O futebol argentino é rico em estrangeiros de sucesso por lá, especialmente uruguaios, paraguaios, colombianos e mesmo brasileiros. Em grau menor, de peruanos e chilenos. Mas não de bolivianos. O mais comum é o inverso, a ponto de a seleção boliviana ser a que mais usou argentinos depois da própria Albiceleste (sim, mais até que a italiana), relação não tão conhecida devido à baixíssima assiduidade de La Verde em Copas, superior na Conmebol apenas à frequência nula da Venezuela. O San Lorenzo só importou dois das terras altiplanas, grandes ídolos no oponente de hoje e justamente os dois maiores goleadores da seleção da Bolívia. E nem eles conseguiram vingar na Argentina.
O primeiro deles foi também o primeiro boliviano no futebol argentino: Víctor Agustín Ugarte, que batiza o estádio da temida Potosí bem conhecido pelos flamenguistas no mínimo adolescentes. Os mais jovens que têm em Marco Etcheverry como o nome mais forte do futebol boliviano deveriam conhecer mais Ugarte. Ugarte defendeu La Verde por dezesseis anos, entre 1947 e 1963. Jogou nesse período a Copa de 1950 e cinco Copas América, vencendo exatamente a última, em 1963, onde a Bolívia foi sede e terminou campeã com um 5-4 sobre com dois gols dele sobre o Brasil – já havia marcado nos brasileiros outro dez anos antes. Esse ainda é o único título internacional da seleção.
No Bolívar, Ugarte também teve longa trajetória, somando quinze anos em diferentes passagens. O San Lorenzo o descobriu em uma excursão por Peru, Bolívia e Costa Rica em 1958, se encantou por ele e o trouxe. Mas o reforço não se acostumou ao clima e ao futebol argentino, apesar de estreia bastante promissora, onde um cabeceio fulminante seu finalizou um 3-2 sobre o Gimnasia LP. Só jogou mais duas outras vezes oficialmente pelo CASLA e dali foi ao colombiano Once Caldas. O recorde de gols de Ugarte na seleção, 16, só foi quebrado por Joaquín Botero, que marcou 20.
Botero jogou pela Bolívia entre 1999 e 2009 e três dos seus gols foram no seu último jogo pela seleção, naquele histórico 6-1 sobre Messi e companhia em 2009, até hoje a derrota mais elástica da Argentina. Em seu país, o Bolívar também é o clube com o qual Botero mais se identificou. Em sua melhor passagem nele, foram 111 gols em 132 jogos, na virada do século. Chegou ao San Lorenzo em 2006 e foi o primeiro boliviano no clube desde Ugarte. Jogou quatro vezes pela Sul-Americana e duas no Apertura, deixando o Ciclón antes do fim do torneio após chances escassas mas também com um estado físico ruim. Curiosamente, o CASLA foi campeão nos torneios seguintes à saída da dupla.
A Bolívia já usou 30 argentinos; os da Itália, listados aqui, foram 24. Em parênteses, o ano da estreia: Raúl Fernández (1945), Antonio Greco, Roberto Capparelli (1950), Ramón Santos (1953), Vicente Moreno (1958), Luis Aguilera (1959), Marco Di Meglio, Roberto Cainzo, Eulogio Vargas e Eduardo Espinoza (1963), Juan Díaz, Juan Farías, Raúl Álvarez, Julio Díaz e Marco Rojas (1969), Luis Liendo (1975), Luis Bastida, Héctor Awad e René Taritolay (1977), Miguel Bengolea, Ricardo Fontana e Juan Carlos Sánchez (1985), Carlos Trucco, Luis Cristaldo e Miguel Vacaflor (1989), Gustavo Quinteros (1993), Fernando Ochoaizpur e Sergio Castillo (1996), Leonardo Fernández (2004) e Gerardo Yecerotte (2009).
Destes, cabe destacar alguns. Greco e Capparelli jogaram a Copa 1950 com Ugarte. Cainzo, Vargas e Espinoza venceram a Copa América com o mesmo Ugarte. Juan Díaz, Farías, Álvarez e Rojas venceram a Argentina em 1969 por 3-1 com Díaz e Álvarez marcando em jogo que adiante custaria a vaga da Albiceleste na Copa 1970, na única vez em que ela deixou de participar por eliminação em campo – a única vaga do grupo ficou com o outro membro da chave, o Peru. Outro a marcar gol na terra natal foi Ochoaizpur, que fez o da vitória boliviano por 2-1 em 1997 em noite marcada pelo caso Julio Cruz, que saiu sangrando em incidente suspeito similar ao do goleiro chileno Rojas contra o Brasil.
Outros três, Trucco, Cristaldo e Quinteros, foram titulares na última Copa do Mundo com participação da Bolívia, a de 1994, na única em que ela se classificou em campo- é de se notar que em seus máximos logros La Verde tinha ao menos um quarto de argentinos na equipe, pois este trio esteve naquele 2-0 sobre o Brasil em 1993, na primeira derrota brasileira nas eliminatórias e Trucco e Cristaldo estiveram com Castillo no vice na Copa América 1997 – Cristaldo é aquele nocauteado por Edmundo na final. O goleiro Trucco, posteriormente, seria técnico da Bolívia de 2001 a 2003.
Quinteros, por sua vez, também foi técnico da Bolívia na última Copa América e foi outro a passar pelos oponentes de hoje. Quando já havia se naturalizado boliviano, passou pelo San Lorenzo entre 1994 e 1997, sem transcendência: foram só 15 jogos e apenas um deles no título do Clausura 1995, que quebrou o maior jejum do clube na elite, 21 anos. E foi vindo do banco, substituindo o lesionado Oscar Arévalo contra o Mandiyú. Jogaria também no Argentinos Jrs depois. Como jogador, defendeu justo o arquirrival do Bolívar, o The Strongest, só passando pelo time celeste como técnico, função em que foi campeão em 2009.
Quinteros também foi campeão nacional treinando a dupla rival de Santa Cruz de la Sierra (Blooming e Oriente Petrolero). Treina o equatoriano Emelec desde 2012, eliminando dramaticamente o Flamengo na Libertadores daquele ano.
Vale citar ainda o caso do técnico de Quinteros naquele San Lorenzo de 1995: Héctor Veira, considerado o maior ídolo da história sanlorencista. Colecionou outras passagens como técnico da equipe, incluindo a última semifinalista de Libertadores antes da atual, em 1988, e brilhou como jogador azulgrana nos anos 60. Mas sua boemia e desleixo com a preparação física lhe minou o potencial para voos maiores. No fim da carreira, jogou na Bolívia (Oriente Petrolero) e sem brilho no Corinthians. Só defendeu duas vezes a seleção. Ambas justo contra os bolivianos. E é o outro argentino a tê-los treinado. Foi técnico de Botero no último torneio mundial de La Verde, a Copa das Confederações de 1999.
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