Rivalidades estrangeiras na seleção argentina
A pré-temporada europeia ficou marcada pela gorda transferência de Gonzalo Higuaín do Napoli à Juventus, contra quem os tifosi do ex-clube nutrem grande rivalidade agravada por fatores sócio-culturais e pela perda do último campeonato italiano – que não é vencido pelos napolitanos desde 1990. Apesar das críticas pelos gols perdidos em três finais seguidas pela seleção, o desempenho clubístico mantém El Pipita na Albiceleste, reestreando por ela ontem, agora como juventino. Vale relembrar então quais outros a seleção usou a partir de rivalidades estrangeiras.
Argentinos virando a casaca no exterior está longe de ser uma novidade. Já nos anos 10, a própria Juventus esteve envolvida: os irmãos Ernesto e Rómulo Boglietti, os primeiros bianconeri nascidos fora da Europa, passaram em 1915 ao vizinho Torino. Eduardo Ricagni, nos anos 50, e Néstor Combín (que jogava pela seleção francesa), nos anos 60, também jogaram nos dois clubes de Turim.
O Brasil, muito antes de diversas regiões terem recebido recentemente Maxi Biancucchi (Vitória e Bahia), Darío Conca (Vasco e Fluminense) ou Carlos Frontini (Goiás e Vila Nova), já havia visto o fenômeno nos anos 70 (Narciso Doval por Flamengo e Fluminense, Eduardo Dreyer por Coritiba e Atlético) e até nos 40 – desde Alfredo González por Flamengo, Vasco e Botafogo e Elmo Bovio por São Paulo e Palmeiras a Julio Pereyra por Sport e Santa Cruz e Moisés Beresi por Grêmio e Internacional.
A própria rivalidade Napoli x Juventus já tivera em comum Omar Sívori, transferido nos anos 60. Nos 80, Ramón Díaz trocou os napolitanos por quem, geograficamente, seria mais apropriadamente um rival, o Avellino. Díaz foi de tempos em que jogadores “estrangeiros” já eram importados pela seleção, algo iniciado em 1972. Mas El Pelado passara ao ostracismo por supostas desavenças com Maradona, seu “sucessor” no Napoli, não chegando a ser aproveitado na Albiceleste apesar do bom desempenho no Avellino (e na Internazionale, e no Monaco…). E o primeiro doblecamiseta internacional na seleção, curiosamente, não foi de uma rivalidade europeia.
Sergio Goycochea vivia algo inverso a Higuaín, sendo seguro na seleção mas não decolando na carreira clubística. Em 1992, ele manteve-se convocado enquanto defendia o Cerro Porteño (dos jovens Carlos Gamarra, Francisco Arce e Estanislao Struway, todos de passagem pelo Brasil). Pelo Ciclón, apareceu na seleção em 31 de maio, contra o Japão. Em 16 de outubro, quando jogou contra a Costa do Marfim, já era do Olimpia, pelo qual seria vice da Copa Conmebol naquele ano. Ainda nos alvinegros, esteve em boa parte de um recorde nacional de invencibilidade, 38 jogos de 1992 a 1994; e venceria e seria eleito o melhor jogador da Copa América de 1993. Só ele e Pablo Guiñazú (do Libertad em 2013) jogaram pela Argentina vindos do futebol paraguaio.
Depois de Goyco, foi a vez do atacante Juan Esnáider. Jogou só três vezes pela Argentina, curiosamente uma para cada clube espanhol. Em 21 de dezembro de 1995, fez dois gols na Venezuela enquanto ainda pertencia ao Real Madrid, onde não se firmou, indo diretamente ao fim da temporada ao Atlético de Madrid (que vencera a liga e a copa nacionais). Viveu boa fase no Atleti, retornando à Albiceleste em 28 de dezembro de 1996, marcando sobre a Iugoslávia. Seu último jogo seria como atleta do Espanyol, em 1997, mas não conseguiu vaga na Copa do Mundo de 1998.
O vira-casaca estrangeiro seguinte foi Rodolfo Cardoso, o argentino de maior sucesso no futebol alemão. Começou defendendo o Werder Bremen na Bundesliga. Pelos hanseáticos, estreou junto com Esnáider e marcou outro gol na Venezuela em 21 de dezembro de 1995. Mas solidificou-se no Hamburgo, contra quem a ex-equipe promove o Nordderby (já que o St. Pauli, também um clube hamburguês, nunca conseguiu equilibrar esportivamente o clássico citadino). No rival, reapareceu na seleção em 11 de junho de 1997, contra o Equador. Ainda viria ao Boca no início de 1998 para se aproximar do radar para a Copa do Mundo, mas também ficou de fora. Voltou ao Hamburgo e esteve no último título dele, a Copa da Liga de 2003. Trabalha ocasionalmente como técnico interino do clube.
O clássico madrilenho também viu o meia Santiago Solari (que por sinal faz hoje 40 anos) passar diretamente de um a outro, em 2000. Solari, por sua vez, viveu o inverso. Estreou pela Argentina ainda como colchonero, em 14 de novembro de 1999, em amistoso não-oficial contra o Espanyol, em meio às festas do centenário desse clube. Três dias depois, a estreia oficial: contra a Espanha – tudo em temporada que culminaria em rebaixamento em La Liga e em vice na Copa do Rei para o próprio Espanyol. Seu jogo seguinte pela seleção foi já como madridista, em 20 de dezembro de 2000. Se no rival caíra, no Real ele vivenciou o outro extremo, conquistando a Liga dos Campeões em ano de centenário (2002). O sucesso nos blancos, porém, rendeu-lhe no máximo mais alguns testes irregulares, insuficientes para cavar-lhe um lugar nos convocados à Copa de 2002.
Juan Sebastián Verón foi contratado a peso de ouro pelo Manchester United em 2001, jogando em 15 de agosto de 2001 contra o Equador (marcando um gol) depois da transferência. Mesmo com desempenho aquém do aguardado em Old Trafford, mas foi inquestionavelmente convocado para a Copa de 2002. Ganhou a Premier League após o mundial, mas ainda sem justificar o investimento. Recém-comprado por Roman Abramovich, o Chelsea apostou em La Brujita, ainda apreciado por Marcelo Bielsa mesmo sem render também no Stamford Bridge – seu primeiro jogo pela seleção após a troca foi em 20 de agosto de 2003, marcando gol no Uruguai. Mesmo com clássicos maiores, seus dois clubes ingleses têm rivalidade entre si.
Hernán Crespo foi à Internazionale após a Copa de 2002, para suprir a venda de Ronaldo. O time decepcionou, mas o atacante saíra-se bem (como nerazzurro, jogou pela primeira vez pela Albiceleste em 20 de novembro de 2002, contra o Japão) e foi outra aposta do início da Era Abramovich no Chelsea. Como Verón, também não decolou em Londres, sendo emprestado ao Milan.
Na outra força milanesa, Crespo também desempenhou-se bem (como rossonero, retornou em 9 de fevereiro de 2005 à seleção, marcando os dois gols em 2-2 com a Alemanha em Düsseldorf), só perdendo a Liga dos Campeões de 2005 por conta do Milagre de Istambul. Requisitado novamente pelo Chelsea, tornou a não se firmar e os londrinos lhe devolveram a Milão, dessa vez à Inter. El Valdanito ficou em boa parte do pentacampeonato interista de 2006 a 2010, só não ficando ainda mais bem marcado pois saíra justamente antes da temporada histórica de 2009-10.
Javier Saviola fora adquirido em 2001 por um Barcelona longe do poderio atual, embora já gigante. El Conejo, cuja primeira partida pela Argentina como blaugrana fora em 13 de fevereiro de 2002, contra o País de Gales, teve bom desempenho nas duas primeiras temporadas – a ponto de ser uma das ausências inexplicáveis na Copa de 2002. Porém, começou a perder lugar quando o clube, a partir da Era Ronaldinho Gaúcho, começou a decolar ainda mais de patamar.
Saviola foi emprestado a Monaco e Sevilla até ser em 2007 transferido sem custos ao Real Madrid. Esteve no elenco campeão de La Liga na temporada 2007-08, recebendo suas três últimas chances na Albiceleste no início daquela temporada (a primeira delas, em 22 de agosto, contra a Noruega). Pois se na Catalunha tivera bons momentos, na capital espanhola nunca conseguiu boa regularidade.
O zagueiro Gabriel Heinze, mesmo mais raçudo do que técnico, conseguiu ser campeão nacional em algumas das principais ligas europeias: pelo Manchester United, pelo Real Madrid e, em 2010, pelo Olympique de Marseille, que desde 1992 não conseguia ganhar a Ligue 1. Os marselheses promovem contra o Paris Saint-Germain o grande Classique francês, opondo uma rivalidade cultural entre a principal cidade do sul da França e a capital. El Gringo estivera no PSG em tempos menos generosos. Foi pelos parisienses que estreara pela Argentina, em 30 de abril de 2003, contra a Líbia.
Heinze, que após deixar o United chegou a ser sondado pelo rival Liverpool, chegara ao Mediterrâneo em 2009 (seu primeiro jogo após transferência foi contra a Rússia, em 12 de agosto), época em que Carlos Tévez rumou do Manchester United ao Manchester City (a primeira partida dele após a troca foi em 5 de setembro, contra o Brasil). Na dupla mancuniana, Tévez teve relação de amor e ódio. Titularíssimo na última Liga dos Campeões ganha pelos Red Devils, em 2008, tinha vaga cativa na seleção, que o importava do United desde 11 de setembro de 2007, contra a Austrália.
Alex Ferguson, porém, preteriu-o em favor do reforço Dimitar Berbatov a partir de 2008-09 e Carlitos não titubeou em passar aos ascendentes rivais. Nos Citizens, El Apache foi o grande operário enquanto o clube ainda não reunia um timaço completo e assim manteve-se na Albiceleste para a Copa de 2010. Deixou Manchester justamente após a quebra do jejum celeste no campeonato inglês, em 2012, só reaparecendo na reta final após desavenças internas o tirarem da maior parte da campanha. Seguia sendo o último vira-casaca na seleção argentina antes de Higuaín – que, vale lembrar, é filho de Jorge Higuaín, ex-zagueiro que defendeu San Lorenzo, Boca e River…
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