Como informamos, nos últimos dias veio a público a notícia de que havia um projeto para mudar o sistema de disputa do campeonato argentino. Ao invés de dois torneios por ano com 20 participantes, teríamos um campeonato único de 30 equipes ao longo do ano. A proposta vem da presidência da AFA, e deve ser aprovada na próxima terça-feira. O diário Olé, em sua edição de hoje, traz com exclusividade detalhes da nova competição.
Segundo o jornal, o torneio teria 30 rodadas: todos jogariam contra todos em turno único, e haveria uma rodada extra, repetindo os clássicos. A competição começaria apenas em 2015, abandonando o calendário europeu, sendo realizada ao longo do ano. No próximo semestre haveria uma transição. Os acessos e descensos ocorreriam normalmente em todas as divisões. E os 20 clubes da primeira divisão jogariam um torneio curto, nos moldes dos que vem ocorrendo há mais de 20 anos, mas sem descenso.
Os dez clubes restantes da primeira divisão viriam de B Nacional. No próximo semestre as 22 equipes dessa divisão seriam divididas em dois grupos de 11, cada um dos quais classificaria 5 equipes, que se juntariam às 20 da primeira divisão para formar o campeonato com 30 equipes. A nova competição teria apenas dois descensos, ambos por promédio, tornando muito mais simples para uma equipe permanecer na elite: atualmente caem 3 de 20 equipes (15%), enquanto no novo formato, caindo 2 de 30, apenas 6,6% dos clubes seriam rebaixados.
A classificação para as copas continentais seria alterada. Para a Libertadores se classificariam os campeões do Nacional e da Copa Argentina, o melhor colocado na Sul-Americana e dois se classificariam em uma “liguilla”, ou seja, torneio curto entre as melhores equipes do campeonato que não se classificaram para a Libertadores. Para a Sul-Americana iriam o campeão da Supercopa Argentina e mais cinco também viriam de uma liguilla.
O documento obtido pelo Olé aponta três razões para a mudança. O primeiro é que torneios mais longos diminuiriam o imediatismo vigente, um bom argumento, já que os torneios curtos são muito criticados exatamente por isso. O segundo é a necessidade de ampliar a representação das províncias na elite, já que atualmente apenas 4 das 23 estão representadas (Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba e Mendoza). O terceiro é (PASMEM!) o conselho de marqueteiros brasileiros. Segundo o documento, os especialistas brazucas teriam argumentado que se pode vender melhor torneios com números mais altos. Em um campeonato com 30 rodadas ao invés de 19, as estatísticas (gols marcados, etc.) seriam mais altas, tornando o produto mais valorizado.
Alguns têm atribuido a mudança ao desejo de ajudar o Independiente a retornar a elite, caso isso não ocorra na atual temporada (uma possibilidade muito real). Me parece uma análise muito ingênua. Julio Grondona cresceu como hincha do Rojo, mas nunca foi dirigente de se guiar por razões afetivas. O pragmatismo e a análise calculista sempre foram sua marca. De fato interessa à AFA que o gigante de Avellaneda volte à elite, mas dificilmente se mudaria toda a estrutura do futebol nacional só por isso. Ainda mais em um país repleto de escândalos de arbitragem, em que fabricar resultados não é nada impossível, ainda mais para a AFA.
A chamada “federalização” sem dúvidas é um elemento essencial. A cidade e a província de Buenos Aires assumiram nos últimos anos um papel mais central do que nunca no futebol argentino. As províncias perderam muito de sua representatividade, e isso tem deixado descontentes muitos dirigentes do interior. O maior opositor de Grondona, Daniel Vila, é proprietário do segundo maior império de comunicação da Argentina (só perde para o Clarín), a maior parte de seus veículos está no interior, e Vila utilizou isso para criticar violentamente a AFA por pensar apenas em Buenos Aires e seu entorno, deixando as províncias à míngua. Um campeonato nesse formato aumentaria bastante a representação do interior, e neutralizaria a maior bandeira do líder da oposição à Grondona.
Assim, que ninguém se iluda. A ideia não é ajudar ninguém além do próprio Julio Grondona. O manda-chuva não se mantém o cargo há 35 anos por se preocupar com atletas, dirigentes e instituições, mas por nortear cada ato pela intenção de jamais deixar o poder. Grondona percebeu que os torneios curtos haviam se tornado alvo de muitas críticas, e que seu flanco exposto era a falta de participação dos clubes do interior na primeira divisão. E bolou um plano para matar os dois problemas de uma vez só.
Os clubes, como sempre, votarão conforme o desejo do chefe. O grande empecilho até agora tem sido o governo federal, principal parceiro da AFA em termos financeiros. Em um contexto de crise, moeda desvalorizada e inflação fora do controle, o governo tem se mostrado relutante em aumentar a verba destinada ao Futbol para Todos, programa no qual a Casa Rosada compra a transmissão dos direitos de transmissão das partidas do futebol local. Contornado esse problema, dificilmente a ideia de Grondona não se transformará em realidade.
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