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Rock & gol(eiro): 50 anos de Germán Burgos

Como roqueiro, Germán Adrián Ramón Burgos, cujas iniciais batizaram sua banda The Garb, foi um ótimo goleiro no River e na seleção – e no Ferro Carril Oeste, cuja última boa campanha na elite teve El Mono no gol, assim como em tempos obscuros do Atlético de Madrid. Burgos hoje faz 50 anos. Vale lembrar a carreira desse verdadeiro “líder positivo”, como diria o técnico Carlos Bianchi.

É que Burgos era daqueles goleiros espalhafatosos (assumindo que tinha sua referência no folclórico Hugo Gatti, ícone justamente do Boca) que contrastavam as defesas mais notáveis com alguns gols bobos, como aquele célebre sofrido pelo colega de posição José Luis Chilavert em 1996, no qual o paraguaio converteu a sessenta metros – aproveitando-se que Burgos saíra das traves para se fazer escutar por um colega. El Mono, porém, tinha uma grande força anímica. Considera-se inclusive vencedor nos duelos psicológicos que Chila tentava provocar, ao silenciar-se. Indagado pela El Gráfico se um a posição exigia loucuras, respondeu que “não, precisa ser valente. Mas a valentia do goleiro não é sair para arrebentar a cabeça contra uma trave. É saber conviver com o gol. Quem não sabe isso, um gol o extermina. São como feridas”. E Burgos sabia até nos treinos, onde preferia elogiar os colegas após cada gol levado…

Burgos começou perto das traves, mas como zagueiro – que se permitia inclusive a marcar alguns gols de cabeça. A posição natural foi adotada aos sete anos e ele, jogando com gente mais velha, chamou a atenção do Cadetes de San Martín, um dos clubes de sua Mar del Plata natal. Seu primeiro clube sério, por sua vez, foi o Florida Almagro, também marplatense. “No primeiro campeonato, um triangular, defendi dois pênaltis e ganhamos. Me deram uma medalha no primeiro jogo que joguei. Conto porque é importante. Os jogadores que conseguiram algo, antes de ser profissionais, saíram campeões. É muito raro ver jogadores que não. Eu fui campeão com a seleção de Mar del Plata duas vezes, nos infantis do Ferro, no time sub-19…”.

Os compromissos crescentes com futebol também o afastou de outro esporte onde se dava bem, o caratê – cujas técnicas chegou a exibir em uma futura briga em que se meteu sozinho contra oito adversários do Platense (um deles seria seu colega no River e ambos recordariam às gargalhadas o episódio). Já as notas baixas escolares o aproximaram da outra paixão: os pais o matricularam em um colégio religioso severo no qual ele teve de integrar o coral, passando a estudar música. Aos quinze anos, então, ele rumou à capital federal e cortou o cordão umbilical: “era 1984 e eu nunca havia ido sozinho a Buenos Aires, era a primeira vez que pegava metrô… foi chocante. Eu era filho único, vinha de estar embaixo da asa do meu velho e da minha velha. Nunca [quis voltar a Mar del Plata]. Eu subi o trem e sabia que ia chegar. Quem queria que voltasse era minha velha. Vinha me visitar e me dizia ‘olha onde vives, venha que eu te faço a comida’. Eu agarrava meu velho e lhe dizia: ‘leve-a que não a aguento mais. Me puxa para trás’. Fiz um corte”.

O elenco do Ferro Carril Oeste que lutou pela última vez pelo título, em 1992. À frente do goleiro Burgos está o zagueirão Roberto Ayala

A estreia no time adulto do Ferro Carril Oeste viria só em 3 de setembro de 1989, em derrota de 1-0 para o Newell’s em Rosario, mas Burgos já vinha desde os 16 anos participando de treinamentos com a equipe verdolaga principal, vivenciando a atmosfera do elenco recém-campeão em 1982 e 1984 – as únicas conquistas do clube na elite. O técnico era Carlos Griguol, sobre quem Burgos declararia ter sido “meu primeiro mestre. O que ele fez no esporte não é valorizado nem respeitado no futebol argentino, como muita gente que passa pelo futebol e que deixa coisas, cria pessoas e não é reconhecida. Sabes o que é ser campeão com o Ferro? Um dia juntou todos e nos perguntou: ‘vocês pensam que os preparo para jogar aqui? Estão equivocados. Eu os treino para que vão à Europa, a um grande daqui. Não se acomodem’. Quem soube escutar, chegou lá”.

Naquela década de sucesso, especialmente com títulos até continentais no vôlei e no basquete e reconhecimento em 1988 da própria UNESCO, o futebol do Ferro teve na temporada de estreia de Burgos (1989-90) a melhor defesa e a condição de único time invicto em casa, terminando em sexto lugar. Na reserva de Fabián Cancelarich, goleiro que acabou até chamado à Copa de 1990, Burgos ainda alternava-se com a equipe B – em cujo campeonato da categoria terminou campeão. A sexta colocação foi repetida no Apertura 1990, mas a equipe do bairro de Caballito iniciou então campanhas que mal chegavam no décimo lugar. A exceção foi o Apertura 1992. Griguol estava de volta e coordenou o time com a melhor defesa do campeonato, com menos de meio gol sofrido por jogo. Cancelarich havia rumado ao Belgrano e assim a retaguarda verdolaga viu despontar Burgos e zagueiro Roberto Ayala. Chegaram a estar quatro pontos abaixo do líder Boca, mas derraparam na reta final, terminando em quarto – última boa campanha do FCO.

No Clausura 1994 aquele Ferro já era outro clube, em 15º enquanto o rival Vélez, ainda com a mesma quantidade de títulos argentinos (tinha inclusive menos até o Clausura 1993), vencia a Libertadores – embora, em contrapartida, os verdolagas se dessem ao gosto de bater por 2-0 o rival no Clásico del Oeste travado em paralelo por aquele torneio nacional. Burgos se salvava e foi contratado pelo River, que buscava um substituto a Sergio Goycochea. Por ironia, teria sido uma derrota com três gols que teriam chamado a atenção millonaria. Burgos não se escondeu do Fútbol de Primera, o programa televisivo do Grupo Clarín que detinha o monopólio das transmissões ao vivo. “Nenhum goleiro foi dar a cara a tapa em um momento assim. [Américo] Gallego me contou depois que Daniel [Passarella] e ele começaram a falar de mim nesse momento. Chamou-lhes a atenção me ver aí”.

Passarella logo foi alçado a técnico da seleção, mas Gallego assumiu o cargo de treinador do Millo por um semestre antes de juntar-se ao amigo como seu assistente na Albiceleste. E confiou plenamente em Burgos desde o início: foram doze jogos do recém-chegado no Apertura 1994, contra oito do prata-da-casa Javier Sodero. Reforçado também com o retorno do ídolo Enzo Francescoli, o River foi campeão de modo especial: foi o primeiro e ainda único título da Banda Roja de modo invicto, na quarta vez que algum clube conseguiu isso no profissionalismo. A campanha foi coroada na penúltima rodada, em que o clube bateu por 3-0 o Boca dentro da Bombonera, e Burgos declararia que Gallego foi o melhor técnico que experimentou no River, sendo menos reconhecido do que deveria por não ter o dom para entrevistas. Seguiu-se então a um ano de transição em 1995, com Gallego substituído inicialmente por Carlos Babington, técnico sem sal em Núñez que logo daria lugar a Ramón Díaz.

Festa pela Supercopa 1997: Hernán Díaz, Francescoli, Burgos com o troféu, Berti, Sorín, Berizzo e Celso Ayala

Mal no Clausura 1995, o River foi longe na Libertadores, parando nas semifinais, e assim Burgos credenciou-se para estrear em 31 de maio pela Argentina; foi em vitória amistosa de 1-0 sobre o Peru em Córdoba. Cavou em cima da hora uma vaga na Copa América, embora ainda como terceiro goleiro, sem entrar em campo. Mas começava a manter naquele ambiente as estripulias pelo River: “nas viagens com a seleção, quando chegávamos aos hotéis, me encantava encontrar o escritório do microfone. Então botava a voz e mandava alguém à recepção. E via todos cansados, com as malas de um lado a outro, falando com a recepcionista. Era complicado, muito bagunceiro. Não dormia muito, ferrava o mate, apagava o cigarro na erva, um desastre. Me expulsavam dos quartos…”.

Após um ano sem troféus em 1995, quando Joaquín Irigoytía chegou a ter uma sequência de jogos no segundo semestre, Burgos foi premiado com a reconquista da Libertadores em 1996, tendo seu peso nos rumos das finais: pegou um pênalti no jogo de ida, fora de casa, contra o América de Cali, usando seu famoso humor para desconcentrar quem bateria: “foram três para bater e discutiam entre eles. Me aproximei e lhes disse: ‘muchachos, se não chegam a um acordo bato eu’. Começaram a rir entre eles e eu disse: ‘vocês já estão na minha mão’. E defendi”. Pior para Antony de Ávila, um dos maiores artilheiros do torneio, mas também remanescente de todo o trivice do próprio América nos anos 80 e quem perdeu a cobrança para os pés do Mono. O América venceu em casa por apenas 1-0 e em Núñez caiu por 2-0 com certa facilidade: “quando estávamos no túnel, antes de subir a última escada, eu olhava todos e via que era impossível que perdêssemos. Depois de ter sofrido no Ferro, eu olhava essas caras e eram vencedoras. ‘Como devem estar os do outro lado!’, eu pensava. É foda estar no outro vestiário”.

Um mês depois do título em La Copa, Burgos voltava à seleção, após nove meses sem defendê-la em campo. Foi no 0-0 contra o Peru em Lima pelas eliminatórias, partida considerada a melhor dele pela Albiceleste. Porém, no jogo seguinte pela Argentina, em 1º de setembro de 1996, Burgos foi novamente vazado por Chilavert, com o goleiro paraguaio anotando o empate de seu país em 1-1 dentro do Monumental. Burgos enfrentaria uma geladeira que não se limitou à seleção: ao longo da temporada 1996-97, perdeu a titularidade absoluta do River para Roberto Bonano, que atuou onze vezes no Apertura (contra nove de Burgos), dez no Clausura (contra outros nove do Mono) e também no Mundial Interclubes, estreando inclusive na seleção na mesma época, o que por consequência também atrapalhou maior frequência de Burgos na Albiceleste. Nos dois torneios domésticos, com o River vencendo ambos, porém, era Burgos o goleiro nas partidas que definiram os títulos. Longe de ter um ataque de estrelismo, ele perseverou. “Eu aqui carpo um pasto se querem”, dizia. Retomou a posição no Apertura 1997, onde Bonano só atuou uma vez.

Além do tricampeonato argentino seguido (até hoje o último na liga), Burgos e o Millo também levantaram a edição final da Supercopa, sobre o São Paulo. Essa foi por dezessete anos a última conquista internacional do River. No início de 1998, então, El Mono voltou à seleção, atuando seguidamente em oito amistosos pré-Copa de fevereiro a maio, incluindo a última vitória da Argentina dentro do Maracanã sobre o Brasil. Só houve uma derrota, para Israel em Jerusalém, batendo-se Romênia, Iugoslávia, Irlanda, Bósnia, Chile e África do Sul. Apesar da boa série, sem sequer sofrer gols nos cinco jogos finais, o técnico Passarella optou por escalar Carlos Roa durante o Mundial, com o concorrente vindo de grande brilho na decisão da Copa do Rei pelo Real Mallorca ante o poderoso Barcelona. Burgos retomou a posição em fevereiro de 1999 e emendou mais dois jogos sem tomar gols, em amistosos com Venezuela em Maracaibo e México em Los Angeles, acumulando assim sete partidas de total invencibilidade, ainda um recorde histórico de um goleiro pela Argentina. Foi premiado com seu primeiro torneio como titular, a Copa América, onde até pegou um pênalti – mas na noite em que Martín Palermo perdeu três diante da Colômbia. Os hermanos caíram logo no primeiro mata-mata, com o Brasil.

Outra estampa de 1997 e ele como Gene Simmons em produção da El Gráfico naquele mesmo ano: Loco Abreu é Paul Stanley, Marcelo Gómez é Ace Frehley e Ángel Morales é Peter Criss

Ainda assim, a vitrine na Copa América rendeu uma transferência ao futebol espanhol. O Real Mallorca havia acabado de ser vice da Recopa Europeia, tendo como titular exatamente Carlos Roa, que tinha uma transferência ao Manchester United dada como certa (o negócio só não sairia por vontade do próprio Roa, que, para surpresa generalizada, descontente em continuar trabalhando aos sábados, optou por aposentar-se provisoriamente em nome de sua fervorosa visão do adventismo). O Mallorca então contratou El Mono, que, porém, logo pegou uma suspensão de treze rodadas após deixar inconsciente Manuel Serrano, do Espanyol, após uma troca de provocações iniciadas mais cedo naquela semana – em que o clube catalão comemorara o centenário vencendo a própria seleção argentina defendida por Burgos. “Ganhei de [Andoni] Goikoetxea. Quando quebrou Diego [Maradona], lhe deram onze. Me tiraram o embalo, fiquei três meses fora. Foi uma idiotice. Sempre tive brigas, mas dessa maneira não”.

Burgos ainda seria atrapalhado pelos próprios argentinos do Espanyol, que fizeram o pobre Serrano acreditar que seria perseguido no returno, nas Baleares. “Quando foi a volta em Mallorca, eu acabava de me reincorporar. Estava concentrado e me chamam ao telefone. Era a mulher de Serrano. Pensei que estava gozando da minha cara. Me disse: ‘por favor, não batam em Manolo‘. Me senti Dom Corleone, então fui pedir-lhe desculpas no túnel”. A inatividade fez Burgos ficar onze meses ausente da seleção, com o velho concorrente Bonano dominando a titularidade em 2000. No próprio Mallorca, El Mono vinha na reserva para o também argentino Leo Franco. Assim, em 2001 ele desceu um degrau para defender na segunda divisão o decadente Atlético de Madrid; o clube da capital caíra na temporada 1999-2000 e não subira de imediato.

Burgos e o técnico Luis Aragonés foram os grandes reforços para um elenco que buscou se renovar com vistas a não permitir que o Atleti chegasse ao centenário, em 2003, ainda fora da elite. O reacesso veio com sobras, vencendo-se a segunda divisão com oito pontos de diferença. Foi a temporada que revelou Fernando Torres, mas coube a Burgos ser o único representante colchonero na Copa do Mundo de 2002: mesmo na segundona, sua boa fase o recolocou como titular da seleção arrasadora de 2001. Porém, um frango em amistoso pré-Copa contra Camarões fez o goleiro passar pela situação desagradável de ir a duas Copas do Mundo sem entrar em campo em nenhuma a despeito de ter sido titular na maior parte de ambos os ciclos prévios: quem jogou na Ásia foi Pablo Cavallero. Nada que abalasse El Mono.

“Em 2002, eu sabia que era minha última Copa, e quando terminou disse a Bielsa que o amava. E vou ama-lo sempre. Bielsa leva o treinamento e a motivação a tal ponto que não existe relaxamento. Estás sempre alerta. Tens que ser inteligente, rápido e estar concentrado ao máximo”. Ele estendeu a carreira até 2004, pendurando as luvas por um Atlético ainda em reconstrução. Sem esconder o momento depressivo que a retirada lhe causou, passou a espairecer com sua banda e como comentarista, fixando residência em Madrid – passando a integrar a comissão técnica do velho colega Diego Simeone como preparador de goleiros do Atleti. Em 2008, na entrevista à El Gráfico da qual retiramos as aspas dessa matéria, registrou ainda como gostaria que fosse seu epitáfio: “se chegaste até aqui, destampe a garrafa”.

Com Simeone no Atlético de Madrid: parceria como jogador e na comissão técnica

https://twitter.com/CARPoficial/status/1118223737592188928

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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