuniu entre 1967 e 1985 as principais equipes do interior com os melhores colocados na primeira divisão.

Até clubes da província de Buenos Aires afastados da Capital Federal ficavam de fora do campeonato argentino (renomeado “metropolitano” durante a vigência do Nacional), exceto o Sarmiento de Junín, colocado na segundona em 1952 em uma última homenagem em vida a Eva Perón, crescida na cidade e a falecer naquele ano. Afinal, alguns clubes de províncias externas já estavam admitidos.

1939 foi o ano em que os rosarinos Newell’s e Rosario Central foram afiliados, entrando diretamente na primeira divisão. Os também rosarinos Central Córdoba (em 1943), Tiro Federal e Argentino (ambos em 1944) tiveram que começar na segunda, mesma condição imposta aos santafesinos Unión (em 1940) e Colón (em 1948). Os cordobeses Talleres, Instituto e Racing de Córdoba foram outras exceções, admitidas já na elite respectivamente em 1980, 1981 e 1982. Apenas na temporada 1986-87 que o campeonato foi nacionalizado, mas da segundona para baixo.

Brookes, D’Ascenzo, Dacquarti e Medina: já disputando a B, atuaram pela Argentina

O primeiro de segunda divisão na seleção foi o ponta-direita Juan Carlos Heredia, que disputou a Copa América de 1942, em janeiro, meses depois de cair com o seu Rosario Central no certame de 1941. Seu filho, de mesmo nome, jogou pela Espanha, destacando-se no Barcelona, como já contamos. O seguinte foi similar: o meia-direita Armando Farro disputou a Copa América realizada em janeiro de 1945 depois de cair com o Banfield no ano anterior. No decorrer da competição, foi negociado com o San Lorenzo, onde seria ídolo.

Como eles, o zagueiro Luis Ángel Bagnato disputou uma Copa América realizada no início de um ano seguinte a uma queda. Foi na de 1955, após ter caído igualmente com o Banfield. Já o ponta-esquerda Roberto Brookes, do Chacarita, foi o primeiro a ser chamado com o clube já disputando a segundona, sensação que experimentou em amistoso contra o Peru em 1957 (4-1, inclusive com gol dele) e na Copa América vencida em 1959. Esteve também no título da de 1957, mas ali não jogou.

O ano seguinte, 1960, teve três: em março, o ponta-direita Alberto Dacquarti e o meia-esquerda Edgardo D’Ascenzo atuaram no Pan-Americano vindos do Nueva Chicago, já um time da segundona. Em dezembro, nas eliminatórias à Copa 1962, foi a vez do zagueiro Federico Sacchi, usado dias depois de ser rebaixado com o Newell’s. Falamos ontem do próximo: o ponta-esquerda Luis Medina, do All Boys, que, já competindo na segundona, o cedeu para amistoso contra o Brasil.

Pasculli comemora o título de 1986 com Bilardo, ao fim da temporada em que subiu com o Lecce: o primeiro vindo de uma segunda divisão estrangeira

Apenas em 1979 que viria o seguinte: o goleiro Enrique Vidallé, titular na Copa América em junho e julho, foi utilizado para amistosos em setembro após cair com o Gimnasia LP em agosto. Depois dele, dois campeões mundiais em 1986: o atacante reserva Pedro Pasculli foi convocado em 1985 já como jogador do Lecce (após destacar-se, por sinal como colega de Vidallé, no Argentinos Jrs campeão pela primeira vez da elite, em 1984), com o qual caiu ao fim da temporada italiana de 1985-86 – a despeito da lanterna na Serie A, ele foi mantido para a Copa do Mundo e inclusive foi o herói do único gol no mata-mata contra o rival Uruguai.

Já o meia Marcelo Trobbiani esteve no México mesmo sem ter conseguido o acesso com o Elche, quarto colocado na segundona espanhola. O atacante Toribio Aquino veio a seguir, testado em julho de 1988 por Carlos Bilardo um mês depois de ser rebaixado com o Banfield ao fim da temporada 1987-88. No ano seguinte, o goleiro Nery Pumpido e o zagueiro José Luis Brown vieram ao Brasil disputar a Copa América depois de serem rebaixados no campeonato espanhol, respectivamente por Real Betis e Real Murcia.

Pumpido foi convocado para a Copa de 1990 ao fim de uma temporada em que ajudou o Betis a voltar à elite. Por outro lado, seus colegas Abel Balbo, Roberto Sensini (ambos da Udinese) e Gustavo Dezotti (Cremonese) disputaram o mundial depois de caírem no campeonato italiano. Um ano depois, o volante Diego Simeone atuou na Copa América após ser rebaixado, também na Itália, com o Pisa, ainda recebendo convocações seguintes pelo clube já durante a Serie B de 1991-92.

Como Simeone, o goleiro Sergio Goycochea jogou pela Argentina em 1991 vindo de uma equipe de segunda divisão, a francesa Brest. Foi em amistoso de setembro contra a seleção da Conmebol, comemorativo dos 75 anos da entidade. O seguinte foi Gabriel Batistuta, convocado constantemente mesmo em meio à campanha que rebaixou a Fiorentina na temporada 1992-93. Batigol seguiu em Florença e na seleção, ajudando a Viola a retornar imediatamente à Serie A antes que ele embarcasse para os EUA jogar a Copa de 1994.

Talvez o caso mais célebre: Batistuta na Copa América de 1993, ano em que esteve na B com a Fiorentina

Também em 1994, já pelo segundo semestre, o primeiro goleiro testado por Daniel Passarella, o técnico pós-Copa, foi Carlos Bossio. Ele havia acabado de ser rebaixado com o Estudiantes, mas continuou avaliado, na campanha que devolveu o Pincha à primeira. Já de volta a ela, ficou célebre por ter marcado de cabeça nos descontos de uma partida contra o Racing, no primeiro gol de um goleiro na elite argentina. Foi utilizado até 1996.

Passarella chamaria para a Copa de 1998 um recém-ascendido da segundona e um recém-rebaixado a ela: os zagueiros Nelson Vivas, que conquistara o acesso suíço com o Lugano, e Roberto Ayala, que caíra na Itália com o Napoli. Um ano depois, Ariel Ortega foi chamado pelo novo técnico, Marcelo Bielsa, para a Copa América mesmo depois de cair com a Sampdoria, também no calcio.

Bielsa ainda usaria outros. O goleiro Germán Burgos foi escalado em alguns jogos em meio à temporada 2001-02, quando seu Atlético de Madrid estava na B espanhola. Os colchoneros subiram ao fim da temporada e Burgos foi confirmado para o mundial de 2002, embora não viesse a ser usado na Ásia. No primeiro semestre do ano seguinte, o ponta-direita Luciano Galletti foi testado em meio à campanha que devolveu o Real Zaragoza à elite da Espanha ao fim da temporada 2002-03.

Sensini (6), Ayala e Burgos (últimos em pé), Simeone (8), Batistuta (9) e Ortega (10)

O ano de 2004 foi o que mais contou com jogadores de segunda na seleção: o goleiro Pablo Cavallero, titular desde a Copa 2002, realizou seus três últimos jogos pela Argentina depois de ser rebaixado na temporada espanhola de 2003-04 com o Celta de Vigo. Bielsa não o chamou para a Copa América, para a qual incluiu o ponta-direita Mariano González, do Palermo, então na Serie B italiana.

O último jogo da Argentina sob Bielsa, uma vitória em Lima por 3-1 sobre o Peru em setembro pelas eliminatórias à Copa 2006, teve dois que estariam em segundas divisões na temporada 2004-05: o meia Nicolás Medina, do inglês Sunderland, e o atacante Diego Milito, do italiano Genoa.

Os seguintes vieram já sob o comando técnico de Diego Maradona, que trabalhou com o volante Jonás Gutiérrez e o zagueiro Fabricio Coloccini, quando ambos defendiam na temporada 2009-10 o Newcastle United, na campanha que recolocou o alvinegro na Premier League inglesa. Jonás acabou até indo à Copa de 2010. A semanas dela, em amistoso de 5 de maio contra o Haiti com jogadores caseiros e que marcou a despedida de Ortega da seleção, Dieguito também usou o centroavante Juan Pablo Pereyra, cujo clube, o Atlético Tucumán, estava rebaixado à Primera B Nacional desde 24 de abril.

Por fim, dois goleiros: Juan Pablo Carrizo, convocado por Sergio Batista para a Copa América de 2011 depois do descenso com o River Plate (ele, porém, não chegou a atuar como millonario na seleção após a queda); e Sergio Romero, titular nos últimos anos, assim se manteve mesmo na temporada 2011-12, quando chegou à recém-rebaixada Sampdoria e a ajudou a logo retornar à Serie A da Itália.

Coloccini e Jonás no Newcastle e Pereyra no Tucumán: três dos últimos de segunda em campo antes de Barcos

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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