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River já passou 18 anos sem títulos. Há 40 anos quebrava esse tabu

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Bruno após marcar o gol do título, há exatos 40 anos

19 anos foi o tempo entre a Libertadores 1996 e a Libertadores 2015, uma eternidade para a mal acostumada torcida millonaria. Ela ao menos pôde saborear nesse meio tempo alguns títulos argentinos e também alguns internacionais (Supercopa 1997, Sul-Americana 2014). Agora imagine passar praticamente o mesmo período sem levantar um torneiozinho sequer. Este foi o enorme drama vivido nos lados de Núñez entre 1957 e 1975. O sofrimento se potencializava com as diversas vezes em que o tabu esteve perto de terminar nesse intervalo. Incluindo, aliás, uma final de Libertadores.

1957 foi um ano perfeito para o torcedor do Millo. O time se sagrou pela primeira vez tricampeão argentino seguido, até então uma marca exclusiva do Racing e que viraria especialidade do próprio River (que conseguiu o feito outras duas vezes. Todos os demais times, incluindo o Boca, conseguiram no máximo bicampeonatos). Naturalmente, era a base da seleção argentina. E isso se voltou contra a equipe no ano seguinte, em que sete titulares do vexame da seleção na Copa do Mundo eram riverplatenses.

A Argentina voltava às Copas após 24 anos e caiu na primeira fase, sofrendo a maior goleada de sua história, o 6-1 para a Tchecoslováquia. Dentre os mais traumatizados, o mitológico goleiro Amadeo Carrizo, que recusou convocações posteriores. O River voltaria a perder no Monumental depois de três anos e ficou em um mediano quinto lugar. A colocação se manteve em 1959, só que a treze pontos do campeão. Foi o ano em que se despediram duas lendas: o meia-esquerda Ángel Labruna, outro atingido na Suécia, e o técnico José María Minella. Minella saía após doze anos no cargo. Já Labruna saía após vinte e era o próprio River em pessoa: veja aqui.

Um elenco renovado terminou a dois pontos do campeão Independiente em 1960. O que atrapalhou foi o terrível primeiro turno, onde a distância chegou a ser de 7 pontos (na época, a vitória valia 2). Já 1961 começou empolgante. O presidente Antonio Vespucio Liberti, que batiza oficialmente o Monumental, prometeu um futebol-espetáculo importando jogadores da seleção-sensação da época, a brasileira: Moacyr, Delém e Roberto Fernando – Moacyr vencera a Copa de 1958 e se você não conhece os outros dois é porque ao irem à Argentina ficaram fora da órbita de novas convocações.

Em uma excursão à Europa, o trio deu show. O Real Madrid era penta europeu seguido e não perdia há 9 anos no Santiago Bernabéu. Dois de Roberto Fernando e um de Delém quebraram isso em um 3-2. Já Moacyr fez dois em um 5-2 na Juventus e outro no 1-1 com a Internazionale, os grandes times italianos da época (tanto que a rivalidade entre eles se solidificou ali, virando o Derby D’Italia). Mas na volta à Argentina só Delém vingou. O treinador, o húngaro Emérico Hirschl, foi dispensado no meio do campeonato em que o campeão Racing ficou longos nove pontos à frente.

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Após a taça, a revista El Gráfico exorcizou o apelido pejorativo “gallinas” com Perfumo e Alonso, que à direita aparece na capa da revista após vitória decisiva sobre o San Lorenzo, com dois gols dele

Delém ficou, mas ficaria negativamente marcado em 1962. O River enfim parecia reengrenar no campeonato, disputado palmo a palmo com o Boca. Os 5 anos sem vencer já eram o maior jejum profissional do Millo. E o Boca não ganhava nada havia 8! Um Superclásico na Bombonera na penúltima rodada praticamente definiu os destinos. O arquirrival venceu por 1-0 em tarde marcada pelo pênalti que Delém perdeu aos 40 do segundo tempo – falamos mais a respeito aqui.

O Boca voltou a impedir a festa em 1963 e em 1965. Em 1963, o River era líder com 2 pontos de vantagem faltando três rodadas. Concorria com o Independiente, que venceu-0 na antepenúltima e o ultrapassou graças à derrota millonaria no Superclásico na penúltima, em pleno Monumental. Em 1964, um time instável teve cinco técnicos diferentes, enquanto em 1965 o treinador era Renato Cesarini, o mesmo que treinara a mítica La Máquina dos anos 40. Boca e River voltam a duelar pela ponta. O River volta a ter vantagem na reta final. E o River a perde para o rival ao ser novamente derrotado no dérbi. “Renato, Renato, lhe roubamos o campeonato” era a feliz rima boquense.

Em 1966, azar. O River só perde 4 vezes no campeonato, mas tem pela frente um Racing que emendou 39 jogos seguidos invicto. Só o Boca de Carlos Bianchi, com um jogo a mais, quebrou esse recorde. A invencibilidade racinguista caiu justo para o River, mas o título seria alviceleste. O pior foi na Libertadores: o Millo conseguiu deixar para trás Boca e o bicampeão Independiente. Na finalíssima com o Peñarol, abriu 2-0. Perdeu de 4-2. Foi esse episódio que originou o apelido de gallinas.

Era a sina de ter grandes times sem coroa: “o River Plate era o time mais complicado de jogar contra e o mais difícil adversário era o Daniel Onega, do mesmo time”, nos contou anteontem em entrevista João Cardoso, brasileiro campeão da Libertadores e Mundial com o Racing em 1967 (veja aqui). Onega, aliás, havia feito 17 gols naquele vice da Libertadores 1966, até hoje um recorde individual de gols em uma única edição do torneio. Foi um dos numerosos craques que não precisaram de títulos para ser ídolos, assim como o zagueiro José Ramos Delgado (brilhante no Santos de Pelé depois), do próprio Delém, do matador Luis Artime…

Se em 1967 as campanhas foram pobres em ambos os torneios argentinos (Metropolitano e Nacional, introduzidos naquele ano), em 1968 elas novamente foram enganosas. O quarentão Carrizo, justo em seu último ano, conseguiu um recorde de minutos sem tomar gols para a época. Só que do outro lado na semifinal tinha outro invicto, o San Lorenzo, que levou a melhor e adiante se tornaria justamente o primeiro campeão profissional invicto – ironicamente, sob o técnico Juan Carlos Lorenzo, o mesmo que não conseguira bons resultados no River em 1967.

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González, Más e Raimondo reforçaram um time que já tinha Fillol e Merlo

O Nacional de 1968 foi ainda mais dramático. O River pegou o Racing na última rodada e quem vencesse seria campeão. Empataram e foram igualados pelo Vélez, que forçou um triangular entre eles. Nele, o River enfim derrotou o Racing, mas só empatou com os velezanos, ainda com zero títulos argentinos. Poderia ter sido diferente se o árbitro marcasse pênalti quando um zagueiro oponente usou a mão para impedir um gol certo. O Vélez depois venceu o Racing por uma diferença superior de gols e levou.

O River volta a “desvirginar” um time nanico em 1969: elimina o Boca na semifinal do Metropolitano, mas na final é massacrado por 4-1 pelo Chacarita, que até hoje não voltou a vencer a elite (saiba mais). No Nacional, recebe o líder Boca na última rodada precisando vencê-lo: se igualaria a ele e forçaria um jogo-desempate. Perdeu. E pela primeira vez teve de ver o rival dando volta olímpica em pleno Monumental – e o técnico auriazul ainda era o ídolo millonario Alfredo Di Stéfano.

Em 1970, o River terminou igualado ao campeão. Mas para o seu azar, dessa vez o torneio não previa jogo-desempate, prevalecendo o número de gols. E para aumentar a agonia, a taça foi perdida assim: o concorrente era o Independiente, que na última rodada tinha contra si ninguém menos que o rival Racing. Que abriu 2-1. O Rojo empatou de pênalti após o árbitro fazer questão de ordenar duas vezes que a cobrança fosse repetida, após Agustín Cejas defender adiantado as duas primeiras. O empate ainda daria o título ao Millo, mas o concorrente virou a cinco minutos do fim o clássico…

O brasileiro Didi chegou para treinar após aquela decepção credenciado por ter, com a seleção peruana, desclassificado em plena La Bombonera a Argentina da Copa de 1970. Ficou até 1972, tentando promover o “jogo bonito” apostando em muitos juvenis campeões há 40 anos, mas que ainda eram imaturos antes, incapazes de colocar o time nas cabeças. Foi justo após a saída de Didi que, no fim de 1972, o River eliminou o Boca e chegou à final do Nacional. Perdeu na prorrogação para o San Lorenzo. O autor do gol, Luciano Figueroa, era atacante, mas aquele foi justamente seu único gol naquele ano!

Em 1973, o brasileiro Delém volta para ser técnico. O River chega ao quadrangular final do Nacional, mas volta a ser vice, atrás do Rosario Central. Já em 1974 faz uma campanha das mais pobres, chegando a ser 5º em um grupo de 9 times no Nacional. Este grupo é liderado pela surpresa Talleres de Córdoba, que consegue a melhor campanha até então do interior argentino para além de Rosario. O técnico de La T era Ángel Labruna. O ídolo já havia treinado o River, vivenciando as perdas de 1968 a 1970 – justo quando saiu, conseguiu vencer em 1971, no primeiro título do Rosario Central. Assim, ele não titubeia que estava de volta a Núñez para ser campeão.

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O artilheiro Morete em ação contra o vice Huracán. Ao meio, Juan José López. À direita, festa pelo gol do título

Enfim chegamos a 1975. Direto de Córdoba, Labruna veio com Pablo Comelles e o zagueiro Héctor Ártico, ambos do seu Talleres, e José Reinaldi, maior artilheiro do rival Belgrano. Do Independiente supercampeão da Libertadores na época vem o volante Miguel Raimondo. Do Cruzeiro que dominava Minas Gerais, o experiente beque Roberto Perfumo. Pedro González, ponta daquele San Lorenzo invicto de 1968, chega desacreditado do futebol peruano para ser ídolo. O goleiro, Ubaldo Fillol, já estava desde 1974 por ordem do próprio Labruna, que embora treinasse-o em 1973 no Racing (Fillol já se destacava lá, conseguindo ali um recorde anual de defesas de pênalti) o obrigara a aceitar a proposta do River de tão fanático que seguia sendo pelo Millo.

O resto da solução era caseira: Raimondo (31 jogos) juntou-se no meio com diversas opções classudas no setor, seja Norberto Alonso (27), Juan José López (33), Reinaldo Merlo (25) ou ainda Alejandro Sabella (19). Na frente, Carlos Morete era tosco mas funcionava como goleador (24 gols em 37 jogos) e ganhou a posição de Reinaldi. Outro prata-da-casa era o veterano Oscar Más, único remanescente dos sofridos anos 60. Segundo maior artilheiro da história do River, atrás só de Labruna, ele voltava de uma temporada no Real Madrid e foi um dos pontas para El Puma Morete.

O começo foi um 0-0 com o Estudiantes dentro de casa. O resultado decepcionou porque o River jogou demais, sufocando os pincharratas. Quem não se abateu teve razão: depois dali foram oito vitórias seguidas com um futebol vistoso, ofensivo e goleador, com a série incluindo um 4-3 no Colón, um 3-0 no Chacarita e um 4-2 no Unión. A liderança isolada veio na sétima rodada, e na 12ª a vantagem era de 4 pontos. Vale lembrar de novo: a vitória valia 2.

A primeira derrota veio só na 14ª rodada, mas doeu: 4-1 para o Newell’s. Mas a crença no título foi reoxigenada em cheio na partida seguinte, um 2-1 categórico sobre o Boca na Bombonera com direito a Fillol pegando pênalti. Faltavam quatro jogos para o fim do primeiro turno e todos foram vencidos, com direito a um 6-1 no Temperley e a um 5-1 no San Lorenzo. Arrasa-quarteirão, o River tinha 34 pontos de vantagem. O segundo colocado, o Unión (que tinha os ex-River Hugo Gatti e Heber Mastrángelo, além do técnico Juan Carlos Lorenzo, todos depois bi na Libertadores com o Boca), tinha 26… e vale repetir mais uma vez que a vitória valia 2.

Só que o fim do sofrimento teve de ser sofrido. O segundo turno foi bem pobre: só 7 vitórias em 19 jogos. O River chegou a perder três partidas seguidas, a última delas dentro do Monumental para o grande rival. Huracán, treinado ironicamente por Delém e reforçado no gol pelo monstro Agustín Cejas (falecido hoje), e Boca, voltando a assombrar, encostaram. A vantagem riverplatense agora era de 3 pontos. E em seguida, o líder só empatou com o lanterna, o Temperley. O próximo oponente seria o San Lorenzo, que tinha o iluminado Héctor Scotta, autor de recordistas 60 gols naquele ano.

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Os festejos no Monumental fizeram o último jogo acabar na metade

Alonso, espécie de Zico canhoto do River, vinha fazendo a diferença pela ausência. Havia sido suspenso por seis jogos após insultar um bandeirinha. Retornou naquela partida-chave marcando os dois gols da vitória. Bastava ao River vencer o nanico Argentinos Jrs que apesar de um segundo turno tão ruim seria campeão com uma rodada de antecedência. Mas… Mas uma greve estourou exatamente nas vésperas da partida. O sindicato exigia uma convenção coletiva de trabalho assinada e o perdão no doping de Juan Taverna, do Banfield. Assim, foram juvenis amadores quem entraram em campo naquele redentor 14 de agosto de 1975.

Nem mesmo Labruna participou: foi seu assistente Federico Vairo (outro chamuscado na Copa de 1958) quem deu ordens à obscura formação Alberto Vivalda, Rodolfo Rafaelli, Orlando Ponce, Luis Jometón e Fernando Zappia, Héctor Bargas (Sergio Gigli), Rubén Cabrera e Rubén Bruno, Leonardo Labonia, Ramón Gómez e Francisco Groppa (Luis Giménez). Para eles não haveria canções ou estátuas, apenas uma ou outra lembrança quando chega o aniversário do título: os profissionais sentiram-se desrespeitados e chegariam a recusar-se a treinar com eles, a maioria logo vendidos a clubes pequenos dali a um ano. “O golpe foi duro, sobretudo para os que não haviam sido campeões nunca como El Negro (López), Mostaza (Merlo), Alonso. Fiquei em minha casa, liguei para um, para outro e fui dormir”, contou Perfumo.

Aquela garotada, porém, deu conta aos olhos dos 55 mil que lotaram o estádio do Vélez, no oitavo maior público da história do Argentinão. Bruno fez o único gol, um chute rasteiro cruzado com a canhota após acreditar em roubar a bola adversária: conseguiu-a quando ela bateu no seu rosto em uma tentativa adversária falha de aplicar-lhe um chapéu e ficou livre cara-a-cara com o goleiro. Bruno teve uma noite insólita para um herói histórico: “me felicitaram, festejamos, nos levaram ao Monumental, logo fui para casa no ônibus sem que ninguém me reconhecesse”, relatou. “Foi injusto, mas o tempo passa e certas feridas fecham. Hoje posso dizer que me cruzo com vários titulares daquela época e ao menos nos cumprimentamos. Nunca me arrependi de ter jogado esse encontro. Entrar na história do River não tem preço. Voltaria a fazer”.

“Agora sim, não cabe traição do destino. Nem um pênalti defendido, nem gol de diferença, nem quociente de gol, nem nada! O título está em Núñez”, sentenciou a revista El Gráfico. A greve terminou três dias depois e no domingo seguinte a torcida pôde festejar com os ídolos. Beto Alonso e Puma Morete, curiosamente ambos torcedores racinguistas na infância, selaram um 2-0 no Racing ainda no primeiro tempo. Não houve segundo. O time já era campeão e os torcedores não quiseram esperar a segunda etapa para invadir o Monumental e comemorar.

Se soubessem o que viria, talvez não tivessem tanta pressa. O River faturaria também o Torneio Nacional, onde despontaram Daniel Passarella (que jogou só 10 vezes no Metro) e outro campeão mundial em 1978, Leopoldo Luque (contratado daquele surpreendente Unión para repor Morete, vendido à Espanha). O presidente Liberti poderia falecer em paz em 1976. Os millonarios voltavam a ser ricos: Labruna e pupilos pilhariam a Argentina até 1981. Incluindo a taça garantida há 40 anos, foram sete em um espaço de seis anos. Núñez estará mais do que satisfeita se metade disso se repetir internacionalmente após os 19 anos encerrados na semana passada.

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Labruna erguido pelos campeões no Monumental: a última volta olímpica viera quando ainda jogava

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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