O atacante Santiago Silva, “el Tanque” como é conhecido, tornou-se um caso para reflexão. Apesar de números favoráveis e do bom futebol que apresenta atualmente sofre uma perseguição estranha de parte da mídia brasileira. Parte disso se deve à sua malfadada passagem pelo Corinthians, em 2002. Porém, o problema maior estar no fato de que sua “estadia” no Timão não é o problema em si, mas o principal subterfúgio utilizado por alguns para esconder o preconceito e a dificuldade de boa convivência com o futebol de nossos hermanos, sejam eles uruguaios ou argentinos.
Este problema é tão amplo que dificulta à mídia que um jogador estrangeiro possa ser médio, por exemplo. Neste sentido, a supervalorização de alguns não deixa de ser um braço enfaixado do mesmo preconceito que vitima Silva. Conca é um craque, e pronto. Montillo também. Se um deles entra em má fase o fato se deve a problemas particulares, nunca a seu futebol. A mudança de tom, no discurso, não ocorre porque ela revelaria o desconcerto ou preconceito em lidar com o jogador estrangeiro. Se ele vem atuar por aqui, há de ser bom; se for médio ou ruim, ao menos que vá para um time pequeno, jamais para um Corinthians.
Convém limpar o terreno e dizer que essa visão é aplicada antes a uruguaios e argentinos que a outros. E mesmos aos charrúas ela é menos intensa em virtude da crise pela qual passou o futebol uruguaio nas últimas duas décadas. No Santos, ninguém bloqueou a chegada de Bolaños, apesar da passagem de Michael “Jakson” Quiñones, pelo clube. No Corinthians, quando se fala em qualquer estrangeiro, ainda se recordam de Silva. Fato é que todos são olhados com desconfiança, mas apenas uruguaios e argentinos metem medo, pois fazem parte do “eixo do mal” que realmente ameaça o futebol por aqui.
Santiago Silva no Corinthians
No Corinthians Silva tinha 21 anos de idade e havia passado pelo Chievo Verona, sem que o treinador Luigi del Neri o colocasse para atuar uma única vez. Se o Chievo representou para Silva uma novidade, imagine o Corinthians? Antes da experiência na Itália, o Tanque só havia atuado por nanicos do futebol uruguaio. Foram 68 partidas e 27 gols. Representativo, sem dúvida, mas longe de serem os números necessariamente de um “matador”. Isso não deveria fazer mal à fama de Silva, se ela não fosse desvirtuada. Visto apenas como um fazedor de gols nada mais se esperava dele; quaisquer outras contribuições seriam reprovadas. Uma delas, ainda em pleno desabrochar, foi recebida com pedras e rechaçada pela mídia: a de que ele poderia ser um assistente, um jogador que se desloca do centro ao flanco da área para facilitar a chegada de outros jogadores. Em outras palavras: um atacante bem mais moderno do que um simples cabeça-de-bagre que empurra a bola para as redes. No Chievo, era o cabeça-de-bagre que esperavam em Silva. No Corinthians também.
Chegou imaturo, tímido e apresentando os mesmos problemas de relacionamento que teve no clube italiano. Para piorar as coisas, sua fama de matador era exagerada e, além disso, a pessoa que ele substituiria era justamente Luizão, um dos maiores atacantes brasileiros da época.
Grande é o número de brazucas que foi à Europa e se deparou com o fracasso. Um deles foi Viola, que fez feio no melhor futebol europeu para a adaptação de brasileiros: o espanhol. Apesar disso, o ex-corintiano retornou ao país e foi disputado por inúmeras equipes. O caso de Viola é emblemático porque seu comportamento fertilizou todas as condições para uma chacota descomunal. Em parte ela até existiu, mas de maneira bem menor do que o comum. Contudo, o que importa na história é que em nenhum momento essa chacota foi um entrave para que o atacante fosse analisado apenas pelo que fazia ou deixava de fazer dentro de campo. Então, essa compreensão dada aos nossos jogadores não pode ser oferecida a Silva porque ele representa algo diferente para a mídia: é uma espécie de espelho pelo qual se pode ver as deficiências do futebol que sempre nos fez mal: o uruguaio e argentino.
Convém lembrar que os números de “el Tanque” no Corinthians foram dos piores. Atuou por cinco partidas e não fez nenhum gol. Afora o fato de não ter feito gols, importa o pequeno números de jogos em que atuou por seis meses. Na conta do uruguaio pode ser creditada sua dificuldade de se adaptar, seu peso, talvez excessivo, e sua imaturidade. Na conta do Corinthians, o clima oferecido ao novo jogador, que compreende desde a falsa expectativa em relação à sua contratação à própria gestão do elenco cujo ego gigante viu em Silva apenas um petisco delicioso a ser engolido.
A vida fora do Corinthians
Seis meses depois, o Matador foi comprovar no Nacional do Uruguai que seu problema tinha muito a ver com a personalidade para vestir uma camisa de peso. Fez sete jogos e não marcou nenhum gol. Como não passava de uma moeda na mão de empresários, foi jogado no Energie Cottbus, da Alemanha, e no Beira-Mar, de Portugal. A partir daí é que sua carreira começou a decolar. Tinha 23 anos e depois de ter sido jogado em um canto e outro apreendeu a se virar.
Desde então, Santiago Silva tem feito misérias por onde passa. Foi um dos responsáveis pelo título inédito do Banfield em 2009. Artilheiro do Apertura 2009 e 2010 e figura-chave do título do Vélez em 2011. Superado o passado de falhas, dentro de campo, fora dele, “el Tanque” continuaria a ser o mesmo cabeça-de-bagre para setores de nossa mídia. E a principal razão para isso é uma vez mais a dificuldade de mudar o discurso. Essa questão de se defender da ameaça portenha chega a ser secundária diante do simples reconhecimento de um erro. Nisto o episódio Silva revela a falta de humidade de quem pega no microfone para narrar ou comentar uma partida.
E para defender essa postura arrogante chega-se ao descaramento de apostar no erro do atacante. Uma atitude prévia, durante e pós-jornada do atleta uruguaio é preenchida pela necessidade de eleger a chacota e o ridículo de sua atuação. Antes de isso ser endereçado a Silva está a serviço dos próprios limites críticos de um raciocínio preconceituoso e reacionário.
No vídeo abaixo, a surpresa do comentarista com o golaço do Tanque diz muita coisa. A expressão “aleluia” não reflete a admiração, mas a surpresa diante do feito do uruguaio. Era como se aquilo jamais fosse esperado da parte de um jogador “medíocre”. Constrangido no lance, o comentarista tenta corrigir depois, ao dizer que se pega no pé de Santiago Silva é por saber de sua ótima condição técnica. O próprio susto dele ou revela que ele pensa o contrário disso ou revela o pior: o caráter consciente de sua visão negativa sobre o futebol do uruguaio.
Esse é só um exemplo. Os números de Santiago Silva têm surpreendido de uma maneira tal que sua passagem pela bagunça da Fiorentina é até pouco citada por quem pega no pé do atacante. Sua chegada ao Boca Juniors causou um imbróglio com o Vélez Sarsfied já que o atacante seria a terceira contratação dos xeneizes para a temporada (o regulamento prevê apensa duas). Porém, a equipe de Liniers acaba convidada a fazer parte de uma reflexão que lhe toma como time pequeno por aqueles que ainda sustentam que Santiago Silva não é jogador para time grande.
Fato é que o jogador demorou 727 minutos sem chegar às redes. Mas longe de precisar da exagerada paciência dada, por exemplo, a Liédson, no Corinthians, Santiago Silva a dispensava no Boca. Sua atuação impressiona pelo deslocamento e pelo passe para o gol. Na partida em que os xeneizes venceram o Arsenal por 2×0 o atacante foi indiretamente responsável pelos dois gols. Apesar do jejum, o uruguaio foi aclamado pela torcida depois do cotejo.
Tanto no vídeo acima quanto no de baixo convém reparar na apropriação de espaços pelo uruguaio no campo de ataque. Seu deslocamento é rápido, inteligente e refletido. Mesmo antes de receber a bola ele já está de olho na melhor posição do campo para recebê-la. Experiente, sabe imprimir e reduzir velocidade ao lance; sabe parar e esperar pelo melhor posicionamento para o passe. Além disso, seguro, em meio a zagueiros que dão combate, ainda se dar ao luxo de imprimir categoria para a assistência final. Veja também no vídeo abaixo, na vitória do Boca por 3×0 contra o Estudiantes.
Para finalizar, volto ao Corinthians para dizer que a instituição de Parque São Jorge simboliza muito da grandeza do futebol brasileiro, mas que tem sido o símbolo de muitos equívocos. Não basta ser a segunda maior torcida brasileira, precisa ser a primeira; não basta que terá um excelente estádio, precisa ser o melhor; não basta que demorou para acordar e faz investimentos pesados para dispor de grande estrutura, para o ex-presidente Andrés Sánchez, será a maior do mundo.
E que os rivais locais não atirem pedras: antes de o clube representar tais equívocos em nível nacional ele é a própria representação de equívocos com a mesma natureza da cidade de São Paulo em relação ao Rio. Briga que remete à década de 30 e que tem no alvinegro de Parque São Jorge a principal bandeira hoje. Mas, o que tudo isso tem a ver com Santiago Silva? Tudo. Se sua passagem não fosse pelo “Timão” a reação ao seu futebol seria provavelmente menor. Foi e é dimensionada por ter sido pelo Corinthians, o que diminui para Santiago Silva o direito a ganhar um “perdão”.
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Isso se reflete também Joza em outros jogadores que não conseguem triunfar aqui, porém conseguem êxitos em outros países, em outros campeonatos. Antigamente, quando não tinhamos tantas ferramentas de interação com outras pessoas (internet, redes sociais) isso era comum, sobretudo porque dificilmente se cobria com embasamento o que acontece ao redor do continente, hoje isso não vale como desculpa, da mesma forma como se ignora que um jogador possa evoluir com o tempo e mostrar o seu valor. Muitas vezes isso é um equívoco da mídia. Eu também tenho um blog, onde fala mais sobre futebol sulamericano, é um conteúdo meio pequeno, mas pouco a pouco eu vou melhorando, é esse aqui: http://lacopasemira.blogspot.com.br/
Parabéns pelo ótimo trabalho do futebol portenho!!!
Caraca! que que é isso meu. Foi na veia.
Detonou, abordou bem profundamente essa relação com os estrangeiros. E fez justamente o contrário do que a mídia faz, pegou a questão com profundidade, cercou todos os aspectos. Muito legal.
E o cara decidiu de novo. Grande jogador. Diferente mesmo.
cara. concordo com o fato do discurso d q silva é um lixo é ridículo, porém não se deve generalizar.
desde q o Esporte Interativo transmite o futebol argentino sempre elogiaram "el tanque" inclusive usando a passagem pelo corinthians como um exemplo de q um jogador pode dar um salto técnico em sua carreira.
sobre o golaço acima e o "aleluia", eu assisti essa partida e a verdade é que o aleluia em foi motivado por 2 fatores: o narrador q estava nessa transmição estava a 3 jogos sem narrar um gol, e tbm o santiago não havia feito um gol em la bombonera.
vi santiago silva fazer gols maravilhosos encobrindo o goleiro de pé esquerdo e nenhum comentarista ficar surpreso. mesmo assim ótima matéria, mas não se deve generalizar.
Baita texto, com todos os detalhes cercando o tema da rejeição aos Silva. E bem apropriado depois da vitória do Boca; serve também para apagar aquela história de que ele só consegue jogar em time pequeno.
Grande texto realmente. Uma lição para muitos jornalista em começo de carreira, para que não entrem no discurso furado de parte da mídia que reproduz erros há muito tempo. Mas eu acho que a situação já melhorou um pouco e seria interessante apontar isso também.
Sou obrigado a reconhecer que esse time, que esse cara é diferente sim. Falo isso porque eu não poso gostar dele por que ele está no time que eu não gosto. Mas se ele tivesse no meu time a gente teriam muito mais facilidade de voltar a elite. Em tempo, grande matéria
O que dizer do mestre Joza Novalis? Apenas a admiração por mais uma maravilha digital.
E o contrário ? Digo, brasileiro jogando na Argentina? Sempre tiveram que matar a pau , como fez o Silas no S L ....Hoje por razões econômicas nem jogadores medianos aceitam jogar na Argentina, que tá falida. Os poucos que tentaram, sofrem um absurdo; como o caso do lateral Baiano, que sofria preconceito até dos próprios colegas do Boca Juniors, mesmo atuando bem e sendo aplaudido pela torcida bostera, era maltratado pela mídia e como disse ,pelos colegas do Boca .Realmente acho que muitos dos que jogam aqui no Brasil não são medianos e sim ruins mesmo, caso do Farias por exemplo. Os medianos ao contrário do que você escreveu sempre foram respeitados; vide o Barcos hoje no Palmeiras...