Seguro, firme, bem posicionado, rápido na reposição de bola e pegador de pênaltis – aspecto este em que ainda tem um recorde no Boca, com 24 defesas. Mas, sobretudo, paciente. Essa última talvez seja a virtude que melhor defina a carreira de Roberto Carlos Abbondanzieri, que hoje faz 50 anos. Vale recordar o currículo de quem, ao mesmo tempo onde precisou viver marginalizado por lesão e/ou reserva, foi um campeão da América como pouquíssimos: El Pato, afinal, é tetracampeão da Libertadores e faturou ainda uma Copa Conmebol e duas Sul-Americanas, além de uma Recopa – e um oitavo lugar no Top 10 de maiores goleiros do mundo na primeira década do século XXI, para a Federação Internacional de Histórias e Estatísticas do Futebol.
Na maior parte dos seus 50 anos, Abbondanzieri foi outra pessoa, ao menos para o cartório de registro civil. O nome composto já trazia uma conexão brasileira muito antes de seus dias de Internacional: é uma homenagem ao cantor Roberto Carlos. O sobrenome, por sua vez, remete à ancestralidade italiana e até os 30 anos foi grafado Abbondancieri; as duas formas têm a mesma pronúncia na leitura castelhana – o que talvez tenha confundido o responsável por anotar os imigrantes antepassados do goleiro nascido já no interior santafesino, na cidadezinha de Bouquet. Ela é vizinha à de Las Parejas, onde nasceu Jorge Valdano e onde o arqueiro iniciou-se, no clube local Argentino.
O apelido de Pato, por sua vez, não se refere a maiores semelhanças dele com a lenda Ubaldo Fillol, que tinha o mesmo apelido (herdado de um colega juvenil a quem substituíra); no caso de Abbondanzieri, deveu-se à sua forma de andar mesmo. Não foi exatamente um defeito que o impedisse de deixar o Argentino de Las Parejas aos 15 anos para rumar à capital futebolística da província de Santa Fe: Rosario, inscrito nas categorias de base do Rosario Central.
Teve seus momentos de dúvidas não apenas pelos sete anos de espera até ser profissionalizado: contou certa vez como complicou para adaptar-se à inovadora regra que passara no início dos anos 90 a punir uso das mãos para aproveitar recuos de bola. Após levar um gol dos mais bobos ao atrapalhar-se com isso, chegou a largar tudo e voltar para casa, precisando ser convencido pelos pais a insistir na carreira.
Em meio aos altos e baixos na base, pôde cavar lugar na seleção argentina sub-17 enviada à Escócia para o Mundial da categoria em 1989, em campanha encerrada por Portugal nas quartas-de-final por gol de um adolescente Luís Figo. Já a chegada ao time adulto enfim veio em 3 de dezembro de 1994. Roberto Bonano era o titular absoluto do gol canalla, mas “Abbondancieri” pôde estrear na antepenúltima rodada do Apertura; foi em um 1-1 fora de casa com o Ferro Carril Oeste.
Logo parecia ganhar lugar: após ser titular em fevereiro no famoso amistoso festivo a Mario Kempes em pleno Clásico Rosarino – encerrado precocemente pelo juiz Ángel Sánchez por chuva de objetos de torcedores do rival Newell’s sobre o arco do Pato, revoltados com derrota com gol do veteraníssimo Kempes, o novo goleiro esteve em doze dos dezenove jogos do Clausura 1995. O segundo semestre, por sua vez, foi relativamente agridoce.
É que ele esteve em todas as 19 rodadas do Apertura e foi admirável: 18 gols sofridos. Mas a estatística escondia que, em contrapartida, ele era reserva de luxo na campanha na Copa Conmebol, a consagrar Bonano, presente em todos os minutos da conquista continental. Por outro lado, a contínua visibilidade em gramados argentinos rendeu-lhe uma transferência ao Boca, para a temporada 1996-97 – a primeira na Casa Amarilla após nove anos de idolatria local a Carlos Navarro Montoya. Ao todo, foram 62 partidas de El Pato como canalla, com direito a perfil na edição especial em que a revista El Gráfico (já em 2012) apontou os maiores ídolos que passaram pelo Gigante de Arroyito.
Inicialmente, seu concorrente em La Bombonera foi Sandro Guzmán, titularíssimo no Apertura 1996 e que limitou “Abbondancieri” a oito partidas no Clausura 1997. Nenhum parecia convencer a cartolagem, que chegou a apostar no astro José Luis Chilavert para a temporada 1997-98. Vontade não faltou ao paraguaio, mas o negócio fechado foi com outro estrangeiro, o colombiano Oscar Córdoba.
El Pato até figurou na rodada inaugural do Apertura 1997, lembrada como única partida não-amistosa em que jogaram juntos Maradona e Riquelme; Román e Abbondanzieri estão justamente entre os raríssimos que puderam ser colegas de Diego e de Messi, aliás – a ocasião histórica foi retratada na montagem acima.
Mas só o santafesino (único goleiro daquele grupo e que de certo modo pode-se dizer colega dos dois e de Kempes também…) foi utilizado uma vez mais naquele certame (e outras duas na edição final da Supercopa), diante do sucesso instantâneo de Córdoba. O reserva só viria a ter uma primeira sequência relativa de jogos no Boca já no Clausura 1998, utilizado onze vezes, muito por conta dos desfalques de Córdoba em sua preparação com a sua Colômbia para a Copa do Mundo na França. O que incluiu, curiosamente, um amistoso pré-Copa entre a própria seleção colombiana e o Boca de Abbondanzieri, em 17 de março.
Discreto, ele não se queixava; ao menos, não publicamente. Internamente, inclusive, era visto como um gozador que ajudava bastante no bom humor no ambiente do grupo. O Boca encerraria no Apertura 1998 consideráveis seis anos de jejum na liga argentina, com o colombiano absoluto na campanha campeã nacional invicta (algo então inédito na história boquense) enquanto Carlos Bianchi restringia seu reserva ao time reserva utilizado experimentalmente na edição inaugural da Copa Mercosul ou a amistosos.
No bicampeonato com o Clausura 1999, a paciência foi compensada: o concorrente teve uma lesão e El Pato pôde ser utilizado razoáveis oito vezes, incluindo um primeiro Superclásico – onde, porém, precisou sair ainda no sexto minuto da vitória por 2-1, após uma luxação no ombro. Essa sua própria lesão também em nada lhe ajudaria a se firmar, precisando se submeter a uma cirurgia.
Sem nenhuma partida no Apertura 1999 (e nem mesmo na Copa Mercosul, onde a lesão do Pato fez o recuperado Córdoba ser o goleiro onipresente também ali), “Abbondancieri”, que mantinha-se ativo sobretudo pela equipe B no campeonato argentino da categoria (como na imagem acima), entrou em campo oito vezes no Clausura 2000, dessa vez devido ao foco de Carlos Bianchi na reconquista xeneize na Libertadores daquele ano – na qual Córdoba não deixou qualquer minuto a seu reserva.
O estado de graça do colombiano, herói na decisão por pênaltis, se estendeu para o segundo semestre: além de titular inquestionável no Mundial Interclubes, Córdoba ausentou-se somente uma única vez na tríplice coroa com o Apertura 2000. Coube ao Pato resignar-se em atuar apenas contra o modesto Los Andes naquele Apertura e à titularidade experimental na Copa Mercosul.
Carlos Bianchi recompensou no primeiro semestre de 2001 a paciência do reserva: no Clausura 2001, o titular foi “Abbondancieri”, utilizado quinze vezes, mas porque, novamente, o foco era o bicampeonato na Libertadores. Nela, ao menos o suplente ganhou minutos, atuando em todo 1-0 fora de casa sobre o Oriente Petrolero e, principalmente, nos vinte minutos finais dos 3-0 sobre o Vasco – dono da melhor campanha da fase de grupos. Córdoba ainda relegaria-o a cinco jogos no Apertura 2001 e ao banco no Mundial Interclubes, mas enfim deixou caminho livre ao fim daquele ano: já veterano, o colombiano, poupado apenas na Copa Mercosul, não recusou a oferta europeia do Perugia.
O ano de 2002 marcou assim a primeira sequência verdadeiramente titular de El Pato, empregado 17 vezes no Clausura – e em dez na Libertadores, encerrada nas quartas-de-final para o campeão Olimpia – naquele ano de mudanças: foi em agosto que “Abbondancieri” enfim virou Abbondanzieri. A alteração veio após ele descobrir a grafia original do sobrenome na busca genealógica dos ancestrais italianos necessária para obter passaporte europeu.
Mas a transferência europeia precisaria aguardar um certo tempo ainda. Melhor para o Boca. Que, com o tempo, veria Abbondanzieri superar o próprio Córdoba em número de partidas: o sucessor ao fim, somaria 345 (mais que o dobro das 162 do colombiano, inclusive), atrás apenas das 400 de Navarro Montoya e das 417 do recordista Hugo Gatti – aliás, outro aniversariante de hoje. El Pato, sobretudo, superaria todos eles como goleiro mais vezes campeão na riquíssima história da instituição azul y oro (14 vezes) glória que é dele mesmo se forem considerados somente os oito troféus em que ele foi titular.
Com ele jogando pela primeira vez todas as partidas de um torneio argentino com o clube, os auriazuis triscaram o Clausura, mas não puderam evitar o gol no finzinho com o qual o Independiente praticamente garantiu a taça no duelo direto pela penúltima rodada (até hoje, esse é o último título argentino do Rojo). Dessa vez, era Abbondanzieri quem dava espaçõ a uma reserva no torneio continental secundário, pois só atuou duas vezes na edição inaugural da Copa Sul-Americana. A competição continental principal, por sua vez, veria outra coisa.
No primeiro semestre de 2003, a Libertadores foi logo foi reconquistada, agora com Abbondanzieri titularíssimo não só em La Copa, mas também no Clausura. O River até pôde vencer o torneio doméstico do primeiro semestre, mas no segundo precisou tolerar nova tríplice coroa auriazul. Era a vez de Abbondanzieri ser campeão argentino pela primeira vez como titular e, em seguida, mundial… onde, ele, enfim, teve todos os holofotes, diante da decisão por pênaltis contra o Milan.
As turbulências foram mais extracampo do que nos 120 minutos com o campeão europeu: antes da partida, por um defeito na turbina da Varig impedir o prosseguimento da viagem Los Angeles-Tóquio com a empresa brasileira, forçando os hermanos a buscarem às pressas check ins divididos entre a Korean Air e Singapore Air. Depois, foi a vez do goleiro pegar um resfriado inoportuno. A delegação, temerosa do antidoping, preferiu não medica-lo. O adversário tinha um pegador feito Dida, mas quem reluziu mais em Yokohama foi aquele gripado que catimbava a cada cobrança adversária, ao pisar na marca da bola e a protestar à arbitragem sobre como cada milanista a posicionava.
Essa “fórmula” aparentemente facilitou suas defesas nos tiros de Pirlo (o goleiro pegou assim logo o primeiro tiro dos rivais); de Seedorf, que isolou; e de Costacurta, que cobrou ridicularmente. Sob o apoio de “Olé, olé, olé, olé, Patoooo, Patoooo” dos representantes presenciais da barrabrava La 12 e também de uma comissão técnica que tinha os dados de preferências de cada cobrador milanista, Abbondanzieri adivinhou até mesmo o canto no único gol sofrido na série, de Rui Costa.
Ali, o Boca isolou-se como time argentino mais vezes campeão do mundo, superando o Independiente. E aquele também é, até hoje, o último Mundial vencido pelo futebol argentino a nível adulto. O goleiro foi o destaque óbvio na foto dos campeões e na capa pós-título da edição especial da revista El Gráfico; revista que contém mais de um desabafo dele: “a verdade é que durante muitos anos sofri demais para nada, porque no fim o futebol te dá revanche e a chegou a minha vez. Sinto uma emoção muito intensa”, constou em um texto. Em outro, dedicava “isto especialmente a meu pai e à minha família, que sofreram muito nestes anos”.
Não tinha rancor algum de Bianchi, ao contrário: sobre o treinador, exaltou que “tem a virtude de fazer sentirem-se importantes todos os jogadores do plantel. Digo com conhecimento de causa. E outra coisa que o distingue é que sempre acontece o que ele prevê. Difícil que se equivoque. Então o jogador se entrega por inteiro”.
A mesma revista também destacava que, àquela altura, ele e Guillermo Barros Schelotto eram os jogadores há mais tempo no elenco e, sobretudo, os com mais títulos pelo clube; o goleiro até brincou: “um ano fizemos a conta e estivemos concentrados 200 dos 365 dias, então vi mais Guille do que [a esposa] Evangelina. Ainda me pergunto como faço para aguenta-lo…”.
Não aguentava tanto mesmo, se permitindo a usar considerável força nas almofadas e águas atiradas no colega de quarto cada vez que flagrava-lhe em tom meloso nas ligações telefônicas com a própria esposa – ou tranca-lo para fora do quarto, embora soubessem ser diplomáticos em estabelecer um rodízio de dias para cada um escolher a programação televisiva (o atacante era fã de cinema e o goleiro, de automobilismo em geral), revelou a mesma reportagem. Ela também tratou de detalhar mais o lado sério do Pato:
“Jamais imaginei que ia conseguir isto. Embora em vários desses torneios eu não tenha sido titular, sempre me considerei campeão, sempre me senti importante para o grupo. Quando os grupos estão bem formados, como tem sido o caso dos nossos, o que empurra de fora também ganha. Mas para mim teve um significado especialíssimo a Libertadores desse ano, já que foi meu primeiro título como titular. Durante anos havia esperado minha oportunidade e já sentia a necessidade de ganhar um defendendo de ponta a ponta. Era uma conta pendente. E salda-la me provocou uma grande satisfação. Como não era titular, muitas vezes me havia passado pela cabeça ir a outro clube. Agradeço ter tido paciência suficiente. Do contrário, não estaria vivendo esse momento”.
O Boca, que novamente se deu ao luxo de abdicar do Pato e outros titulares na Sul-Americana 2003, não deixou a peteca cair no semestre seguinte. Disputou o Clausura até a rodada final, em disputa mais raríssima do que parece com o arquirrival. No fim, deu River, que passara à liderança exatamente após vencer um Superclásico em plena Bombonera, em tarde de protagonismo do jovem Maxi López. Nada que impedisse que, com anos sem que nenhum goleiro se identificasse verdadeiramente na seleção desde Goycochea, Abbondanzieri fosse pedido por público e crítica para a Albiceleste.
Titular desde a Copa 2002, Pablo Cavallero tinha estatísticas eficazes pela Argentina, mas não carisma, assim como o próprio Bonano, reserva no Mundial e não mais lembrado depois. Outro reserva lá fora o falastrão Burgos, que já havia anunciado seu retiro das convocações com a eliminação na Ásia, nunca fora plenamente confiável e ainda por cima enfrentava um câncer que lhe obrigara a extrair um rim.
Quem dava potencial anos antes, Roa, não só estragava deliberadamente a carreira há tempos em prol de seu adventismo como ele próprio também enfrentava um câncer. Por fim, duas promessas testadas nos dois primeiros anos pós-Copa até cativavam as torcidas de seus clubes, mas se mostraram verdes na seleção: Saja inclusive estreara ainda antes da Copa, em fevereiro de 2002, na esteira de seu protagonismo na Copa Mercosul 2001 com seu San Lorenzo, e tivera outras três chances na virada de janeiro para fevereiro de 2003, após erguer a primeira edição da Sul-Americana com os azulgranas – e só; já Costanzo, testado uma só vez, em julho de 2003, logo perderia lugar no seu próprio River para Lux, titular da conquista mundial sub-20 de 2001.
Com 32 anos incompletos, o goleiro do Boca tornou-se um dos mais veteranos estreantes pela Argentina, em um 0-0 pelas eliminatórias contra o Paraguai, em 6 de junho de 2004. Apenas quatro dias depois, o país iria parar para um novo Boca x River na Bombonera, agora pelo jogo de ida nas semifinais da Libertadores. Abbondanzieri teve outra vez os holofotes consigo, mas, primeiramente, por algo não tão agradável: teve seu rosto ensanguentado por uma deliberada arranhada de Gallardo. O jogo da volta se deu em 17 de junho e o goleiro foi então protagonista do jeito preferido, fazendo Maxi López ir de herói a vilão em poucas semanas. O atacante calhou de ser o único a ter seu pênalti defendido em um Monumental de Núñez calado: a tensão foi tamanha que as autoridades argentinas haviam imposto torcida única, muitos antes antes da medida ser normalizada como regra.
Outra decisão por pênaltis veio na grande final. Abbondanzieri fez sua parte, pegando logo a primeira cobrança da série, aberta pelo azarão Once Caldas. Também evitou gol na terceira cobrança. O problema é que os parceiros não ajudaram em nada: simplesmente ninguém do Boca (Schiavi, Cascini, Burdisso e Cángele) converteu e a taça ficou com uma equipe de tradição modesta mesmo dentro de sua Colômbia. O desempenho individual do goleiro, por outro lado, não deixava dúvidas: Marcelo Bielsa levaria à Copa América uma seleção basicamente sub-23 para afiá-la rumo às Olimpíadas de Atenas, mas com Abbondanzieri titularíssimo em uma campanha aguda – 6-1 no Equador, 4-2 no Uruguai, 1-0 no anfitrião Peru nas oitavas-de-final, 3-0 na Colômbia na semifinal.
Mas, diante de uma equipe também secundária do arquirrival, El Pato não bastou diante do impacto psicológico causado por Adriano. Os brasileiros acertaram uma a uma, ao passo que D’Alessandro e Heinze perderam logo as duas primeiras da Albiceleste. Para as Olimpíadas, Bielsa preferiria levar os garotos Lux e Willy Caballero como goleiros (Caballero, ironicamente, era o reserva de Abbondanzieri no Boca…) e preencher as três vagas adultas com Kily González, Ayala e Heinze.
Os dois goleiros campeões olímpicos, porém, sequer teriam vaga na Copa do Mundo de 2006: exceto pela Copa das Confederações em 2005, desde que estreou Abbondanzieri reinou na meta, mesmo com a troca da Bielsa por José Pekerman pouco após os Jogos de Atenas – muito pelo que seguia produzindo no Boca, que soube ganhar o continente em 2004. Não na Recopa, em que o surpreendente Cienciano levou em outra decisão por pênaltis sem estrela do Pato, em setembro, mas na Copa Sul-Americana.
A Sul-Americana 2004 reservou a volta do êxito nos penais. Na série talvez mais complicada, e em pleno Defensores del Chaco, diante de um Cerro Porteño sedento por alguma conquista continental ainda inédita. El Pato não só pegou dois chutes (a segunda defesa, notavelmente já na séries alternadas, foi logo após o colega Guglielminpietro desperdiçar a sua e deixar o Boca a uma conversão adversária de ser eliminado) como até acertou a sua própria cobrança, exatamente a seguinte após a segunda defesa. El Pato virou ali o primeiro goleiro do Boca a converter um pênalti e, ao fim, contou com a sorte de um paraguaio mandar para longe para assegurar um dramático 8-7. As etapas seguintes seriam menos complicadas: 4-2 agregados sobre o Internacional nas semifinais, enquanto o 1-0 sofrido em La Paz para o Bolívar pôde ser revertido com apenas 27 minutos em La Bombonera, tempo suficiente para o 2-0 do título.
Também em 2004, ele teve uma exibição valiosa no 0-0 em Santiago contra o Chile pelas eliminatórias. Nelas, foi até capitão da seleção (pela única vez) na primeira vitória da Argentina em La Paz sobre a seleção anfitriã, em 26 de março de 2005. Mas a Albiceleste lhe parecia responsabilidade excessiva: na maioria dos jogos, não vinha exibindo a mesma confiança de Boca. A revista brasileira Placar chegou a classifica-lo meramente como “o menos pior” dos goleiros argentinos da época para justificar sua contínua titularidade.
Claro, ele seguia justificando-a pelo que fazia no clube; e a revista El Gráfico reconhecia seu “notório melhoramento no tramo final da carreira”. Duas autoridades na posição o referendavam: goleiro campeão do Mundial 1986, Pumpido o colocava como o melhor do país; na época; três vezes finalista da Libertadores como goleiro, Falcioni também lhe via assim e elogiava-lhe a “grande regularidade” e evolução na reposição de bola.
Derrapando nos torneios domésticos desde o vice no Clausura 2004, o Boca caiu ainda nas quartas-de-final da Libertadores em 2005. Mas foi com bastante sede à forra no segundo semestre: venceu a Recopa (em um troco sobre o Once Caldas), o Apertura (quando o título parecia do Gimnasia de… Navarro Montoya) e, novamente, a Sul-Americana. Nela, Abbondanzieri voltou a ser teve os pênaltis para se consagrar defendendo e chutando, agora na grande final. Diante do Pumas UNAM, ele salvou a pele de Schelotto e Palermo, ao pegar os tiros do brasileiro Leandro Augusto e de Joaquín Beltrán.
Na primeira série alternada, então, Gerardo Galindo mandou para fora e o lateral Hugo Ibarra, atual treinador auriazul, então teria a responsabilidade de assegurar o bicampeonato xeneize – que, na época, valeria ainda o feito de igualar o Boca a Milan, Real Madrid e Independiente como time mais vezes campeão de Copas oficiais; esse trio tinha 15 cada. E El Pato sentiu-se moralizado para manter seu protagonismo. O técnico Basile concordou com que Ibarra cedesse ao pedido do goleiro por uma troca e o pegador de pênaltis não inventou na situação inversa: uma bomba no meio do gol permitiu que ele saísse em disparada até o setor onde seu pai o assistia.
Não classificado à Libertadores 2006 pelas vagas levarem em consideração a temporada argentina de 2004-05, o Boca centrou fogo no Clausura no primeiro semestre e assegurou sem sobressaltos o bicampeonato nacional. Assim, apesar de uma falha em amistoso pré-Copa contra a Croácia já em 1º de março de 2006 (3-2 para os europeus, em Basileia) sinalizar alguma ameaça à titularidade de Abbondanzieri na seleção, ele seguiu firme como dono da camisa 1 na Albiceleste. Ele justificou o voto de confiança: na Copa do Mundo, El Pato soube se portar como um dos melhores elementos da equipe, sendo vazado apenas duas vezes em cinco jogos – a ponto de sua lesão, em dividida aérea com Klose, ser vista como o início do fim.
Eram 26 minutos do segundo tempo e a Argentina ainda vencia por 1-0 a seleção da casa. José Pekerman viu a necessidade de queimar duas substituições quase de uma vez, com Leo Franco para substituir o goleiro e com Cambiasso para reforçar a defesa no lugar do maestro Riquelme. Não adiantou: com pouco aquecimento, Leo Franco levou em menos de dez minutos o empate do não-punido Klose. Nos pênaltis, o reserva não conseguiu ter a mesma estrela de Abbondanzieri, enquanto Ayala e Cambiasso paravam em Lehmann.
O desempenho satisfatório na Copa, de outro lado, permitiu ao veterano enfim cavar uma transferência europeia – o que compensava àquela altura perder o recorde então compartilhado com Schelotto como jogador mais vezes campeão pelo Boca: a Recopa 2006, contra o São Paulo, ocorreu semanas depois, isolando El Mellizo à frente (ambos depois seriam superados por Sebastián Battaglia). O goleiro, de outro lado, logo se tornar imediatamente o primeiro jogador do modesto Getafe a representa-lo na seleção: credenciando pelos títulos seguidos do Boca de 2005-06, o técnico Alfio Basile voltou a treinar a Argentina e tratou de manter o Pato. Mas a permanência estava longe de ser justificada apenas por apadrinhamento.
Abbondanzieri aceitara o Getafe não só para desperdiçar a oportunidade europeia que batia à porta de um veterano (ele diria que teria pendurado as luvas se houvesse vencido a Copa do Mundo), mas também para readquirir tranquilidade para si e família, em um clube sem pressões e de pouca torcida, após dez anos vivenciando também o lado ruim das próprias vitórias (como almoços interrompidos por excessivos pedidos de autógrafos e outros assédios antes da era das selfies…) com o Boca. Acontece que a entrega saiu melhor do que a encomenda: a equipe do treinador Michael Laudrup passou por Valencia e Barcelona e, pela primeira vez, foi finalista da Copa do Rei. Em La Liga, o argentino foi premiado com o Troféu Zamora, dado ao goleiro menos vazado – foi o último de fora do trio Real Madrid, Barcelona e Atlético a ser contemplado com a honraria. É de se imaginar como o time, apenas 9º colocado, teria se saído sem ele, que chegou mesmo a ser sondado pelo Real Madrid para ser reserva de luxo a Casillas.
Na final da Copa do Rei, deu Sevilla, também campeão da Copa da UEFA naquela temporada 2006-07 – o que fez a vaga sevillista na edição 2007-08 virar valoroso prêmio de consolação aos vice-campeões. Já o vice na Copa América 2007 da seleção que unia Riquelme e Messi, para uma nova equipe secundária do Brasil, foi bem mais anticlimático. Mas não o suficiente para encerrar o ciclo de Abbondanzieri na seleção, estendido até 2008, o suficiente para ele ultrapassar naquele ano as partidas de um ícone feito Goycochea: é que o Getafe chegou à segunda final seguida de Copa do Rei e por muito pouco não foi semifinalista da Copa da UEFA – em uma dolorosa eliminação ao Bayern Munique colocada na conta de falhas do goleiro dos colegas que haviam aberto 3-1 na Espanha e tomaram o empate em um fim cinematográfico.
Mas nem a repercussão das falhas contra os bávaros tirou sumariamente o veterano da seleção. Ele ultrapassou Goycochea (45 jogos oficiais e dois não-oficiais) exatamente a partir de amistosos em junho de 2008. Contudo, o ciclo teve suas amarguras no fim: a 49ª e última partida do Pato, já em 6 de setembro de 2008, encerrou-se para ele com apenas treze minutos – com ele se lesionando enquanto o Paraguai comemorava o gol em pleno Monumental, após falha conjunta do goleiro e de Heinze, que marcara contra. Além da lesão, o “padrinho” Basile seria demitido um mês depois. O sucessor Maradona preferiu dar espaço a sangue novo, primeiramente com Juan Pablo Carrizo e depois com Sergio Romero pelo resto das eliminatórias a 2010.
Se passou longe de ser lenda na Albiceleste, o veterano pôde se orgulhar de duas estatísticas das mais relevantes quando a deixou: só “o outro” Pato, o Fillol, o superava em goleiro com número de partidas pela seleção (58 contra 49), e Abbondanzieri inclusive tinha mais clean sheets (22 contra 20), embora ambas as marcas atualmente sejam de Romero. Praguejar contra a perda de espaço nunca fora o estilo do veterano, que declarou dignamente que “se outro funciona melhor, eu não faço drama. Cheguei à seleção aos 32 anos e não parei de jogar. Me dói sair. Mas se o gol argentino fica melhor com Juan [Carrizo] ou com Oscar [Ustari, terceiro goleiro em 2006 e também cotado], está perfeito. Com essa camisa devem jogar os melhores”.
Ele ainda voltou ao Boca em janeiro de 2009, mas a qualidade coletiva já não era o mesma – pois o goleiro ainda conseguia se sobressair em nova decisão por pênaltis, novamente contra o Milan, novamente pegando uma cobrança de Pirlo… embora já pela partida válida pelo terceiro lugar de uma amistosa Audi Cup, em Munique, quando salvou também o tiro de Alexandre Pato. Não era o suficiente para ele voltar à seleção, quando nem no próprio Boca conseguia lugar cativo: embora tenha jogado amistosos em janeiro de 2010, ouviu do então treinador Abel Alves que precisaria dar lugar ao jovem Javier García. Mas bastava para atrair um Internacional de panelinha argentina, somando-se em fevereiro a D’Alessandro e Guiñazú.
El Pato não era o mesmo quando chegou aos gramados gaúchos (cujo estadual seria mesmo vencido pelo Grêmio) e, apesar dos ares épicos da classificação contra o Estudiantes na Libertadores, perderia a posição para Renan as partir das semifinais da campanha campeã. Mas ainda pôde contribuir: conseguiu no Equador convencer a arbitragem, em tempos pré-VAR, de que não teria cometido um pênalti contra o Deportivo Quito, principal concorrente em uma fase de grupos complicada (somente o líder tinha classificação assegurada). Tal como no Central e no Boca, não conturbou o ambiente com a reserva, declarando-se grato aos microfones tão logo os colorados lograram a taça – justamente no dia em que o goleiro completava 38 anos, em 18 de agosto de 2010.
A surpreendente queda para o Mazembe serviu ao menos para que o veterano recebesse uma despedida no Mundial da FIFA, nos quinze minutos finais do jogo que valeu o bronze, já assegurado pelo 4-2 construído sobre o Seongnam. Uma despedida mais festiva ficou para 2011, no estádio do Argentino de Las Perejas, com presença até do ilustre filho local Jorge Valdano e velhos colegas. Também em 2011 ele se deu ao gosto de exercer a paixão pelo automobilismo, correndo em provas junto com outro fã: Martín Palermo, seu colega de quarto no Boca até 2001. Parceria renovada de 2012 a 2019 nas comissões técnicas do ex-atacante, embora o ponto mais alto da dupla se limitesse a um vice-campeonato chileno com a Unión Española (em 2017) até o ex-goleiro passar a dedicar-se à sua fazenda.
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