River, em semifinais, já impediu um tri e um penta seguido do Independiente na Libertadores. Mas não terminou campeão

Boca x River é o confronto argentino mais recorrente na Libertadores. O Superclásico argentino teve duelos por La Copa em 1966, 1970, 1977, 1978, 1982, 1986, 1991, 2000, 2004 e 2015, ao passo que o segundo dérbi mais expressivo do país, o de Avellaneda, jamais viu uma edição na competição. Chegou perto de ocorrer nesse ano, mas o Millo eliminou o Racing nas oitavas-de-final. O twitter do Independiente, ainda assim, comentou, em referência ao encontro com o River: “vai ter clássico”. Uma provocação ao rival eliminado, mas também uma verdade. Abaixo do Super, é o choque entre River e Rojo a peleja argentina mais frequente na Libertadores, tão desgastante que mesmo o lado vencedor não terminou feliz no fim.

A primeira vez foi válida pela edição de 1966, na primeira vez em que a Libertadores admitiu livremente também os vice-campeões nacionais (que até então só competiam se o campeão nacional vencesse também o torneio continental, abrindo uma vaga; assim, o Nacional, mesmo vice uruguaio, aparecera em 1962, assim como o Botafogo em 1963 e o Bahia em 1964). Isso possibilitou a estreia do River na competição, em meio ao jejum millonario vivido entre 1957 e 1975. O clube de Núñez havia sido vice do Boca em 1965.

A dupla pesada avançou junta até a fase semifinal, que naquela edição foi travada em um quadrangular. Como campeão de 1965, o Independiente teve o benefício de estrear nessa fase e foi agrupado junto com os vizinhos, além do Guaraní paraguaio, que não tardou a ficar de mero figurante (só ganhou 1 ponto) na briga de foice entre o trio argentino. O Independiente vinha de dois títulos seguidos e em seu primeiro compromisso começou com tudo, ganhando de 2-0 do Boca em La Bombonera – com destaque ao gol de falta do brasileiro João Cardoso.

Só que em seguida o Rojo decepcionou em casa, precisando ir buscar o empate após sair perdendo, no 1-1 em Avellaneda, partida que rendeu duelo brasileiro – Cardoso (que venceria o torneio seguinte pelo rival Racing) enfrentou Delém, um dos ídolos riverplatenses naqueles tempos complicados. O River em seguida teve o Superclásico e também não aproveitou o fator casa, ficando no 2-2. Mas em seguida aplicou um 4-2 no confronto de volta contra os bicampeões da América.

O Boca se atrapalhou com o Guaraní, cedendo um 1-1 dentro da Bombonera, perdendo de vez as chances de ir à final ao não superar o Rojo na Doble Visera. Assim, os bicampeões precisaram torcer para a rivalidade alheia prevalecer no jogo final da chave, o Superclásico na Bombonera. Foi o que aconteceu: Boca 1-0, fazendo com que River e Rojo terminassem igualados. O River tinha saldo mais favorável, mas isso não pesava como critério de desempate e sim um jogo extra em campo neutro.

O estádio do San Lorenzo viu um 0-0 que se transformou na prorrogação, com o Millo vencendo por 2-1 ao marcar no penúltimo minuto do segundo tempo extra. A Banda Roja esteve perto de encerrar em alto estilo um jejum já considerável de nove anos: no terceiro jogo da decisão com o Peñarol, na neutra Santiago, abriu 2-0, mas permitiu a virada uruguaia para 4-2, derrota que renderia o apelido pejorativo de gallinas ao time de Núñez.

O lateral Pavoni salva em cima da linha para o Independiente, o goleirão Carrizo se antecipa para o River, no desempate em 1966

Dez anos depois, o reencontro, em circunstâncias similares. O Independiente emendara nova sequência de títulos, agora quatro (ainda um recorde). Foi novamente beneficiado por um regulamento que o colocava já na fase semifinal, dessa vez em triangular. E mais uma vez foi necessário um jogo extra com o River (que enfim livrara-se de seu jejum), em grupo pesadíssimo a envolver também o Peñarol. O River não começara bem, não saindo do 0-0 com o vizinho no Monumental. Viu o Rojo vencer em casa os uruguaios por 1-0 e depois perdeu pelo mesmo placar em Montevidéu. Mas aí o ídolo Juan José López anotou o precioso 1-0 conquistado em Avellaneda.

O River então liquidou o Peñarol na Argentina, com um 3-0. Mas o copeiríssimo Rojo foi no Uruguai vencer os aurinegros (1-0, gol de Percy Rojas), forçando jogo extra no neutro campo do Vélez. E as similaridades com 1966 voltaram, com o gol da classificação millonaria saindo no finzinho: o veterano Pedro González marcou o único da partida, aos 40 do segundo tempo. Circunstâncias que levaram às lágrimas o xerife Ricardo Pavoni, presente em todo o tetra do Independiente e campeão também em 1965 (além de ser o único remanescente dos duelos de 1966). Ele era àquela altura o jogador mais vezes campeão de La Copa e sabia que vivia um fim de ciclo.

E, assim como em 1966, o River se viu com uma vitória de pirro. Nessa partida, Daniel Passarella precisou ser substituído aos 44 minutos e não voltou a tempo do jogo de ida de decisão contra o Cruzeiro. Nele, aos 35 minutos foi a vez de Ubaldo Fillol lesionar-se, sem poder voltar para os jogos seguintes, substituído por Luis Landaburu. Os mineiros venceram por 4-1. Na Argentina, Passarella voltou momentaneamente e o Millo venceu por 2-1, mas de modo chorado, com Pedro González marcando o da vitória a quinze minutos do fim, em noite em que Roberto Perfumo e Juan José López viraram novos desfalques (ambos expulsos). Desfigurados, os argentinos ainda buscaram o empate ao saírem perdendo de 2-0 na neutra Santiago, mas levaram no fim o gol da derrota.

O duelo dessa quarta-feira ainda se repetiu nas edições de 1978, 1987, 1990 e 1995 da Libertadores, mas sem ter a mesma carga. Na de 1978, um jogo-extra novamente se fez necessário, dessa vez ainda na fase de grupos, na qual só o líder avançava. LDU e El Nacional, do incipiente futebol equatoriano da época, não tinham camisas páreas e o estádio do Vélez viu um passeio dos millonarios, que voltavam a abriram um 4-0 só descontado no finzinho para 4-1. Mas a Banda Roja caiu no triangular-semifinal, perdendo até no Monumental para o rival Boca, logo bicampeão.

Em 1987, River e Independiente reapareceram em um triangular-semifinal, mas não foram páreos para o futuro campeão Peñarol. Em 1990, duelaram na primeira fase e nas quartas. O River, derrotado no agregado por 1-0 na fase inicial, deu o troco no mata-mata, com 3-1 no agregado, mas cairia em seguida nas semifinais para a surpresa Barcelona de Guayaquil. Em 1995, a dupla se reencontrou em fase de grupos, na imagem que abre a matéria. Reencontrou também o Peñarol, em chave na qual o Cerro de Montevidéu era a camisa destoante. Três podiam avançar de fase e os classificados não surpreenderam ninguém.

O Rojo caiu já nas oitavas para o Vélez, por sua vez o eliminado pelo Millo nas quartas. Mas nas semis o time de Núñez terminou eliminado em casa pelo Atlético Nacional. No segundo semestre, houve um reencontro continental, dessa vez pela Supercopa, a competição que entre 1988 e 1997 reunia só campeões da Libertadores. O River vinha de eliminar Peñarol e Grêmio enquanto o Independiente, com a barriga (só ganhou dois de oito jogos naquele edição), tirara Santos e Atlético Nacional.

Oscar Más, Roberto Perfumo, o remanescente Pavoni e Alejandro Semenewicz brincam antes da semi de 1976, que terminou às lágrimas para Pavoni

Em Avellaneda, dois gols de Francescoli pareciam colocar o River na decisão, mas o time mais copeiro acordou, com dois gols de Javier Mazzoni. O 0-0 no Monumental forçou pênaltis, sobressaindo-se a grande figura roja naquele título acidentado: o goleirão colombiano Faryd Mondragón. Os visitantes ganharam por 4-1 nos penais e se credenciaram para impedir um título flamenguista no centenário rubro-negro. Foi a única vez em que um mata-mata entre River e Independiente pôde apontar um campeão continental. O outro encontro foi válido pela fase preliminar da Sul-Americana 2003. E, a despeito de vencer por 8-1 no agregado, o River não fez a camisa pesar na decisão, perdida para o obscuro Cienciano…

Clique aqui para relembrar os elementos em comum da dupla, como jogadores destacados em ambos, em matéria de 2013. Vale ainda relembrar as outras ocasiões em que, por torneios domésticos, River e Independiente travaram competição acirrada:

1922: em seu primeiro título na primeira divisão argentina, o Independiente deixou de vice o River, terminando quatro pontos à frente.
1923: nem um, nem outro. Independiente (32 pontos) e River (31) só completaram o pódio para o San Lorenzo (35), pela primeira vez campeão argentino.
1932: River e Independiente fizeram jogo-extra após terminaram a temporada igualados. No segundo turno, o Millo havia vencido o rival por 6-1 e manteve o embalo, com um 3-0 aberto ainda no primeiro tempo no neutro estádio do San Lorenzo. Segundo título argentino da história do River e o primeiro no profissionalismo. Os dois primeiros gols foram de Bernabé Ferreyra e Carlos Peucelle, as contratações que fizeram o campeão ser apelidado de Millonario.
1937: com os jovens José Manuel Morena e Adolfo Pedernera, ambos promovidos em 1935, se consolidando na titularidade antes de virarem astros da La Máquina (o timaço dos anos 40), o River deixou de vice o Rojo, seis pontos abaixo.
1938: troco do Independiente, que turbinado com o reforço Vicente de la Mata o ataque já poderoso com Antonio Sastre e Arsenio Erico, ganhou seu primeiro título em doze anos acumulando dois pontos a mais que o River.
1939: não houve trio mais artilheiro no futebol argentino do que Sastre, Erico e De la Mata. O Rojo foi bicampeão, dessa vez seis pontos à frente do vice River. Naquele ano, chegaram a unir forças em um combinado que duelou contra times cariocas, trajando uma camisa literalmente metade vermelha e metade branca com faixa diagonal!
1945: River campeão e Rojo em terceiro, mas a cinco pontos. Último título de Pedernera e por tabela o último de La Máquina.
1948: River, campeão em 1947 com a revelação Alfredo Di Stéfano, e Racing pareciam ser os times que disputariam o título. Mas uma longa greve desfalca seriamente ambos (Di Stéfano e outros prefeririam rumar ao Eldorado Colombiano após o movimento fracassar) e Rojo se aproveita, ganhando o campeonato com quatro pontos de vantagem sobre o Millo.
1952: River reconquista o campeonato após cinco anos. O Rojo termina em terceiro, cinco pontos abaixo.
1960: Independiente termina campeão após doze anos, seu maior jejum. O River termina dois pontos atrás, em um vice enganoso, turbinado com uma arrancada nas rodadas finais – o verdadeiro concorrente rojo foi o terceiro colocado Argentinos Jrs, em sua grande campanha pré-Maradona. Fica o registro do pódio dividido.
O curioso combinado River-Independiente em 1939, contra o Vasco de Leônidas e dos argentinos Bernardo Gandulla e Raúl Emeal (ambos no quadrante inferior esquerdo da imagem à direita)
1963: River, em jejum desde 1957, liderou boa parte do campeonato, mas perdeu em casa para o Boca na penúltima rodada, em verdadeira sina naqueles tempos – em 1962, 1964 e 1965, derrotas no Superclásico permitiram ser ultrapassado pelo arquirrival, que terminaria campeão. Naquela vez, o Boca, focado na Libertadores, já estava fora do páreo, mas o Independiente não. O Rojo terminou campeão com dois pontos a mais e dali partiria para vencer sua primeira Libertadores
1970: em um país acostumado a forçar jogos extras em caso de igualdade, aquele foi o único campeonato definido nos critérios de desempate. Melhor para o Rojo, que venceu de virada, a dez minutos do fim, o rival Racing para igualar-se ao River (agora em jejum de treze anos) e terminar com a taça do Torneio Metropolitano.
1977: após os duelos pela Libertadores de 1976, River e Rojo engataram uma série de disputas diretas. A seguinte foi no Metropolitano de 1977, ganho pelo Millo por dois pontos a mais.
1978: troco do Independiente na final do Torneio Nacional, com o ídolo máximo Ricardo Bochini marcando os dois gols (algo raro para ele, meia de criação) do título em Avellaneda.
1979: revanche do River no Metropolitano. Após um maluco 4-3 no Monumental, o Millo venceu por 2-1 dentro de Avellaneda na semifinal, terminando depois campeão com um 7-1 agregado no pobre Vélez.
1981: em um Torneio Nacional em que ficou muito perto de cair na primeira fase, o River engatou nos mata-matas, consagrando Mario Kempes como campeão argentino. Na acidentada campanha, o Rojo foi batido nas semifinais pelo critério do gol fora de casa (1-1 em Avellaneda, 0-0 em Núñez) antes das duas vitórias finais sobre a revelação Ferro Carril Oeste.
1990: River campeão com pedra cantada, ainda na antepenúltima rodada, superando turbulências internas – começou treinado pela dupla Norberto Alonso e Reinaldo Merlo, que renunciou com a não-reeleição do presidente que os contratara. Assumiu o recém-aposentado Daniel Passarella, em seu primeiro trabalho como técnico. Colocou no banco Gabriel Batistuta em preferência a Ramón Medina Bello, mas terminou somando sete pontos a mais que o Independiente, no último pódio da lenda Bochini.
1993: no Clausura, Rojo e River ficaram no pódio com o Vélez. Já o Apertura foi um torneio embolado em que o Independiente ficou em 5º, mas a dois pontos do campeão River. Estatística que engana, pois os concorrentes reais do Millo foram Vélez e Racing, mas fica o registro.
1996: outra estatística enganosa. River campeão e Rojo vice, mas com nove pontos de diferença. Fica o registro.
1997: nova estatística enganosa, mas que esconde uma disputa real. O Rojo ficou em 4º, a sete pontos do River, mas liderava ao fim da 15ª das 19 rodadas, quando bateu por 6-0 o outrora líder Colón dentro de Santa Fe. Foi quando o treinador César Menotti despediu-se rumo à Sampdoria. O clube só venceu mais a rodada seguinte, perdendo duas partidas seguidas (incluindo em casa na penúltima para o rebaixado Huracán Corrientes). A final foi justamente um River x Rojo, encerrado em 0-0.
2000: Menotti estava de volta e dessa vez até o fim. Mas não impediu um vice seis pontos abaixo do River, campeão já na penúltima rodada.
2014: o Racing terminou campeão do Torneio Transição, mas em arrancada final de torneio inicialmente à tapa entre River e Independiente, que voltava com tudo da segunda divisão, no torneio que projetou de modo efêmero o futebol de Federico Mancuello. O Rojo perdeu gás nas três rodadas finais e terminou em 4º, com o River mantendo até o último jogo as chances contra o outro clube de Avellaneda.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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