Técnico da campanha mais perto do título argentino que o Talleres já chegou, Roberto Marcos Saporiti conseguiu suprir consigo duas lacunas da carreira de Maradona: ser campeão com o Argentinos Jrs, e precisamente na primeira conquista dos colorados na primeira divisão – como técnico, em 1984; e integrar a seleção de 1978, ali na qualidade de assistente do treinador César Menotti. Inclusive, El Sapo (apelido que surgiu como trocadilho entre seu sobrenome e o animal) discordou bastante do corte de Dieguito, decisão controversa até hoje mesmo com a conquista se garantindo sem o craque. Hoje completa 70 anos um dos argentinos mais internacionais de um tempo muito menos globalizado, com uma carreira de jogador que incluiu passagem-relâmpago no Atlético Mineiro e ligas de Portugal e França… aonde, por vias tortas, teve peso na trajetória de Trezeguet, de quem é padrinho. Foi justamente seu raro conhecimento dos europeus que lhe credenciara para integrar o minucioso corpo técnico de Menotti.
Em 2015, Saporiti concedeu uma longa entrevista à El Gráfico, da qual sairão, em regra, as aspas dessa nota.
Assumiu-se naquela entrevista como um jogador apenas “nota 5” e que, “com toda humildade”, foi melhor fora do gramado do que dentro: “era um centroavante rápido que com o tempo aprendei a manobrar as pausas. Estreei com 18 anos nos adultos do Independiente sem ter feito juvenis. Não pensava na carreira de jogador. Eu trabalhava em uma fábrica de calçados, Benazar, na seção solas. Entrava às 6 da manhã e saía às 2 da tarde: tinha que armar ao redor de 400 pares de sapatos por dia. Assim foram três anos, até que um dia vieram me buscar para que estreasse no Independiente”.
O Rojo, justamente quem seria o campeão sobre o Talleres de Saporiti, era mesmo o clube do seu coração. “Se deu rápido. Tinha um companheiro da fábrica que um dia me disse: ‘me convidaram para fazer um teste no Independiente, me acompanhas?’. Fomos num sábado e em um momento se aproximou Omar Crucci, um zagueiro histórico do Independiente, e me disse: ‘aqui seu amigo me diz que o craque é você, vamos lhe testar’. Eu não tinha roupa, nem sapatos, me pegou de surpresa. ‘Como não vai fazer um teste? Aqui lhe conseguimos roupa’, me respondeu. Joguei, tive a sorte de meter uns gols, e pela semana apresentou-se em minha casa uma ordem do clube para formalizar. Joguei nesse ano no sub-16, no seguinte no sub-17 e sub-19 e de repente se deu a estreia inesperada”.
Saporiti havia ido normalmente à fábrica, às 5 da manhã, quando recebeu do pai um telegrama convocando o garoto para estar às 18h30 no estádio do Huracán para enfrentar o Argentinos Jrs, naquela 2 de dezembro de 1957, pela penúltima rodada de um campeonato em que o time de Avellaneda já não tinha aspirações na tabela. “Voltei à minha casa, me dei um banho, comi algo e peguei o ônibus com meus sapatos. Cheguei ao estádio, me apresentei perante Adolfo [Pedernera], que era o técnico. Joguei toda a partida, empatamos, na rodada seguinte ganhamos do Ferro, terminou o ano e me fizeram o contrato”.
Apesar da bênção de uma lenda feito Pedernera, considerado o maior nome do futebol para Di Stéfano, Saporiti não vingou no Independiente. Foram apenas cinco partidas pelo time principal em 1958 e uma em 1959. “Fui falar do contrato com [o presidente rojo Carlos] Radrizzani, que logo foi prefeito de Avellaneda, e eu tinha um temperamento forte, sempre tive, não falo ‘sim’ facilmente. Discutimos, nesse momento não havia sindicato, e me mandaram ao Deportivo Español. Me davam um dinheirão. O Español estava na C, mas jogava de local no Huracán com 30 ou 40 mil pessoas. Era uma colônia muito forte”. Recém-fundados em 1956, Los Gallegos vinham mesmo em ascensão meteórica, com o título da quarta divisão já em 1958. Saporiti chegou a tempo de integrar naquele 1960 novo acesso praticamente instantâneo, com a conquista da terceira divisão.
“O presidente, Don Rafael Pérez Roldán, era da elite da elite, o dono da Dodge da Argentina. E como prêmio pelo acesso, além do dinheiro, nos mandaram por dois meses de excursão pela Europa. Espetacular, jogamos contra todas as equipes de primeira e encerramos com o Real Madrid no Bernabéu”. Conexões não faltavam mesmo: o treinador tanto em 1958 como em 1960 era ninguém menos que o basco Ángel Zubieta, até hoje o mais jovem estreante na seleção espanhola e talvez o jogador importado da Europa a ter mais prestígio na liga argentina.
Sem Saporiti, o Independiente foi campeão argentino da elite naquele 1960, encerrando inclusive seu pior jejum (doze anos), o que não impediu uma troca de treinadores; a taça veio muito pela providencial ajuda do próprio rival Racing, que goleara na rodada final o concorrente Argentinos Jrs enquanto o líder Rojo era também derrotado, pelo Atlanta. A dupla técnica formata por Roberto Sbarra e pelo velho goleador Guillermo Stábile deu lugar ao brasileiro Osvaldo Brandão, responsável por dar mais espaço em 1961 para aquele prata-da-casa. Qualificou-o como o maior técnico que teve, ao lado de Pedernera: “estava 40 anos adiantado no tempo”.
Não que jogasse tanto assim: em 1961, foram oficialmente só oito partidas na liga argentina (e seus primeiros três gols na divisão principal, dois deles em um 4-2 em um forte Atlanta e outro em 5-2 no Argentinos Jrs), além de outra na Libertadores – precisamente na estreia do Rey de Copas na competição que tanto marcaria o clube. Não foi das melhores: o Palmeiras venceu mesmo dentro da Argentina, por 2-0, e El Sapo só atuou no segundo tempo, substituindo Jorge Vázquez. Sem espaço em casa, seguiu carreira no Lanús, então um time de segunda divisão. Vitrine suficiente para galgar uma paulatina carreira internacional: “fui ao Chile em 1964. Estive no Santiago Morning e no La Calera, depois passei ao Millonarios da Colômbia, onde me recomendou Don Adolfo [Pedernera, também ídolo local], dali ao Independiente Medellín”.
Ao menos na entrevista à El Gráfico, Saporiti nunca mencionou qualquer passagem pelo Racing de Montevidéu, atribuído inveridicamente em Wikipédias e afins como seu clube entre 1965 e 1970. El Sapo tampouco menciona a passagem pelo Atlético Mineiro, mas muito provavelmente por ter sido praticamente nula. Foi por apenas um jogo, na pré-temporada de 1968, em 11 de fevereiro. Sequer vestiu as listras alvinegras, pois o Galo usou na ocasião a camisa reserva branca para receber um Bangu no auge: os alvirrubros haviam vencido seu Estadual em 1966 (sob comando do argentino Alfredo González, na última vez até hoje que o torneio carioca escapou de algum dos quatro grandes) e sido vices em 1967, cacife que atrairia às suas fileiras naquele mesmo 1968 um histórico artilheiro argentino feito José Sanfilippo.
Vale a curiosidade do registro de que Saporiti chegou ao Atlético juntamente com dois futuros ícone do clube, Oldair e Vaguinho. Os três eram as novidades para aquele amistoso, segundo o Jornal dos Sports – cuja crítica pós-jogo aprovou o desempenho dos outros dois, embora passasse pano ao argentino na derrota por 2-1: “tentou acertar de todas as maneiras, mas no primeiro tempo foi impiedosamente gelado pelos seus companheiros, que não lhe passavam a bola. Ronaldo o substituiu com o esforço de sempre”. Ele seguiria carreira no Monterrey. Melhor assim, ao menos para a Argentina de 1978, pois o clube mexicano seria o trampolim para o profundo conhecimento europeu que tão diferencial era para Saporiti acompanhar Menotti.
O técnico da seleção mexicana era outro argentino dos mais globalizados em tempos em que isso era tão raro: Alejandro Scopelli, jogador da Copa de 1930, havia jogado na Itália (defendendo inclusive a Azzurra também), na França, em Portugal e no Chile para fazer sucesso na península ibérica como treinador. Brilhante em especial no Deportivo La Coruña, no Espanyol e no Sporting Lisboa, Scopelli mantinha contatos no Belenenses, onde brilhara como jogador. E, em um almoço de argentinos ao longo das Olimpíadas daquele 1968 (sediadas na Cidade do México), intermediou a negociação com a “equipa” azul de Lisboa.
“Nesse momento não existia nem o fax, era tudo por telex. Eu tinha 27 anos, fui a Lisboa sozinho, com sua carta de recomendação, e uma mala. Me alojei na pensão que me havia dito, fiz o teste e em 10 dias me contrataram. Foram dois anos espetaculares”. Da liga portuguesa ele passou à segunda divisão francesa (Limonges) e por fim atuou também na Bélgica, país em que também fez curso de treinador. Em um local propiciamente vizinho à Holanda, sua futura adversária em 1978. Saporiti, de fato, acompanhara ativamente de perto o auge da revolução laranja.
“Como parte do curso, ia a Amsterdã para ver treinar o Ajax de Rinus Michels e logo de Stefan Kovács. Dali trouxe não só ideias, mas também trabalhos. Para mim, essa do Ajax, logo prolongada na seleção da Holanda, foi a última grande revolução no futebol. Mais tarde apareceu o Milan de Sacchi com variantes e o Barcelona de Guardiola, que é uma espécie de filho daquele Ajax, embora com mais pausa, mas todos com o mesmo conceito. Enquanto eu via isso do Ajax, aqui na Argentina davam voltas ao redor do campo. Nesses anos, eu era o único cara com bom conhecimento do futebol europeu”. Bagagem que fez Menotti sonda-lo em 1975 para que lhe preparasse relatórios de jogadores europeus.
Inicialmente, Saporiti era apenas um consultor informal: “El Flaco [Menotti] tinha seu corpo técnico com [o ajudante de campo Rogelio] Poncini e [o preparador físico Ricardo] Pizzarotti, de modo que eu lhe espionava os jogadores e depois ia aos treinos, mas sem participar, só observava. Depois, me juntava com El Flaco e ele me pedia opiniões”. Em paralelo, também assessorava o modesto Estudiantes de Buenos Aires, onde jogava um zagueiro chamado Jorge Trezeguet. Saporiti, sabendo que este era neto de um francês e que assim poderia jogar na França sem ocupar vaga de estrangeiro, ajudou a costurar-lhe uma transferência ao Rouen. “Foi em 1976, em 1977 nasceu David e Jorge me pediu que fosse o padrinho, de modo que sou o padrinho de David”. Por vias tortas, esse negócio seria providencial para que David Trezeguet pudesse ter desde cedo uma carreira europeia e defendesse a França embora mal houvesse jogado no Platense…
O primeiro trabalho oficial de técnico deu-se no Chacarita, em 1976, já a partir da 10ª rodada do Torneio Nacional. Ficou até abril de 1977, ao fim da 8ª rodada do Metropolitano. Pouco tempo depois, em agosto, o Talleres vivia a tragédia de ver seu treinador falecer (o ex-atacante botafoguense Rubén Bravo), em plena excursão pela América Central. O clube vivia seu auge histórico e era celeiro recorrente da seleção argentina de Menotti, como nunca antes ou depois. “De fato, foi Menotti quem me recomendou perante [o então presidente tallarin Amadeo] Nuccetelli para que assumisse o Talleres e só um tempo antes do Mundial, aí sim, comecei a trabalhar no campo com El Flaco“.
Em Córdoba, Saporiti conseguiu um sucesso instantâneo. Menos pelo título cordobês e muito pela campanha no Torneio Nacional de 1977, iniciado já em 20 de novembro após o Metropolitano (em que o clube ainda não participava, restrito à liga cordobesa) ter preenchido quase todo o calendário. A saída da AFA foi estabelecer uma fórmula de turno único em que apenas o líder avançaria aos mata-matas, que já se iniciavam em semifinais. A dupla Talleres e Belgrano foi a grande sensação, mas La T ofuscou La B, cujo segundo lugar na chave foi-lhe insuficente o passo que a liderança tallarin na sua fez o clube do bairro Jardín ir cada vez mais longe. A equipe prevaleceu em chave complicadíssima, com River, Vélez e Racing, e então eliminou o Newell’s, em semifinais travadas já em janeiro de 1978.
Outra solução para encerrar o quanto antes o Nacional foi a novidade de estabelecer o gol fora de casa como critério de desempate, algo incomum em um país que historicamente sempre programou jogos-desempate. O oponente na decisão foi o Independiente, e o 1-1 na ida em Avellaneda fez a torcida cordobesa se encher de confiança para a volta, em La Boutique. O resto é a história de uma das maiores epopeias do futebol mundial: o Rojo abriu o placar, tomou a virada com dois gols flagrantemente irregulares, revoltando-se a ponto de ter três expulsos por reclamação. Mas, mesmo com sete em campo, arrancou no finzinho o 2-2- que deu-lhe o título. Um golpe do qual Saporiti nunca se recuperou, segundo ele mesmo admitia naquela entrevista de 2015: “nada se pode comparar com isso”.
Ainda em janeiro, a seleção iniciou uma longa concentração com os pré-convocados para afinar entrosamentos. Saporiti incluso: “o Talleres me emprestou por uns meses antes do Mundial, embora eu jamais cobrasse um salário da AFA. Zero pesos. Eu tinha isso bem claro: para mim se tratava de um investimento esportivo, engrandecer a cabeça ao lado de um cara como Menotti. Estive assim até 1982. Me pagavam o Talleres, logo o Rosario Central e o Loma Negra, os clubes”. Gradualmente, os 40 pré-convocados viraram 25. A lista final permitia apenas 22, e a decisão pelos três cortes finais foi das mais intensas no corpo técnico.
Nos 25 anos do título de 1978, em 2003, Menotti relembrou à El Gráfico que o principal problema em definir com Saporiti os cortados seria pelo centroavante tallarin Humberto Bravo. Mas na ocasião dos 30 anos, em 2008, a revista contou outra versão, do próprio Sapo, traçando dele o seguinte perfil: “somou-se ao corpo técnico nos últimos meses. ‘Com El Flaco discutia tudo, não me calava’, recorda. E detalhe os contrapontos. O primeiro, no momento de escolher os três que deviam ficar fora do plantel. ‘Quando na noite anterior El Flaco me conta que ficavam fora Bravo, [Víctor] Bottaniz e Diego, foi uma surpresa grande. Nessa tarde, Diego havia metido quatro gols no treino. Concordávamos nos dois primeiros, mas lhe disse que com Diego se equivocava, que pensasse nisso. No outro dia, César os reuniu todos e me lembro das caras do grupo quando deu os nomes. Eu o tinha justo na minha frente, sentado em uma bola. Seu rosto se alterou e saiu correndo”.
Ele reforçou isso na entrevista de 2015: “quando me deu os três nomes que saíam, lhe comentei que não estava de acordo com o do Diego, inclusive lhe dei meus três nomes. Defendi à morte minha posição, mas ele me deu a sua: que era garoto e que senta-lo no banco podia ser uma pressão para o resto”. Decisão consolidada, o conhecimento europeu de Saporiti muito provavelmente teve peso em uma fase de grupos em que os três adversários vinham da UEFA: Hungria, França e Itália. O quarto oponente seguido, também, já na segunda fase de grupos – a Polônia. Acertos ofuscados pelo grande equívoco de Saporiti na Copa, em uma parte específica de seu relatório, justamente, sobre a Holanda. Na época, era preciso escolher apenas cinco reservas para ficarem à disposição no banco. O causo foi tão marcante que já foi relembrado diversas vezes pela El Gráfico.
À nota dos 30 anos, em 2008, El Sapo bem lembrava que como opção de defensor para o banco “ele queria [Daniel] Killer, caso jogasse [Dick] Nanninga, que era alto. Eu o convenci de que pusesse [Miguel Ángel] Oviedo, a quem dirigia no Talleres, e jogava em todas as posições de trás. Quando Nanninga se preparou para entrar, El Flaco me olhou mal. ‘Não acontece nada, fique tranquilo’, lhe disse. E quando meteu o gol, me ultraxingou em cores”. Menotti, em 2014, foi na mesmíssima linha, até nas expressões: “ultraxinguei o Sapo. Ele vinha seguindo os treinos da Holanda, lhe perguntei por Nanninga, que era um grandalhão. ‘Não joga’, me disse. ‘Estás seguro?’, perguntei de novo. ‘Seguro, está lesionado, não pode nem caminhar’. Pronto. Eu tinha Killer, que era um dos grandalhões e o podia marcar, mas obedeci o Sapo e não o pus no banco. Depois entrou Nanninga e nos empatou, queria matar o Sapo“.
De volta ao Talleres, Saporiti renovou pelo resto de 1978 a boa temporada anterior: o time foi novamente campeã cordobês e outra vez liderou seu grupo no Nacional. O problema era ter no Independiente um asa-negra implacável, dessa vez nas semifinais. O clube, que mesmo com o corte do atacante Bravo havia sido a segunda equipe mais representada na seleção de 1978 (além do citado Oviedo, também o zagueirão Luis Galván e um ídolo do próprio Maradona, o meia José Daniel Valencia), se reforçara com mais um integrante da Copa, o lateral Alberto Tarantini – que deixava o Birmingham City para anos depois precisar contextualizar que era mais fácil manter-se na seleção jogando a liga cordobesa do que a inglesa. Conseguiu facilmente o hexcampeonato provincial seguido, um recorde. E, pelo terceiro ano seguido, liderou seu grupo no Nacional, onde o algoz já foi a sensação Unión.
Guarnecidos pelo goleirão Nery Pumpido, os santafesinos prevaleceram nas quartas-de-final para adiante serem vice-campeões somente pelo critério do gol fora de casa nas finais com o River. Ainda assim, a série de classificações aos mata-matas do Nacional fez o Talleres ser o primeiro time não-afiliado diretamente à AFA (restrita oficialmente a clubes da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe) a ser autorizado a jogar no Torneio Metropolitano, disputado somente pelos afiliados. Mas El Sapo não ficaria para a estreia histórica de La T no Metro, acertando no início de 1980 com o Rosario Central. Além do grande trabalho em Córdoba, tinha a credencial recente por nova conquista com a Albiceleste, ao ser assistente de Menotti também no título mundial sub-20 de 1979. Agora sim, com Maradona.
Saporiti, contudo, não deu sorte em Rosario, saindo ainda em maio: os canallas terminariam aquele ano campeões do Nacional, mas já sob o comando do sucessor Ángel Tulio Zof. O trabalho seguinte dele foi na AFA mesmo: além de assistente de Menotti, treinou diretamente a seleção sub-20 nos torneios da categoria em 1981. Teve olho clínico nos nomes convocados: Jorge Burruchaga (então no Arsenal de Sarandí), Carlos Tapia e Néstor Clausen, ainda anônimos do grande público, integrariam a conquista de 1986, ao passo que Sergio Goycochea (então no Defensores Unidos de Zárate) seria o talismã de 1990 e Jorge Gordillo, Gerardo Tata Martino e Claudio Turco García saberiam triunfar pelo menos a nível de clubes. Mas todos estavam verdes demais: 3ª colocada no Sul-Americano, precisou de repescagem para ir ao Mundial, para então cair ainda na fase de grupos.
Em 1982, a Argentina novamente usou todo o primeiro semestre como concentração dos pré-convocados, mas a fórmula dessa vez não bastou para o “triangular da morte” com Brasil e Itália na segunda fase de grupos. Saporiti seguiu trabalhando no emergente Loma Negra, time que havia dado muito trabalho Nacional 1981 e que fora capaz de derrotar a União Soviética em esdrúxulo amistoso em 1982. O time de Olavarría foi longe: líder de um grupo com o River na primeira fase, líder de um grupo com o Argentinos Jrs na segunda fase, a equipe então caiu no primeiro mata-mata para desmanchar-se e nunca mais recuperar a força meteórica daquele seu período. Mas a campanha serviu para que precisamente o Argentinos Jrs, eliminado (só o líder da segunda fase de grupos avançava aos mata-matas), prestasse mais atenção no Sapo.
O clube do bairro de La Paternal estava em luto com a perda em agosto de 1983 do treinador Ángel Labruna, que vinha reimplantando uma mentalidade vencedora a uma instituição desde 1981 órfã de Maradona. O sucessor inicial, Rodolfo Talamonti, antigo assistente do próprio Labruna, não conseguiu reerguer o ânimo e logo saiu. Saporiti chegou e daria essas palavras em 2015: “pegamos a equipe complicada com o descenso e depois de ganhar as últimas partidas do campeonato de 1983, com a base que havia mais os que incorporei, [Enrique] Vidallé, [Jorge] Olguín, [Emilio] Commisso, Jota Jota [Juan José López], [Jorge] Pellegrini e [Carlos] Morete, se armou tudo. Uma equipe com futebol e personalidade tremenda”. Bingo: o Bicho, até então com voltas olímpicas apenas na segunda divisão, terminou o ano de 1984 como campeão da elite pela primeira vez, no Torneio Metropolitano.
A análise na época foi esta: “o grupo foi se consolidando. Roberto Saporiti encarou o trabalho com uma ideia equilibrada dentro da qual o objetivo prioritário sempre foi o arco da frente – 69 gols em 36 partidas -, mas sem lirismos absurdos, sem jogar com uma rosa na mão. Para ganhar, sabendo que algumas vezes, em algumas circunstâncias, o empate serve ao objetivo final. Ou a circulação pausada da bola. Ou as previsões mínimas para evitar o êxito fácil do rival. A ganhar sem mexer com as ilusões dos garotos do clube nem as metas dos que recém-chegavam. Com respeito inalterável pelo adversário, o público, o jogo que segue implicando o futebol e a obrigação profissional. Saporiti conduziu e chegou ao porto. Armou sua equipe técnica, deu o exemplo, falou, falou… o entenderam e o fruto é um grupo que se respeita e o respeita. Morete sintetizou depois de ganhar do Newell’s a duas rodadas do final: ‘não jogo e não posso me queixar, com este técnico sabemos que a posição se briga de frente, que joga o que anda melhor”.
Aquela equipe-base de fato seria imediatamente bicampeã seguida, no Nacional 1985, ano em que venceu também a Libertadores e que quase levou o Mundial junto – mas tudo já sob o sucessor José Yudica, mesmo que este sabidamente não houvesse cativado para nada o plantel armado por Saporiti. Ele justificou a saída repentina: “me ofereceram um contrato que acreditava não merecer, e saí. O mesmo Menotti me ligou e me disse que estava estragando tudo. ‘Como vais à Colômbia? Estás louco, Sapo? Ande você à tua casa e te sente a esperar que qualquer dos cinco grandes, quando perca umas partidas, vai te chamar. És campeão jogando um futebol brilhante’. Mas não lhe obedeci e fui ao Junior…”. O time de Barranquilla armou mesmo uma panelinha argentina, notadamente com Edgardo Bauza e Carlos Ischia, mas não pôde com a panelinha argentina ainda mais azeitada do América de Cali. E já em janeiro de 1986 Saporiti já reaparecia no Argentinos Jrs…
O clube que tão bem conhecia terminou o primeiro semestre de 1986 com um razoável 4º lugar, cedendo à seleção o volante Sergio Batista e o “novo Maradona” Claudio Borghi – e teria sido mais se o veterano Olguín, titular nas Copas de 1978 e 1982, não recusasse a oferta de voltar a trabalhar com Carlos Bilardo. Foi Saporiti também quem promoveu a estreia de Hugo Maradona no time adulto, na visita ao Boca em 16 de março de 1986. Na época, fazia sentido: o irmão caçula de Diego havia sido capitão e um bom goleador da Argentina campeã do Sul-Americano sub-17 de 1985 e houve quem imaginasse que estava testemunhando um novo momento histórico.
Na sequência de 1986, aquele timaço deu muitíssimo trabalho nas semifinais da Libertadores a um River que terminaria campeão e ergueu em dezembro a esquecida Copa Interamericana (tira-teima contra o campeão da Concachampions, o Defense Force de Trinidad e Tobago) ainda válida por 1985. Foi o último grande momento de Saporiti no futebol de alto nível; após nada menos que seis derrotas seguidas, ele sairia ainda na 27ª rodada da temporada de 1986-87, onde os colorados murcharam para o antepenúltimo lugar nos gramados – ainda que o rebaixamento fosse distanciado pelos promedios. Mas El Sapo ainda tinha renome para atrair um Boca órfão, precisamente, de César Menotti – que havia assumido a equipe ao meio da tabela para fazê-la brigar seriamente pelo título até a penúltima rodada de 1986-87.
Saporiti foi anunciado com pompa como sucessor natural do Flaco para a temporada 1987-88. Mas terminou sendo simplesmente o pior técnico que o gigante já teve, ao menos nas estatísticas. Durou apenas cinco rodadas. Começou derrotado em casa pelo Estudiantes, por 2-1. Na segunda rodada, outra derrota de 2-1, na visita ao Ferro Carril Oeste – o técnico, individualmente, chegou assim a oito derrotas seguidas, uma das piores marcas da primeira divisão. Na terceira, veio uma vitória por 2-0 sobre o Unión, mas “me xingavam os 25 mil em campo e 5 milhões fora. Entrei mal, essa é a realidade, o pessoal queria que permanecesse o Flaco, mas foi o Atlético de Madrid e tive a má sorte de que se lesionassem [Carlos] Tapia, [Jorge] Rinaldi e [Jorge] Comas, os três ao mesmo tempo”. E então veio a catástrofe: um 6-0 sofrido diante do Racing. Saporiti ainda ficou por mais um jogo, um 0-0 em casa com o Talleres.
A favor do Sapo, o fato de que nem mesmo um midas na história do Boca feito Juan Carlos Lorenzo teve sorte muito melhor na sequência da campanha. Mesmo tão chamuscado, Saporiti teve portas abertas no Talleres na temporada 1988-89, assumindo na 16ª rodada o antigo clube. O clube já não era a potência dos anos 70 e o 6º lugar final foi um oásis de campanhas regulares para baixo vividas por La T entre os anos 80 e 90. Credencial suficiente para que um novo gigante argentino apostasse no Sapo, o San Lorenzo, já em meados do campeonato argentino de 1989-90. Se não foi um desastre como no Boca, a passagem sanlorencista tampouco foi das mais gloriosas.
Eis as palavras do verbete dedicado a ele no Diccionario Azulgrana, publicado já em 2008: “tentou dar um toque da audácia à equipe, mas os resultados não o acompanharam e teve que sair empurrado pela impaciência da galera. Sucedeu o Bambino [Héctor] Veira ao finalizar o primeiro turno do torneio de 1989-90 e estreou com um 1-0 contra o Gimnasia y Esgrima, com gol do paraguaio Félix León. Mas isso havia sido uma miragem. Prosseguiu a sequência ruim que já vinha desde a condução de Veira e se perderam partidas incríveis. Envolto em um clima caldeado, potencializado por um lapidário 0-4 contra o River, se afastou do cargo na 10ª rodada do Apertura 1990, logo após cair de 1-0 com o Lobo platense, curiosamente o mesmo rival com o qual havia começado com o pé direito sua aventura em Boedo”.
O passado de jogador no México ainda serviu-lhe para uma carreira extensa na Liga MX nos anos 90, recordada sobretudo por salvar do rebaixamento o Celaya. Mas na Argentina só conseguiu novos trabalhos basicamente como bombeiro (não evitou a queda do Argentinos Jrs na temporada 1995-96) ou já segunda divisão por clubes onde estava bem imortalizado: o Talleres em 1995, 2006 e 2009. Seu último trabalho foi na terceira, em 2015, no Urquiza.
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