“Aquele gol de Pontoni!”, lembrou, saudoso, o Papa Francisco em carta uma semana depois do fim de seu conclave aos dirigentes de seu San Lorenzo do coração que lhe visitaram no Vaticano. Um dos maiores centroavantes sul-americanos e prejudicado pela falta de Copas do Mundo nos anos 40, René Alejandro Pontoni será lembrado aqui, na data em que se completam 30 anos de sua morte.
Nascido em 18 de maio de 1920, fez carreira em sua província natal de Santa Fe antes de brilhar no time de Sua Santidade. Em 1934, passou a dividir o tempo entre a ajuda no sustento caseiro com a mãe e os quatro irmãos (o pai falecera sete anos antes) e os treinamentos nas categorias de base do Gimnasia y Esgrima de Santa Fe. O apelido de Huevo (“ovo”) não surgiu pela raça, sentido que a palavra também tem na Argentina, mas porque era ele o encarregado de arranjar ovos para os Pontoni.
Dos amadores do GESF, René chegou à seleção santafesina; no campeonato provincial, chamou a atenção dos clubes mais fortes da província, a dupla rosarina Newell’s Old Boys e Rosario Central, além de Boca Juniors e Peñarol, embora ele também precisasse cumprir o serviço militar. Um dirigente do NOB o convenceu ao conseguir transferi-lo para um regimento em Rosario e neste clube o jovem apareceu em 1941 para o futebol profissional.
No primeiro treino, marcou três vezes. A estreia profissional foi goleando logo o San Lorenzo: 5-1, com gol dele. Também saiu-se bem nos primeiros clássicos contra o Central: no primeiro, fez o gol da vitória leprosa, e no segundo, fez dois nos 5-0 que rebaixaram o arquirrival naquele ano, ao passo que os rubro-negros terminaram em excelente terceira colocação.
No ano seguinte, em 1942, Pontoni estreou pela seleção argentina, contra o Uruguai. Outro estreante foi sua futura dupla, Rinaldo Martino, do San Lorenzo. O resultado foi um demonstrativo da boa parceria que fariam: Martino marcou um e Pontoni, dois, na goleada por 4-1. O centroavante titular da época, contudo, era Adolfo Pedernera, do River Plate.
Pontoni só foi ganhar mais sequência na Albiceleste após transferir-se ao San Lorenzo, ao fim de 1944. Deixou o Newell’s após 72 gols (cinco deles, no clásico rosarino) em 118 jogos para fazer 66 em 106 no novo clube; na época, os números pelo NOB lhe faziam o maior artilheiro profissional ali. Hoje, é o sétimo, mas ainda possui a mais alta média de gols por partida na equipe do Parque Independencia. Pela seleção, ele tem a segunda mais alta dentre aqueles que jogaram mais de dez vezes: foram 19 gols em 19 jogos (o recorde é de Herminio Masantonio, com 21 gols em 19 jogos).
Chamado para a Copa América de 1945, foi convencido pelo colega Martino a assinar com o San Lorenzo, com o negócio sendo firmado na própria Santiago. Naquele ano, ambos fizeram cada um 11 gols pela seleção, marca anual só derrubada por Batistuta em 1998 e Messi em 2012. Na Copa América, foram 4 em cinco jogos e a Argentina abocanhou o primeiro dos três títulos que ganhou em sequência na competição, ainda um recorde dela. Falamos mais aqui.
Pontoni foi um dos cinco presentes em todo o tri continental, nas edições de 1945, 1946 e 1947, ainda que fosse mais titular na primeira e na última (o concorrente Pedernera fora o escolhido para 1946), na qual deixou inicialmente no banco outro centroavante do River, Alfredo Di Stéfano. Em 1946, além de campeão sul-americano, também o foi nacionalmente.
O San Lorenzo já entrava no 13º ano de jejum e, embalado pelo trio ofensivo Armando Farro-ele-Martino, marcou 90 gols em 30 jogos (o Papa disse ter visto todos os disputados em casa) para deixar para trás a dupla Boca-River, que havia disputado o torneio entre si nas três edições anteriores. O Terceto de Oro sanlorencista levou a melhor sobre a mais célebre linha ofensiva da época: Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Pedernera, Ángel Labruna e Félix Loustau, o ataque de chamada La Máquina riverplatense, que voltava a se reunir após dois anos em que Moreno esteve no futebol mexicano.
“O mais destacado de tudo é que se tocava a bola com velocidade. O passe era curtinho, mas veloz, quase de primeira, sobretudo quando já passávamos os três quartos do campo. Faço uma comparação: La Máquina do River foi o melhor que vi como futebol puro, mas com um toque de bola mais pausado (…), enquanto nós, embora a tocássemos mais curta, imprimíamos mais velocidade, mais surpresa. Essa era a nossa chave, matávamos”, comparou.
O clube resolveu comemorar o título com uma excursão por Espanha e Portugal, marcando 41 gols em 8 jogos, com o clímax nos 6-1 sobre a seleção espanhola. Josep Samitier, antigo ídolo de Barcelona e Real Madrid e que trabalhava como acessor técnico do time catalão, ofertou um cheque em branco por Pontoni, que retrucou: “Não posso decidir isso, fale com o presidente”. O dirigente sanlorencista logo refutou: “é impossível. Se o vendo, os sócios me matam quando voltarmos a Buenos Aires”.
Em 1947, Pontoni marcou 23 vezes em 27 jogos, mas o CASLA ficou só em 5º. Mantinha o nível em 1948, mas, em jogo contra o Boca, lesionou o joelho após choque com o adversário Rodolfo Dezorzi, lembrado com bom humor – uma semana depois, Dezorzi chegou ao mesmo hospital, fraturado: “me vinguei dessa forma: enquanto estivemos internados, o obriguei que me preparasse mate todos os dias”.
Embora já não fosse o mesmo, foi um dos vendidos ao Eldorado Colombiano, que atraiu diversos argentinos (seduzidos pelos altos salários em meio à greve que organizaram em 1948 contra as más condições na Argentina) e outros sul-americanos na virada para os anos 50. Seu clube, o Santa Fe, inclusive fez um inglês, Charlie Mitten, deixar o Manchester United. O grande time da época, contudo, foi o rival Millonarios, onde estavam Di Stéfano, Pedernera e outros da Albiceleste.
O Eldorado ruiu em 1953, data prevista pelo acordo com o qual tratara com os clubes de origens de seus astros – tais equipes, descontentes por nada receberem pela saída destes (já que a liga colombiana estava fora de jurisdição da FIFA, que a banira por conta das transferências acima do teto permitido pela entidade), haviam estabelecido um limite até aquele ano. Antes de voltar, Pontoni passou um tempo na Portuguesa. Já com 33 anos, deixou 5 gols em 17 jogos pela Lusa, 4ª colocada no Paulistão.
Em 1954, concluiu seu passo pelo San Lorenzo. Já decadente, destacou-se mais ensinando o jovem José Sanfilippo, futuramente o maior goleador do clube. Também tornou-se ídolo para Carlos Bilardo, técnico campeão mundial em 1986 e então nas categorias de base cuervas. Pontoni ainda trabalhou como técnico interino em 1955 e 1962, mas preferiu dedicar-se à La Guitarrita, pizzaria que abriu com o concunhado e ex-colega de seleção Mario Boyé (outro dos cinco presentes naquele tri da Copa América). A quatro dias de completar 63 anos, foi vitimado por um ataque cardíaco.
Um dos últimos reconhecimentos em vida veio em 1975, eleito para o “time dos sonhos” pela El Gráfico: Amadeo Carrizo; Carlos Sosa, Roberto Perfumo, Rafael Albrecht, Silvio Marzolini; Moreno, Néstor Rossi; Omar Corbatta, ele, Martino e Loustau. A revista, ao lançar em 2011 edição especial sobre os cem maiores ídolos da seleção, escreveu sobre ele que “se se unissem os conceitos de elegância, precisão e contundência, provavelmente no dicionário apareceria René Pontoni. (…) Era goleador, com cifras impressionantes, e (…) era inteligente e criativo, capaz de elaborar dezenas de jogadas por partida”.
(Obrigado, site do Milton Neves, por kibar esta matéria)
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