O Martino mais célebre oriundo da Argentina e da cidade de Rosario é Gerardo, o Tata, técnico do Barcelona e depois da seleção entre 2013 e 2016. Ex-volante elegante, foi um brilhante jogador da fase mais áurea do Newell’s (1988-92) e ainda é quem mais defendeu os rubronegros. Mas, como jogador, deve-se dizer que Rinaldo Fioramonte Martino, dos anos 40, foi mais espetacular. Há fontes que sustentam que seriam, inclusive, tio e sobrinho (vide o jornal Clarín, a revista El Gráfico ou a ESPN), embora não haja qualquer menção a um parentesco tão ilustre na biografia oficial do Tata. Fato é que El Mamucho, por sua vez, foi campeão nacional em três países em tempos muito menos globalizados do futebol, além de passar pelas seleções argentina e italiana – e, já no fim da carreira, até pelo São Paulo. El Negro, seu outro apelido, faria hoje cem anos.
O trecho final da introdução merece parênteses. Na Argentina, o termo Negro é empregado de modo mais abrangente, designando também aqueles de pele escura decorrente de ascendência indígena e ainda pessoas de feições rústicas, ainda que de pele clara. Martino parece se incluir mais nesse segundo caso; embora seus registros em preto e branco denotem uma tez levemente mais parda que a de colegas, algumas colorizações dessas imagens parecem ter acentuado demais essa característica – pois fotos coloridas “normais”, a registrar a velhice do craque, mostram uma pele, no mínimo, em tons claros de moreno.
A um leigo, os lábios espessos do jogador podem reforçar uma possível origem africana em paralelo à inegável ascendência italiana – assim como, por outro lado, esse fenótipo também poderia advir indiretamente das próprias raízes na Itália, cujo sul tem certa frequência de traços amorenados (nas palavras deste perfil da Calciopédia a Pietro Anastasi), presumível herança da influência local dos antigos mouros (povo que originou a palavra “moreno”, aliás) em contraponto a um norte mais miscigenado com os bárbaros germânicos da vizinhança. O meia-atacante faria uma única partida pela seleção italiana, em 1949; mas, na ausência de uma confirmação quanto à afro-ascendência de Martino, considera-se oficialmente que o primeiro negro a defender a Azzurra foi outro argentino, Miguel Montuori, promovido em 1956, como salientado nesse outro perfil de Calciopédia.
Montuori ou Martino, fato é que nenhum deles foi o primeiro não-branco aproveitado pela Itália, campeã em 1934 com El Indio Enrique Guaita, outro hermano. Já a data de nascimento, ora referida como em 6 de outubro, ora como em 6 de novembro, é uma dúvida que pôde ser sanada mais facilmente do que o parentesco ou a real origem étnica: o visto de entrada no Brasil para a Copa Roca de 1945, disponível no site FamilySearch, confirma seu nascimento como em 6 de outubro de 1921. Passemos, enfim, à trajetória de Mamucho Martino.
San Lorenzo e seleção argentina
Nono e último filho, o quinto varão, de Benito Martino e María Levotti, começou em clube de bairro em Rosario chamado Peñarol. A carreira não agradava o pai, que preferia um “trabalho sério” e não tolerava sapatos destruídos na “brincadeira”; tampouco agradava as irmãs, de quem roubava meias para usar como bolas. Viveu a típica história do garoto que não se importava com os estudos, apenas com o futebol. A mãe o apoiava e depois de muita insistência o pai deixou de se opor. Aos 16 anos, já estava no time adulto do Belgrano de Rosario (não confundir com o de Córdoba) em jogos da liga rosarina. Tentara no Newell’s, mas não foi bem avaliado – talvez por torcer pelo Rosario Central, ao contrário de Gerardo.
Com 19 recém-completados, em 22 de janeiro de 1941, já estreava também no time principal do San Lorenzo, em amistoso com o Liverpool uruguaio. Por uma questão óbvia de talento, mas também por curioso acaso: emissários do clube de Boedo haviam ido à Rosario para observar Waldino Aguirre, que viria a ser um brilhante atacante do Rosario Central (é o maior artilheiro do profissionalismo auriazul). Aguirre ainda estava no Central Córdoba, que teve sua partida suspensa em função da chuva. Ela não impediu que ao mesmo tempo o Belgrano enfrentasse o Newell’s. Para não perder a viagem, os sanlorencistas foram ver essa partida e se encantaram pelo jovem. Eles, que haviam viajado com 40 mil pesos, usaram a pechincha de 13 mil.
Martino sequer passou pelos juvenis azulgranas. Uma análise física da El Gráfico de 1945 dá pistas: “condições físicas, funcionais e mentais excelentes e adequadas à prática do futebol. Chamamos a atenção sobre o extraordinário perímetro de seus músculos, que não são resultado de sua atividade esportiva, e sim constitucional”. Sua estreia oficial, justamente contra o Newell’s e dentro da sua Rosario, esteve longe de ser auspiciosa: derrota de 5-1. Seu cartão de visitas foi fazer os três gols do empate em 3-3 em partida que o San Lorenzo perdia de 3-0 para o Platense naquele 1941. Não foi mais contestado. Naquele ano, somou doze gols em trinta partidas do campeonato. O Ciclón correu atrás da celebrada La Máquina do River, nada menos; chegou a alcança-la a quatro rodadas do fim, mas não manteve o fôlego e precisou resignar-se com o vice.
Nesse ritmo, já em 25 de maio de 1942 Martino fazia sua estreia pela seleção, um sonoro 4-1 no clássico contra o Uruguai pelo troféu binacional Copa Newton – marcando os dois primeiros gols e começando uma parceria de sucesso com René Pontoni (ainda no Newell’s), autor do terceiro gol sobre a esquadra liderada por Obdulio Varela. Infelizmente, a Segunda Guerra Mundial impediu a Copa do Mundo designada em tempos normais para as semanas seguintes àquela espetacular estreia. Restou a Martino centrar forças na liga argentina pelo resto do ano. Mas, naquele 1942, de novo La Máquina fez os cuervos se contentarem com o vice, dessa vez a seis pontos. Mas Martino foi ainda melhor: com 26 gols, sagrou-se artilheiro do campeonato, virando um sucessor à altura do implacável mas já veterano Isidro Lángara.
Em 1943, Martino já não era El Negro e sim El Mamucho. O apelido teve origem curiosa: foi para exaltar Carlos Marinelli, seu marcador em um clássico amistoso contra o Huracán – ambos duelaram em dois amistosos, vencidos pelo rival por 1-0 em 1941 e 4-0 em 1943. Martino elogiara-o dizendo que jogou “más mucho”, ao invés de “mucho más”. O atacante teria seu troco em outro dérbi de bairro naquele ano, a marcar uma primeira campanha campeã: na Copa da República (uma precursora da atual Copa Argentina), Martino marcou o gol da vitória por 2-1 na semifinal com o rival, antes de anotar dois nos 8-3 na decisão contra los poetas del césped do azarão General Paz Juniors.
O campeonato argentino, por sua vez, contava com trinta rodadas naquela década. E só na primeira (1941) e na última temporada a serviço do San Lorenzo (1948) o rosarino não faria mais de meio gol por jogo: foram 17 gols em 1943, cravando 18 gols cada em 1944, 1945 e 1946. Ao todo, foram 142 gols em 223 jogos. Seis desses gols foram no clássico com o Huracán. E os títulos que ainda faltavam no clube começavam a sobrar na seleção. O mais decisivo deles também foi contra os celestes, na rodada final da Copa América de 1945. Pegou a bola no meio-campo, deixou para trás Obdulio Varela, Raúl Sarro, Agustín Prado e Eusebio Tejera, ameaçou cruzar a bola para então tocar por cobertura sobre Roque Máspoli – sem ângulo, quase pela linha de fundo esquerda. A imagem que abre a matéria, carregado nos braços do empolgado público chileno, é justamente a de sua tarde de herói contra a Celeste. O “gol da América” foi o único no clássico e ganharia ainda mais importância com o tempo.
É que aquela conquista viria a ser a primeiro dos três títulos seguidos que aquela geração alcançaria na Copa América, até hoje um recorde exclusivo da Argentina. Só naquele ano de 1945, foram onze gols de Martino pela Argentina, uma marca individual quebrada apenas por Gabriel Batistuta e Lionel Messi. Ao fim do ano, o Brasil prevaleceu na Copa Roca, mas já no início de 1946 houve troco com o tumultuado bicampeonato hermano na Copa América. Martino, sem saber, despediu-se da Albiceleste na campanha do bi, nos 2-0 sobre o Paraguai – marcando o segundo gol. Para os jogos seguintes, já não superou a concorrência de posição com a lenda-mor riverplatense Ángel Labruna. Ainda assim, Martino seria nome certo em uma eventual Copa do Mundo de 1946, também impedida pela Segunda Guerra. Foi o ano que ele, enfim, saboreou o título argentino – o Papa Francisco tinha dez anos e já declarou ter visto todos os jogos que o time do coração jogou em casa.
Martino integrou um trio ofensivo apelidado de Terceto de Oro junto com o citado René Pontoni (o principal ídolo do Papa, inclusive) e Armando Farro. O trio somou 56 dos 90 gols anotados pelos campeões, embora Martino sempre frisasse que a qualidade não se resumia a eles – com efeito, na defesa havia Oscar Basso, já eleito duas vezes para o time botafoguense dos sonhos, e Ángel Zubieta, até hoje o mais jovem estreante da seleção espanhola. O Papa deve ter visto os 7-0 sobre o Rosario Central, os 4-0 (com dois de Martino) sobre o Newell’s ou os 5-0 sobre o Racing (com outros dois do Mamucho), algumas das goleadas aplicadas em casa. Foi o único título argentino em Boedo entre 1936 e 1959. Mas as glórias não se resumiriam àquele solitário troféu, estendendo-se a uma excursão consagradora de dezembro de 1946 a fevereiro de 1947. Desde que contratara o artilheiro Lángara, o clube havia sido “adotado” pela comunidade hispano-argentina e, após o título nacional, buscou capitalizar viajando à península ibérica.
Martino marcou dois no 4-1 sobre o Atlético de Madrid, três no 7-5 sobre a própria seleção espanhola (defendida por Lángara), um no 3-3 com o Athletic de Bilbao e dois em um 5-5 com o Sevilla (que seria o campeão da temporada – até hoje, foi a única conquista sevillista em La Liga). O próprio ditador Francisco Franco teria feito questão de cumprimentar pessoalmente os hermanos nos vestiários. Os cuervos também se esticaram a Portugal, cuja seleção perdeu de 10-4 com o Mamucho marcando quatro vezes, mesmo com ele e colegas precisando tomar conhaque para aguentarem o frio. Deixou outro num 9-4 no Porto. Segundo lembranças dele à El Gráfico em 1997, o Ciclón pôde ser ainda mais arrasador do que de costume por conta do tapete que eram os gramados europeus em relação aos campos irregulares aos quais estavam acostumados na Argentina. Só que no decorrer de 1947 o River, no ano da arrasadora explosão do prodígio Di Stéfano, voltou a ser campeão, formando a base da seleção que garantiria o tricampeonato na Copa América – disputada não no início do ano (como em 1945 e em 1946), mas em dezembro.
No tri, Martino acabou de fora: o meia-esquerda utilizado foi José Manuel Moreno, considerado o mais habilidoso jogador argentino antes de Maradona, e que voltava de uma passagem consagradora pelo futebol mexicano. Moreno na verdade era um meia-direita de origem, mas, mesmo improvisado e já com 31 anos, seria eleito o craque da competição. Voltaremos a falar dele. Começou a temporada de 1948, com Martino, em seu oitavo ano como azulgrana, já aparecendo como segundo maior artilheiro da história San Lorenzo. Ele tinha apenas 22 gols a menos que o então recordista, Diego García (técnico da campanha campeã de 1946), que como jogador precisara do dobro de tempo para computar seus números – posteriormente, ambos foram ultrapassados pelos 205 gols de José Sanfilippo. O rosarino teria muito provavelmente ultrapassado García não fosse uma certa greve.
Ele ressalvaria, em depoimento de 1982 à edição especial em que a revista El Gráfico celebrou o título do San Lorenzo na segunda divisão, que “também passei momentos amargos, como a famosa greve de 1948 que obrigou a maioria dos grandes jogadores daquela época a sair do país”. Di Stéfano, Pontoni e outros foram ao Eldorado Colombiano. Já campeão argentino e mexicano, El Charro Moreno foi ao Chile liderar o primeiro título nacional da Universidad Católica. O San Lorenzo viu o zagueirão Basso, líder do movimento, partir à Internazionale. Quanto à Martino, segundo suas próprias palavras naquela revista de 1982, “a Juventus me comprou em 300 mil pesos e viajei à Itália em junho de 1949. Joguei um ano e fui campeão. Eu havia assinado por dois, com opção a outros dois mais, mas quando terminou a temporada voltei de férias por dois meses, o Boca falou comigo e fiquei”. Por mais que brilhasse no exterior, a seleção não chamava quem jogasse fora do país. Na Albiceleste, Martino pôde deixar assombrosa média de gols: foram 15 em apenas 20 partidas.
Campeão e consagrado também por Juventus e Nacional
Seu jogo de piques curtos e toques rápidos fora recomendado à Juventus por uma velha glória nos dois países, Renato Cesarini. Martino chegou nos escombros da tragédia que vitimara o rival Torino meses antes. Os grenás haviam vencido os cinco campeonatos anteriores enquanto a Juventus padecia de jejum de quinze anos – dois fatores hoje impensáveis. Mamucho marcou no primeiro dérbi pós-Superga (vitória alvinegra por 3-1) no primeiro turno, ainda em 1949. E já em 30 de novembro era aproveitado pela própria seleção italiana. A Inglaterra jamais havia sido derrotada em casa por nações não-britânicas, e nesse contexto a Azzurra arrancava um honroso 0-0 no antigo White Hart Lane. Mas, nos 15 minutos finais, os proclamados “senhores do futebol” arrancaram um 2-0. Uma curiosidade é que um dos adversários, Neil Franklin, deixaria o Manchester United para defender o Santa Fe, amostra da força atrativa daquele Eldorado Colombiano.
Em tempos em que vitórias valiam dois pontos e não três, a fila de quinze anos da Juve terminaria com cinco pontos sobre o vice Milan, da famosa linha Gre-No-Li. Só que o argentino não estaria de todo satisfeito. Naquela mesma nota de 1982, relembraria que “saí do San Lorenzo com muita dor, mas meu coração seguia batendo em Boedo com as cores do Ciclón. Estando na Itália, por exemplo, me fiz amigo de um argentino que trabalhava no consulado do nosso país em Turim. Lia os diários que chegavam lá 15 dias depois para conhecer os resultados. E minha primeira pergunta era sempre a mesma: ‘como saiu o San Lorenzo?'”. Mas seria o Boca mesmo o destino seguinte do astro. Segundo folclore alimentado por ele próprio, os italianos lhe apelidaram de “Pé de Veludo” por acariciar a bola ao invés de batê-la, mas ele não se via ambientado plenamente onde “não tinha corrida de cavalos”.
Já o TuttoJuve forneceu versão de que a insatisfação com a vida em Turim teria partido da esposa do craque, assim descrito: “um cara tímido, dois olhos muito negros, úmidos e voz de barítono, sempre ri e se faz entender por todos em um italiano meio aleijado. (…) Como poucos outros graciosos, coloca todas as defesas em dificuldade, seus arremessos são milimétricos, suas fintas, seus gols são perfeitos, na hora, com toques precisos ou com chutes de todas as posições. Mezz’ala direito de pura classe, um virtuoso da bola, sabe driblar com um lenço e seus arremessos milimétricos fazem Boniperti ou John Hansen marcarem avalanches de gols. Quando surge a oportunidade, no entanto, ele prova ser tão bom quanto os artilheiros companheiros seus de equipe. É seu o gol decisivo com que a Juventus superou o Milan em San Siro, em 2 de outubro de 1949″. Outra tarde recordada foi a da tripleta sobre o Venezia: “o comentário do vice-presidente Giordanetti no dia seguinte é sucinto: ‘quem não viu Martino na segunda parte ontem em Veneza não tem ideia dos limites que pode atingir a arte de um ás do futebol'”.
Diante do interesse de um gigante argentino disposto a pagar-lhe no mesmo patamar que recebia no calcio, o astro topou voltar ao Rio da Prata – fulminando a probabilidade de ir à Copa do Mundo de 1950 pela Azzurra (tempos em que o Mundial, ainda em sua quarta edição, era subestimado, vale dizer: a própria Argentina abrira mão de 1938, se ausentara das eliminatórias de 1950 e as classificadas Índia, Turquia e Escócia desistiram de vir). Ironicamente, ele só pôde voltar aos gramados bem depois do Maracanaço. A data-limite para regularizar novas contratações no campeonato argentino já havia passado e o meia-esquerda foi então emprestado ao Nacional, com quem a diretoria auriazul mantinha amizade. Ele enfim estreou já em 30 de setembro na liga uruguaia, contra o Rampla, sem produzir muito. Demorou mesmo para engrenar. Mas não foi essa a impressão que ficaria. Martino viraria centroavante, suplantando outro argentino, Atilio García, simplesmente o maior artilheiro do futebol uruguaio e outro presente boquense aos tricolores.
“Atilio García foi o jogador de maior incidência, o de maior peso ao largo da história, mas o melhor jogador, o de mais qualidade, foi Rinaldo Martino. E vi a todos… Martino foi, de longe, o melhor”, atestou o dirigente Hernán Navascués à edição especial que a revista El Gráfico dedicaria em 1999 ao centenário do Nacional. O craque, por sua vez, em depoimento publicado em seu perfil no livro Héroes de Nacional, relembraria que “quando cheguei, me disseram que a parada era difícil, porque o Peñarol tinha uma equipe excepcional. Mas creio que a base daquela esquadra era a conjunção de vontade e de desejos que todos aportamos. Foi um campeonato notável, porque havia que lutar até o final para curvar o Peñarol e por isso a consagração adquiriu uma maior transcendência”. Afinal, o Peñarol havia sido a base do Uruguai campeão mundial, fornecendo oito titulares da Celeste.
Ainda assim, perdeu o título em um jogo-desempate ao fim de um campeonato equilibradíssimo entre a dupla. O título uruguaio serviu para Martino igualar-se a José Manuel Moreno como craques campeões nacionais em três países, e também a Raimundo Orsi (outro campeão de Serie A com a Juventus que também pôde ser campeão argentino – com o Independiente – e uruguaio – com o Peñarol -, além de aparecer em título carioca com o Flamengo em tempos pré-Brasileirão). Moreno, mais tarde, se isolaria ao acrescer um título colombiano com o Independiente Medellín, detendo um recorde mundial de modo exclusivo até os globalizantes anos 90 – a banalizarem com a Lei Bosman uma façanha já alcançada entre os argentinos até mesmo por Gabriel Heinze. Martino e Orsi tinham um diferencial: seus títulos se deram em três países campeões mundiais, algo do que ele ainda se orgulhava em 1997. A inexistência de Libertadores ou Liga dos Campeões também valorizava mais taças nacionais como ápice.
Quanto à conquista uruguaia, Martino, em outras palavras do Héroes de Nacional, relatou que “não sou inclinado a elogios desmedidos, nem a baques emocionais. Não fui nunca. Mas não vacilo em afirmar que aquele 1950 foi para mim inesquecível e exponho minhas razões: vim jogar no país campeão do mundo, que recentemente havia forjado uma façanha talvez nunca igualada, porque tive a satisfação de ver-me rodeado de grandes jogadores e melhores pessoas, porque conseguimos sair campeões ante um rival com elementos excepcionais, desses que de vez em quando aparecem, enfim. Que veio depois? Como estava emprestado, devia voltar ao Boca. Mas retornei por muito pouco tempo, porque o Nacional, convencido de que lhe servia, procurou meu passe”.
Boca e São Paulo: declínio
Sua estreia pelo Boca deu-se numa folga com o Nacional: foi ainda em 30 de outubro de 1950, em amistoso com o Chacarita, até marcando gol. Após o título no Uruguai em 1950, fez sua segunda exibição pelos xeneizes em 7 de janeiro de 1951, agora aparentemente reincorporado em definitivo como azul y oro. Mas permaneceria apenas até agosto. Martino pudera fazer uma pré-temporada razoável (seis gols em 14 amistosos), mas sofreu com um jejum de gols no campeonato. No Boca, Mamucho foi poco: demorou até a quarta partida pelo campeonato de 1951 para marcar, com dois diante do Platense; e só voltaria a fazer outro gol três jogos depois – justamente o único em triunfo diante do velho San Lorenzo, comemorando efusivamente como quem se livrasse de cobranças. Mas não fez mais nos oito jogos seguintes. A diretoria auriazul, que ainda devia dinheiro à Juventus, preferiu ceder em definitivo ao Nacional o craque e seus custos de transferência junto aos italianos.
O Peñarol terminaria campeão de 1951, mas o argentino voltou a brilhar em pleno Superclásico: o Nacional se encheu de esperanças graças ao ídolo, que anotou simplesmente os três gols em um 3-2 no qual o rival chegou a estar vencendo por 2-1. O último, uma obra de arte nos acréscimos: “foi um escanteio que veio das tribunas Olímpica e Amsterdã. O cruzamento aberto caiu no peito do maestro, que estava quase de costas ao arco, no limite da área e ligeiramente perfilado até a esquerda. Entre uma rede de homens, viu Máspoli adiantado e então deixou cair a bola e antes que chegasse ao chão, a tomou de direita, no peito do pé. Levantou-a por sobre toda a defesa do Peñarol, mandando-a em queda, dormida, sobre o ângulo direito”, descreveu El Libro de Oro de Nacional, fascículo n. 12.
Foi seu canto do cisne. Martino saiu antes do fim da campanha novamente campeã em 1952. O novo centroavante argentino do Nacional passaria a ser Héctor Rial, futura estrela do Real Madrid de Alfredo Di Stéfano (Di Stéfano que, por sua vez, também conseguiu títulos em três países, como o Mamucho). Já fisicamente decadente, mas ainda renomado, apareceu no início de 1953 no São Paulo, que testaria a qualidade do veterano no Torneio Rio-São Paulo para decidir se o contrataria em definitivo para o estadual. Foi o ano em que o clube teve, por sinal, um recorde de estrangeiros, todos argentinos: Gustavo Albella, Eduardo Di Loreto, Juan José Negri, Nicolás Moreno, José Poy e o técnico Jim Lopes, além de Martino – aguardado como um “novo Sastre”, diante da qualidade que aquele craque pudera apresentar nos anos 40 mesmo já veterano.
A equipe do Canindé (que era o Tricolor, a erguer o Morumbi apenas no fim da década) seria mesmo a campeã estadual de 1953, mas desde o início já sem contar com o medalhão, cujo mau desempenho no Rio-São Paulo ensejou sua não efetivação; sua malfadada trajetória são-paulina foi detalhada neste perfil do site Jogos do São Paulo, do especialista Alexandre Giesbrecht. Curiosamente, o ex-colega Pontoni, também em frangalhos, não vingara tanto na Portuguesa, naquele mesmo ano. Martino voltaria rapidamente ao Uruguai, mas para defender naquele 1953 o modesto Cerro. Ele ainda vestiria em 1955 a camisa do Vélez, mas só no campeonato argentino de equipes B. E apareceu esporadicamente nas divisões inferiores pelo Deportivo Riestra.
Ao contrário de Gerardo Martino, nunca quis ser técnico: após a carreira, abriu a casa de tango Caño 14, em funcionamento até os anos 80. Mas nunca desligou-se do futebol: dedicou-se em paralelo à associação de ex-jogadores do San Lorenzo e virou aquele típico comentarista de posições saudosistas (já nos anos 60), chegando ao cúmulo de declarar às vésperas da Copa de 1986 como um descrente na seleção e que Maradona não seria tão fenomenal assim. Em 1997, se continha mais, mas não tanto: “nunca é bom fazer comparações e menos quando alguém foi protagonista. Eu sim posso dar fé que se jogava para ganhar: íamos a campo pensando nos gols que podíamos fazer, nunca nos que podíamos receber. E os defensores também tratavam de divertir-se com a bola nos pés. Você sabe o que foi Moreno? Moreno foi o maior que houve no futebol argentino”.
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