Romagnoli: maior campeão do San Lorenzo é filho de torcedor rival
“É dos últimos jogadores surgidos nas categorias de base que dão ganas de pagar um ingresso”, assim foi concluído o perfil de Leandro Atilio Romagnoli em uma edição especial da El Gráfico (principal revista esportiva argentina) que elegeu os cem maiores ídolos do San Lorenzo, em 2011. El Pipi pode ter se despedido ontem do clube. Seja como for, já é o profissional com mais títulos erguidos pelos azulgranas. E mais: só ele esteve em todos os títulos continentais do CASLA, agora apenas a sigla para Club Atlético San Lorenzo de Almagro e nunca mais “Club Atlético Sem Libertadores da América”, como zombavam os rivais. O irônico é que ele é filho de um fanático e ex-jogador do arquirrival dos cuervos.
De fato, há fotos de Leandro nos infantis do Huracán e há quem diga que ele fez uma tatuagem do distintivo rival, a qual posteriormente teria coberto por algum outro desenho. Oscar Ruggeri, o técnico que lhe lançou no San Lorenzo em 1998, chegou a afirmar que o meia-armador seria sim torcedor do Huracán, no que foi imediata e furiosamente desmentido pelo jogador no twitter. A mãe, que é sanlorencista, garantiu que sempre “se fez valer” no time de escolha do filho.
Romagnoli estreou profissionalmente ainda aos 17 anos, em 1998, pela política de Ruggeri em promover juvenis. Na mesma época, apareceram Diego Saja, Mirko Saric, Walter Erviti e Claudio Morel Rodríguez. A torcida compreendeu e incentivava o elenco com “vamos, vamos los pibes“. O meia sofria com o físico frágil desde ali, algo que atormentaria sua carreira. Mas em 2000 já conseguia fazer uma temporada completa e o primeiro grande momento veio um ano depois.
Em 2001, o San Lorenzo demitiu Ruggeri e passou a ser treinado pelo chileno Manuel Pellegrini (hoje no Manchester City), que não se rogou em deixar alguns ídolos no banco, como o uruguaio Loco Abreu. Romagnoli chegou a passar por isso, mas demonstrou o erro do técnico e se ausentou só de um jogo da campanha, contra o Rosario Central. Foi vice-artilheiro do elenco campeão do Clausura, até hoje a melhor campanha de um time na era dos torneios curtos do campeonato argentino: 47 pontos, no embalo de outro recorde no país, treze vitórias consecutivas no campeonato. El Pipi foi vice-artilheiro dos campeões, com 5 gols.
Ainda em 2001, integrou a fantástica seleção campeã mundial sub-20 na Argentina e orquestrou o San Lorenzo que ia avançando na Copa Mercosul. O desempenho chamou a atenção do Bayer Leverkusen, então no melhor momento da sua história (o time seria vice no campeonato alemão, na Copa da Alemanha e na Liga dos Campeões na temporada 2001-02). Ele foi à Europa fazer testes médicos, mas a transferência não se concretizou. Por outro lado, pôde jogar a final da Mercosul, só travada em janeiro de 2002 após o agravamento dos distúrbios nas ruas pela crise econômica argentina cancelar a data original do jogo da volta, em Buenos Aires.
O Sanloré foi campeão continental pela primeira vez ali, sobre o Flamengo (falamos aqui). No mesmo ano de 2002, o clube faturaria também o torneio sucessor da Mercosul, a Copa Sul-Americana. Apesar disso, entre janeiro e dezembro o time foi quase todo reformulado. Romagnoli, que rompera os ligamentos do joelho ainda em janeiro, era um dos quatro titulares remanescentes da volta olímpica da Mercosul a levantar também a Sul-Americana, protagonizando o melhor lance da final, arrancando desde a metade do campo com a bola e driblando quem aparecesse até tocar na saída do goleiro para marcar um dos gols nos 4-0 sobre o Atlético Nacional, em plena Medellín: leia aqui.
Nesse embalo, estreou pela seleção principal em fevereiro de 2003, atuando 14 minutos em um 1-0 nos EUA em Miami. Mas acabou sendo seu único jogo pela Argentina: um mês depois, voltou a romper os ligamentos do joelho e ficou inativo pelo resto do ano. Voltou em 2004, mas no ano seguinte deixou o CASLA pela primeira vez, negociado com o mexicano Veracruz.
Após passar também pelo Sporting Lisboa, Romagnoli regressou em 2009, ano em que o Futebol Portenho foi criado. A primeira cobertura in loco do site foi justamente a partida da reestreia do meia, que marcou um gol de falta e armou a jogada do outro gol sanlorencista: relembramos disso ontem. Mas o clube decaía. Em 2011, o River causou comoção mundial ao ser rebaixado, e um ano depois quase a elite argentina perdeu outro gigante. O San Lorenzo já havia sido o primeiro dos cinco grandes a cair, em 1982, e seria o primeiro delas a sofrer um segundo rebaixamento, com o qual lutou na temporada 2011-12. Foi nesse contexto que aquela edição da El Gráfico foi lançada.
Passou muito perto. Romagnoli não estava com o melhor dos físicos e nos piores momentos bradou que “parte da imprensa e dirigentes da AFA querem o San Lorenzo na B Nacional” (confira). Mas o ídolo foi fundamental, especialmente no jogo-símbolo do ponto de virada, partida que por si só já foi uma senhora virada: o time perdia por 2-0 para o belo Newell’s de Gerardo Martino, recém-confirmado nessa semana como novo técnico da seleção. O San Lorenzo se afundava na zona de rebaixamento direto, mas conseguiu virar o jogo no final após Romagnoli conferir duas assistências; uma foi a da virada, após costurar pelo lado direito e cruzar na linha de fundo para Emanuel Gigliotti cabecear com sucesso. O jogo foi tão enfartante (leia aqui) que causou problemas até para o então torcedor mais famoso do clube.
Não era o Papa Francisco, que ainda vivia como o cardeal Jorge Mario Bergoglio, e sim o ator Viggo Mortensen, que se apaixonou pelo San Lorenzo ao crescer em Buenos Aires. O intérprete do Aragorn vibrou efusivamente em um aeroporto ianque ao acompanhar o jogo pelo computador que acabou interrogado por policiais. Romagnoli ainda marcou o último em outra virada, um 3-1 sobre o San Martín de San Juan na última rodada, em que o CASLA ainda amanhecera na zona de rebaixamento direto e conseguiu o máximo que se podia: a sobrevida de jogar a hoje extinta Promoción, a repescagem contra o 3º ou 4º colocado da segundona.
O San Lorenzo teria pela frente o Instituto de Córdoba, que havia apresentado o futebol mais vistoso da temporada no embalo da revelação Paulo Dybala, liderando boa parte da segundona que contou com o River. Mas os cordobeses derraparam na reta final e perderam em casa por 2-0. Romagnoli e o San Lorenzo ainda que tiveram que lutar contra o rebaixamento por mais uma temporada, em que o gigante descendido foi o Independiente. Em 2013, justo após a eleição do Papa Francisco, os azulgranas embalaram. E deram uma aula de como se reerguer, não só após as lutas contra a queda, mas contra a decepção de perder a final da Copa Argentina ao levarem de 3-0 do Arsenal.
Os azulgranas responderam vencendo o Torneo Inicial, curiosamente cumprindo aquela escrita de “títulos a cada seis anos” e se garantindo nessa Libertadores 2014. A taça local igualava Romagnoli aos quatro jogadores profissionais mais vezes campeões pelo clube até então: o goleiro Agustín Irusta, o lateral Sergio Villar e os volantes Victorio Cocco e Roberto Telch, todos do vitorioso ciclo 1968-74, em que o San Lorenzo venceu quatro campeonatos argentinos e foi semifinalista da Libertadores 1973. Até 2014, o máximo que o time chegara perto do título do torneio foi as semis, três vezes.
Romagnoli agora tem cinco troféus. Naquela El Gráfico, ele foi selecionado entre os cinco jogadores da capa, mas escondido no canto esquerdo. À frente de todos, Héctor Veira ex-Corinthians e que de fato jogou no Huracán, do qual já disse ser torcedor. No San Lorenzo, foi campeão só uma vez como jogador e outra como treinador.
Apesar do carismático Veira ter sido o técnico com mais passagens pelo clube e de seu título na função em 1995 ter quebrado o maior jejum do clube, 21 anos, e acabar eleito no centenário sanlorencista como maior ídolo da instituição, uma atualização deveria ser feita entre torcida e crítica do San Lorenzo de Almagro – ou San Lorenzo de América…
PS: o outro jogador de calção azul na capa dos ídolos é José Sanfilippo, maior artilheiro do San Lorenzo e que no fim da carreira jogou (e com sucesso) pelo mesmo Bahia que Romagnoli vem renegando. O goleiro Carlos Buttice também fez sucesso nos dois tricolores, que, além das mesmas cores, repartem também o primeiro jogo de argentinos e o primeiro de brasileiros na Libertadores, em 1960 – 3-0 para os azulgranas.
PS2: Romagnoli só perdeu dois clássicos para o Huracán. A última derrota foi um 3-0 em 2010. Em 2011, na revanche, o San Lorenzo venceu por 3-0.