Ontem se sacramentou o descenso do All Boys uma rodada após o do Argentinos Jrs. São tradicionalmente rivais pela proximidade dos seus bairros (respectivamente Floresta e La Paternal), principal fator para designar um clássico em Buenos Aires, apesar do desnível dessa dupla e da descrença de segmentos de ambas as torcidas – Bichos crescidos nos anos 70 em geral preferem detestar o Platense e Albos, o Nueva Chicago, cujos torcedores teriam criado o hit “La Concha de tu Madre All Boys”. No campeonato argentino, rivais caírem abraçados não é algo comum, mas já ocorreu antes.
Sob os olhares de hoje, um primeiro caso teria ocorrido em 1972, com Banfield e Lanús caindo juntos. Mas na época suas torcidas ainda eram amigas, tendo como rivais originais o Los Andes e o Talleres de Remedios de Escalada, respectivamente. As rixas entre o Taladro e o Granate começariam nos anos 80. O rebaixamento naquele ano foi definido por um heptagonal entre os últimos, que curiosamente contou com a participação de outra dupla rival, Estudiantes e Gimnasia LP, que se salvaram.
Desconsiderando o caso de 1972, o primeiro ocorreu em 1979. O campeonato dividiu as equipes em duas zonas e as duas últimas de cada disputariam o chamado “quadrangular da morte” que salvaria somente o líder, que na ocasião foi o Platense. Entre as vítimas, Atlanta e Chacarita, que fazem o Clásico de Villa Crespo, terceiro mais importante da capital (atrás de Huracán x San Lorenzo e, claro, Boca x River).
O Atlanta logo foi dado como caso perdido: só venceu seu último jogo no quadrangular e a queda foi decretada justo diante do rival, após um impiedoso 3-0 em pleno estádio auriazul, faltando ainda duas rodadas. Mas o Chaca caiu logo na seguinte, ao perder em casa para o outro concorrente, o Gimnasia, e ter suas chances zeradas justo por uma derrota do rival para o líder Platense.
O rebaixamento mútuo de Bohemio e Funebrero poderia ter ocorrido bem antes, em 1940. O tricolor caiu, mas o Atlanta se salvou na última rodada ao golear por 6-4 o vice Independiente, em um jogo que despertou suspeitas de entrega roja em troca de receber no ano seguinte o melhor jogador auriazul, José Battagliero. O resultado acabou condenando o Vélez pela única vez ao descenso.
Após a queda de 1979, os rivais curiosamente estiveram juntos também na subida, em 1983: clique aqui. Mas ao Atlanta, até então tradicional frequentador da elite, o rebaixamento de 1979 iniciou longa decadência: tornou a cair já em 1984 e trinta anos depois ainda não voltou à 1ª divisão, que desde então conta ocasionalmente com o Chacarita, ao passo que o Bohemio se acostumou até à 3ª.
Atlanta e Chacarita voltaram a cair juntos em 2012, dessa vez à terceira divisão, justamente após a temporada que marcou o primeiro encontro deles no século XXI: os auriazuis haviam acabado de subir da terceirona depois de onze anos de tentativas, desde 1999, mas foram os piores colocados. Os tricolores foram o 17º e levaram a pior na repescagem com o Nueva Chicago.
O outro exemplo entre rivais clássicos ocorreu em 1990. Se os anos 70 viram a era de ouro do futebol cordobês (falamos aqui), a década seguinte viu uma certa ressaca. E a temporada 1989-90 marcou esse declínio: caíram Instituto e Racing de Córdoba, que, a despeito de fazerem só o segundo clássico local (o principal é Belgrano x Talleres), tiveram momentos de brilho até o início dos anos 80.
A dupla cordobesa secundária foi rebaixada por baixos promedios após temporadas ruins. Com o Instituto, foi vertiginoso: La Gloria vinha pelo meio da tabela com um 13ª lugar em 1988, despencou para último. Em 1990, o primeiro clube de Mario Kempes voltou a ser o lanterna e teve disparadamente os piores promedios. Já o Racing vinha de campanhas ruins já havia mais tempo: teve suas médias duas posições acima da dos rebaixados já em 1987.
Em 1988, La Academia Cordobesa foi 17ª entre 20 times e só não caiu após vencer play-off com o Unión de Santa Fe (os dois terminaram juntos em penúltimo nos promedios). Em 1989, foi antepenúltimo e em 1990 também. Ainda teve uma chance para se salvar: seus promedios terminaram iguais ao do recém-ascendido Chaco For Ever e eles fizeram um play-off. Os alvicelestes foram massacrados com um 5-0 e nunca mais pisaram na elite. Atualmente na 4ª divisão, seu clássico cordobês mais comum é com o ainda menor General Paz Juniors, de quem falamos domingo retrasado.
Na segundona, a situação que ocorreu em 2012 com Atlanta e Chacarita também é bem incomum. Poderiam ser mencionados 1995 e em 1998, quando Sportivo Italiano caiu, respectivamente com o Deportivo Laferrere e o Almirante Brown. São dois vizinhos seus na municipalidade de La Matanza, mas os maiores rivais de cada um dos três são outros: o do Italiano é com o Deportivo Español, o Clásico de las Colectividades, em razão das comunidades de imigrantes que os originaram.
Já o Laferrere tem clássico com o próprio Almirante, mas este é outro que prefere detestar o Nueva Chicago, e, principalmente, o Deportivo Morón. La Fragata caiu junto com estes dois em 1985, uma edição que rebaixou outros onze. Naquele ano, o Torneio Nacional, que reunia os melhores do campeonato argentino (que, apesar do nome, reunia historicamente times da Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario) com os campeões do interior foi extinto para haver só um torneio de elite no calendário.
A AFA levou a nacionalização geográfica para a 2ª divisão, que a partir da temporada 1986-87 receberia os campeões do interior junto dos sete melhores da segundona de 1985 que não subiram à elite. Almirante Brown, Morón e Chicago (e o próprio All Boys) ficaram entre os piores e estiveram entre os substituídos em massa pelos vencedores do interior. Outras quedas numerosas vieram em 1949.
As de 1949 também rebaixaram rivais. O último e em tese único que deveria ter caído foi o Excursionistas, mas a AFA decidiu tirar outros oito clubes para deixar o certame mais enxuto, de 21 para 12 times. Só que, em vez de fazer cair os oito anteriores ao Excursio, levou em conta supostamente as piores estruturas: o penúltimo Temperley se manteve, mas não o 9º All Boys (pobre Albo!), por exemplo.
Os rivais caídos na canetada em 1949 eram todos nanicos rosarinos: o Central Córdoba, apesar de sua 7ª colocação (à frente do Argentinos Jrs, que foi mantido); seu rival Argentino de Rosario, 11º; e Tiro Federal, 10º e com quem o Central Córdoba faz o seu segundo clássico.
Cabe mencionar ainda um caso de 2011 na elite mesmo, com Quilmes e Gimnasia LP. Seus encontros não são considerados clássicos, mas as torcidas deles têm uma ferrenha inimizade, reivindicando o rótulo de “mais antigo clube de futebol argentino”. Explica-se: foram fundados em 1887, com o Cervecero já praticando futebol. O Lobo é meses mais velho, mas só veio chutar uma bola já no século XX. Seria como se existisse no Brasil algo parecido com o Flamengo e o Rio Grande.
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