Contava muito tempo que o River não levava um caneco da Libertadores. De forma que algo em torno de 70 mil pessoas recepcionaram a equipe no Monumental de Núñez. Rival era o Tigres, segundo melhor na fase de grupos e credenciado por eliminar com sobras o Internacional de Porto Alegre. Jogo não foi daqueles, cheio da beleza típica de grandes embates mas que nem sempre se apresenta nas finais. Tudo ia mal até que Lucas Alario abriu o placar nos acréscimos do primeiro tempo. No segundo, “Negro” Sánchez, de pênalti, e Funes Mori, de cabeça, deram números finais à partida: 3×0. Com o triunfo, o River conquistou o seu terceiro título da Libertadores de América.
Minutos iniciais deram o tom. Los Felinos mexicanos foram pra cima do Millo, ignorando os 70 mil hinchas no Monumental. Damm aberto pela direita não achava marcador; jogava livre e atriculava com Sóbis as principais chegadas do ataque mexicano. Defesa do River parecia confusa, tonta; sem muito saber onde estava. Já meio-campo e ataque tentavam aplicar uma pressão que não surtia melhores resultados pois não havia articulação no meio-campo. A pelota passava voando pelo setor, sem ter ninguém com aparente intimidade para conversar com ela. Ideia foi do Muñeco, que deixara Pity Martínez e Pisculichi no banco e foi de Bertolo, pelo setor.
Jogo nem bem esquentava e Lucas Alario se fazia personagem. Perdeu a disputa pela redonda e foi direto no tornozelo do defensor mexicano. Foi amarelado por Ubriaco. Se levasse o vermelho, ficaria de bom tamanho. Sendo assim, se alguma equipe parecia próxima de abrir o marcador, por certo que era o conjunto dirigido por Tuca Ferretti. E isto aconteceria não fosse pela conclusão bizarra de Gignac, após grande jogada de Jurgen Damm. Rigorosamente esta seria a única grande chance dos primeiros 45 minutos. Seria.
Uma pelota cabreira perdida no meio oportunizou a Vangione que fizesse uma jogada estupenda. Levou um, levou dois e cruzou a redonda para dentro da área. Na altura da área chiquita, no centro, o artilheiro Lucas Alário voou baixo para, de peixinho, guardar a pelota no arco de Patón Guzmán: 1×0 River. Nada mais aconteceu; fim do primeiro tempo.
Aos 28, Aquino derruba Sánchez dentro da área, pênalti que Ubriaco, ao contrário de nós, não teve dúvidas em deixar claro que viu. E marcou. O próprio “el Negro” charrúa foi para a redonda e arrematou. Guardou mais um tento, sob risos e aplausos irônicos que Guúzmán direcionava a Ubriaco.
Nem bem deu para comemorar. Poucos minutos depois, após córner da direita, a redondinha encontrou a cabeça de Ramiro Funes Mori. Jurgen Damm sequer subiu para afastar; Melizzo Funes Mori sequer precisou levantar-se: cabeceou feito um torpedo e viu a pelota passar sob as pernas de Guzmán: 3×0.
Depois disso, não se via mais o futebol de “los Felinos”. Abatida em campo, a equipe mexicana dava sinais que sua força já não existia. Sucumbira à magia da paixão que tomava conta das arquibancadas do Monumental. Ocorre que los Felinos caíram na real do que significava para o River o triunfo nessa final. Significava dar um passo definitivo na sua reconquista da América. Reconquista que começara em dezembro de 2014, quando o Millo despachou o Atlético Nacional e levou o seu primeiro caneco da Sul-Americana. Simbólico que Cavenaghi, ídolo indiscutível de Bajo Belgrano, fosse para o jogo, em sua possível última temporada pelo clube do coração.
Simbólico que o tento que destravou as emoções saísse da cabeça de Lucas Alario, o jovem que convidou Cavenaghi a sentar no banco, mas que respeitosamente o teve ao seu lado na final, feito um ritual de passagem de tocha. No passado, Cavegol foi o nome de quem destravou com seus gols diversas emoções. Deu alegrias, mas as reteve no próprio peito mais do que qualquer um. Sua iminente partida não se faz no ambiente das derrotas e de certa depressão que assombrou Bajo Belgrano nos tantos anos em que seu rival, Boca, se assenhorava da América. É no contexto das vitórias que Cavenaghi se vai. Difícil prevê momento melhor para uma passagem de tocha. Sua alegria, ao fim do jogo, tinha semelhanças com as lágrimas de Funes Mori, Diussi e sobretudo Lucas Alario. Mas só Cavegol sabe da natureza de suas emoções e das diferenças sutis que elas contém mesmo frente às que coloriam de sol os olhos de seus colegas jovens de clube.
O terceiro título da Libertadores veio 19 anos depois e chega sem o sofrimento dos poucos gols. Fácil pensar que foi só 3×0. Melhor, contudo, é lembrar que em 2007 o rival Boca Jrs fez o mesmo com o Grêmio, o mesmo placar. Quisera o desavisado que isso ficasse na conta das coincidências. Seja como for, quem vai tirar do coração do hincha millonario que isto é mais um sinal de que o caminho secreto, encontrado pelo rival, possa ter sido agora encontrado também pelo River? Por certo que por aqui alguns deponham em favor do discurso barato de que ano que vem haverá outra competição e este River não terá chances. Bom lembrar para eles que este pensamento invejoso, e permeado de complexos vários, foi o mesmo que deu o tom, após a conquista da Sul-Americana, em, 2014.
Das tribunas do Monumental a alegria era tão gigante quanto o gigantismo do grito, da felicidade e dos cânticos que entoavam “Dale alegría, alegría a mi corazón”, de Fito. Num canto escondido nas tribunas, Muñeco Gallardo era o silêncio de pedras de quem sofria. Precisou do apito final de Ubriaco para deixar rolar as emoções. Foi também graças a eles que esta conquista se deu. Não teve dúvidas em bancar jogadores que muita gente não queria. Foi buscar Viudez, esquecido num time pequeno da Turquia. Sabia do quase estado de depressão do enganche uruguaio. E sabia o quanto este jogador o recompensaria pela contratação. Caiu feito luva.
Buscou “Pity” Martínez, deu aval para “Conejo Saviola”, Lucho González e “Payaso” Aymar. Mas não duvidou de colocá-los no banco de reservas, em prol da construção da equipe. Um deles, Aymar, se chateou, fez beiço e ameaçou sair. Gallardo não mudou de ideia e deixou claro o seu propósito: os grandes mitos do River, já veteranos, não viriam para o clube para serem absolutos. Viriam para legitimar os inúmeros jovens que hoje pedem passagem. Aymar se foi e “ninguém se importou”. Esse título legitima esse trabalho e coloca o Muñeco já como um dos melhores técnicos da América. Melhor que isso é ter tamanho sucesso pelo clube de seu coração. Essa alegria apenas Gallardo conhece. Contudo ainda pouco, já que faz apenas poucos minutos que o River se tornou o tricampeão da Libertadores de América. Parabéns ao clube amado e grande de Bajo Belgrano. Um dos maiores gigantes da América.
Formações
River: Marcelo Barovero; Camilo Mayada, Jonatan Maidana, Ramiro Funes Mori e Leonel Vangioni; Carlos Sánchez, Matías Kranevitter, Leonardo Ponzio e Nicolás Bertolo; Lucas Alario e Fernando Cavenaghi. Técnico: Marcelo Gallardo.
Tigres: Nahuel Guzmán; Israel Jiménez, Juninho, José Rivas e Jorge Torres Nilo; Jürgen Damm, Egidio Arévalo Ríos, Guido Pizarro e Javier Aquino o Damián Alvarez; Rafael Sobis e Andre Gignac. Técnico: Ricardo Ferretti.
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