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Quedas e ascensões do Huracán: uma rotina de 30 anos

Mohamed com a massa: sua cabeça fez o gol do acesso naquele 19 de maio de 1990. “El Turco” também treinaria o time que subiu em 2007

Quatro anos de espera foi o tempo excessivo suportado até 19 de maio de 1990 pela apaixonada torcida do Huracán. Excessivo porque o poderoso clube dos anos 70 ainda possuía banca unânime de “sexto grande”, mas vinha desde 1986 na segunda divisão argentina. O rival San Lorenzo e outro gigante, o Racing, já haviam experimentado o rebaixamento antes do clube do bairro de Parque de los Patricios, mas demoraram menos tempo (uma só temporada ao Ciclón e duas à Academia). Há 30 anos, enfim, os quemeros celebravam por antecipação a sua volta. Gatilho para lembrarmos não só aquela, mas todas as outras vezes em que o time recuperou-se de suas literais recaídas.

1912 e 1913

Quando o Huracán completou seus cem anos oficiais, em 2008, a revista El Gráfico publicou uma edição especial sobre o clube do bairro de Parque de los Patricios. Uma das seções era voltada aos acessos do time, sob o título “sabe subir, por alguma razão é o Globo”. Em espanhol, Globo significa balão e virou o apelido huracanense por conta do balão chamado coincidentemente de El Huracán. Jorge Newbery, pioneiro da aviação argentina, causara sensação ao manobra-lo em um voo que cruzou Argentina e Uruguai até pousar na brasileira Bagé.

O clube já existia, mas solicitou a Newbery uma autorização para usar como novo distintivo a figura do balão. Ele foi designado membro honorário sob essa expectativa, reforçada pelo seu lado multiesportista (com títulos de boxe e participação no primeiro time argentino de rúgbi de fora da comunidade britânica, o da Faculdade de Engenharia). A resposta: “tive o agrado de receber sua muy atenta nota com data 3 do atual (mês) na qual se serve me comunicar que fui nomeado delegado honorário deste Centro. Ao agradecer a distinção de que sou objeto, dou minha conformidade, já que se serve você solicitá-la, para usar o distintivo que menciona, esperando que o team que o levará sobre o peito saberá fazer as honras correspondentes a esse balão que em um voo cruzou sobre três Repúblicas”.

É sob o mecenato de Newbery que virá a mudança para Parque de los Patricios. Era naquela zona mal afamada pelas inundações, pelas rãs e pela queima de lixo, que renderia as alcunhas de Quema ao bairro e de quemeros a seus habitantes, que havia terreno disponível para servir de campo nos padrões oficiais da liga argentina. Foi arranjado na avenida Almafuerte (atual Avenida Arena), entre Pedro Chutro e Los Patos, por um entusiasmado Newbery, usando suas conexões com a prefeitura por ser diretor de iluminação pública.

Ainda faltava alguns outros requisitos, “contornados” após Newbery usar do seu prestígio (tamanho que o blindava de vaias dos conservadores após ter escrito leis de segurança trabalhista com seu amigo Alfredo Palacios, primeiro deputado socialista eleito nas Américas) ao conversar com Hugo Wilson, presidente da liga. Assim, após anos restrito a jogos de rua e uma rejeição inicial da associação argentina em admiti-lo em 1911, em 1912 o Huracán enfim foi aceito por ela, inscrito na terceira divisão. O acesso veio apenas por chegar à final, após eliminar na semi o Alumni de Olivos por 6-1. Perderia pelo mesmo placar na decisão, contra o time B do Boca. Mas como o Boca já tinha equipe na segunda divisão, o acesso aos quemeros já estava garantido.

O Huracán em 19 de maio de 1990. O primeiro em pé é o capitão Héctor Cúper. À sua frente, Mohamed

Um ano depois, uma história similar; em pleno natal de 1913, se atravessou recordadas semifinais (3-1 de virada no estádio do Racing sobre o Gimnasia y Esgrima de Flores, com Martín Salvarredi de talismã ao empatar a nove minutos do fim do tempo normal e por dar a assistência ao desempate de Laurenzano já no segundo tempo extra) para garantir o acesso por antecipação. Pois o outro finalista era outro time B de um clube que já tinha time principal uma divisão acima, o Ferro Carril Oeste.

O segundo jogo contra o Ferro B (o primeiro terminou em 1-1 após prorrogação e forçou jogo-extra) foi perdido por 2-0, mas nada que estragasse o festejo dos huracanenses, que em telegrama assim informaram a seu maior apoiador: “cumprimos. O Club Atlético Huracán, sem interrupção, conquistou três categorias, ascendendo à Primeira Divisão, tal como o balão que cruzou três repúblicas”.

Newbery esteve vivo para celebrar o acesso final, mas não para ver o time na elite: querendo impressionar com piruetas algumas damas em solo de Mendoza, manobrou mal seu avião e estatelou-se nas montanhas andinas em 1º de março de 1914, a 28 dias da estreia na elite. No dia 29, o time ganhou por 4-2 sobre a própria equipe principal do Ferro, mas a homenagem maior veio no segundo jogo, em 5 de abril: 10-1 sobre o Comercio, até hoje a maior goleada favorável ao Globo. O San Lorenzo, vale lembrar, ainda demoraria mais um ano para estrear na primeira divisão.

1990

Os primeiros títulos da dupla na elite vieram nos anos 20, com três para os azulgranas e quatro para os quemeros, que tinham consigo o primeiro artilheiro das Copas do Mundo (Guillermo Stábile) e o autor do primeiro gol olímpico (Cesáreo Onzari). A nova década viu irromper o maior artilheiro do Huracán, o centroavante Herminio Masantonio, até hoje também o cara com melhor média de gols da seleção dentre os que defenderam a Albiceleste mais de dez vezes: anotou 21 em 19 jogos. Mas nem ele impediu o início de um largo jejum na liga.

Em meados dos anos 30, ao definir que certos times teriam maior peso nos votos, a AFA usou três critérios cumulativos. O Huracán cumpria dois (20 anos seguidos na primeira divisão e ao menos dois títulos na elite). Mas, embora tivesse mais taças que River e Independiente, donos exatamente de cravados dois troféus até aquele momento, o Globo não cumpria o critério de mínimo de 15 mil sócios. Os outros dois clubes, sim, bem como o San Lorenzo, o Boca e o Racing, que sedimentaram a noção de “cinco grandes” especialmente também por não permitirem intrusos campeões entre 1930 e 1966.

O cabeceio de Mohamed e a invasão quemera no estádio do Los Andes

Ao Huracán, restou o posto moral de “sexto grande”, que seria oficializado na própria AFA em meados dos anos 40. Embora nunca tenha ido além do 3º lugar, as boas campanhas contínuas  embaladas pelos três maiores carrascos da seleção brasileira atuando juntos (o próprio Masantonio, que fez 6 gols; Norberto Méndez, maior artilheiro da Copa América, com 5; e Emilio Baldonedo, com 7, só perdendo no clássico para os 8 de Pelé) fizeram o número de sócios explodir. Já eram 23 mil em 1945, quando só haviam quinhentos a menos que o Boca. Mas sem o trio no fim da década e sem também o foguete Alfredo Di Stéfano, o clube lutou pela primeira vez para não cair em 1949, escapando muito por conta de uma arbitragem favorável contra o Lanús, e em 1950.

Após passar estagnado nos anos 50 e nos 60, o time recobrou força nos 70, encerrando em altíssimo estilo em 1973 o seu jejum de 45 anos na liga, chegando às semifinais da Libertadores em 1974 e a dois vices argentinos em 1975 e 1976. Futebol vistoso que ecoaria na seleção de 1978, onde só o River tinha mais representantes na seleção que o Globo. O próprio treinador César Menotti era um, bem como os volantes Osvaldo Ardiles e Omar Larrosa (já atleta do Independiente), o goleiro reserva Héctor Baley e o ponta René Houseman, àquela altura o recordista de jogos pela seleção. E haveria mais um se Jorge Carrascosa, nada menos que o capitão da Albiceleste, preferisse deixar a delegação, descontente com seu uso pela ditadura.

O San Lorenzo, do seu lado, até foi mais vitorioso nos anos 70 tanto na liga (três títulos) como nos clássicos, mas não capitalizou direito e já em 1979 perdeu o próprio estádio antes de ser o primeiro gigante rebaixado, em 1981. O Racing, já historicamente marcado pela bagunça institucional, vivendo de ciclos de boas gerações, caiu em 1983. O Huracán pôde realçar a grandeza pelo fator incaível até a temporada 1985-86, onde começou com a corda no pescoço com o promedio de quem fora antepenúltimo no torneio anterior. E o roteiro foi especialmente cruel, pois no segundo turno o time conseguiu uma reação notável contra uma queda anunciada, capaz de fazer o ponta Claudio García integrar a seleção na preparação à Copa – ainda que seu temperamento impedisse a convocação.

Uma vitória na rodada final no clássico com o San Lorenzo evitaria o desgosto. O 1-1 não decretou a queda, mas ainda permitiu uma sobrevida de uma repescagem contra os melhores de uma seletiva da segundona. E nela o Globo pôde ir eliminando um a um até o compromisso final, tirando do caminho Lanús e Los Andes. Mas, nos pênaltis e exatamente em pleno desenrolar da Copa do Mundo, deu Sportivo Italiano, um time nunca visto na elite antes. José Toti Iglesias, ele próprio ex-San Lorenzo e com passagem pelo Barcelona B, fez 36 gols em 42 jogos na temporada 1986-87 da Primera B. O Huracán teve a mesma pontuação do vice Banfield, mas o acesso direto só era dado ao campeão, o Deportivo Armenio. Entre o 2º e o 9º lugar haveria um mata-mata pela segunda vaga.

O Globo caiu na semifinal, em 2-1 agregado para o Belgrano – e perdeu Totigol para o Racing. O mesmo regulamento imperou na temporada 1987-88, a ter como campeão o Deportivo Mandiyú e o Huracán apenas em 7º. Novamente, o limite foram as semifinais, contra o Chaco For Ever. O 1-1 agregado premiou a melhor campanha adversária na fase regular. A temporada 1988-89 foi a primeira em que o time esteve perto do título e do acesso direto, com três pontos de diferença para aquele Chaco For Ever. 4º colocado, dessa vez caiu ainda nas quartas-de-final, perdendo os dois jogos contra o Colón. A sina de seguidas decepções contra times historicamente inferiores enfim terminou na temporada 1989-90.

Mudanças de patamar: ainda visto como sexto grande pela imprensa nas imagens de 1990 e de 1992, o Huracán já aparecia substituído pelo Vélez na foto de 1995

O time já tinha consigo seu maior ídolo dos tempos de decadência, o atacante Antonio Mohamed. Outras figuras eram sua dupla Sergio Saturno, o volante Fernando Quiroz e o veterano xerife Héctor Cúper. O reforço estava no cargo de técnico, ocupado por Carlos Babington, ex-meia do timaço dos anos 70 e integrante da seleção na Copa de 1974. Sob El Inglés Babington, La Quema esteve invicta em casa, venceu 24 jogos, empatou 12 e só perdeu 6 na campanha, garantindo o título e o acesso na penúltima rodada. El Turco Mohamed marcou aos 5 minutos do segundo tempo o único gol de uma partida só encerrada nos tribunais: furiosos, os torcedores adversários do mandante Los Andes interromperam os festejos alheios e o jogo aos 40 minutos.

A volta olímpica, ao menos para Mohamed, acabou se dando em torno do Carrefour onde até 1979 se localizava o estádio do rival San Lorenzo.

2000

Mohamed logo chegou à seleção e, embora torcedor fanático do Huracán, também não tardou a jogar para maiores vitrines feito o Boca e o Independiente. O clube tardou até o Clausura 1994 a brigar pelo título. Héctor Cúper agora era o treinador de um time operário, embora o goleiro Marcos Gutiérrez, o zagueiro-artilheiro Pedro Barrios, os volantes Hugo Morales e Víctor Delgado e os atacantes Walter Pelletti e Jorge Cruz-Cruz se convertessem em ídolos históricos. Calhou de a rodada final reservar um duelo direto na casa do concorrente Independiente – que, ironia, era treinado por Miguel Brindisi, outro ídolo quemero dos anos 70, e que tinha no gol um célebre torcedor huracanense chamado Luis Islas. Os visitantes jogavam pelo empate, mas caíram de 4-0.

Ainda em 1995, o rival ganhou de 5-0 o clássico, até hoje a maior goleada de uma das rivalidades mais desparelha do futebol argentino. No Apertura 1996, o time já foi penúltimo, o que se repetiu no Apertura 1997. No Clausura 1998, antepenúltimo, o que se repetiu no Apertura. A queda ao fim do Clausura 1999, onde foi lanterna com jogadores sem receber por dois meses, sacramentou-se com incríveis seis rodadas de antecedência. Houve tentativas judiciais em vão de anular a queda, assegurada duas semanas antes do falecimento do desgostoso velho ídolo Baldonedo. Comandante em 1990, Babington fora sondado como bombeiro.

O Globo nunca se recuperou. Quatro dias depois, via o Vélez vencer a Libertadores e entrar de modo contundente pela briga de sexto grande – e, diferentemente de Estudiantes (rebaixado naquele 1994), Rosario Central ou Newell’s, manter uma assiduidade maior em novas conquistas para reforçar sua concorrência. Se àquela altura o jejum do Huracán e do San Lorenzo eram similares, com o Globo sendo viúvo de 1973 e o Ciclón contando os anos desde 1974, o vizinho tratou de resolver sua seca ao vencer o Clausura 1995. Para o desespero dos secadores, começou a rodada final na vice-liderança, mas venceu fora de casa o Rosario Central e viu o líder Gimnasia LP cair dentro de La Plata para um time misto do Independiente.

Gastón Casas, o artilheiro da segunda divisão de 1999-2000

El Inglés não impediu o inevitável, mas seguiu para nova jornada na Primera B. Dos “seis grandes” dos anos 40, o Huracán foi o primeiro e ainda único a cair duas vezes. Mas tratou de ser mais rápido na recuperação. Na temporada 1999-2000, a AFA deliberou que os 18 times da Grande Buenos Aires e Rosario (cidade representada pelo Argentino e pelo Central Córdoba) formassem um grupo e outros 16 times do interior adentro, outro. Os dois líderes de cada chave fariam semifinais e final pelo título e única vaga direto de acesso. E o Huracán começou já com um 5-1 no Deportivo Español, que só pôde segurar-se no tapetão, levando os pontos pela escalação irregular de Héctor González.

O Globito recuperou-se com cinco vitórias seguidas a partir da terceira rodada, distanciando-se desde o início do resto e não arredou o pé nas rodadas finais, com um 6-0 no All Boys e um 5-0 no Argentino de Rosario. Liderou seu grupo com 64 pontos enquanto o líder da zona do interior, o Atlético de Rafaela, estacionara nos 51. A melhor campanha disparada serviu nas semifinais. Foi por ela e não pelo critério do gol fora de casa que os quemeros avançaram com sustos; venceram nos Andes por 2-1 o San Martín de Mendoza, mas caíram em casa por 1-0.

As finais foram contra o Quilmes e novamente o líder saiu-se melhor fora da pressão caseira. Ganhou de 1-0 na casa rival, mas via o Cervecero (que tinha como treinador Ricardo Rezza, ídolo histórico sanlorencista) devolver o placar no palácio Ducó com um gol nos acréscimos do primeiro tempo. Mas os visitantes então perderam Lenguita pelo segundo amarelo aos 28 do segundo tempo e Domínguez, autor do gol, viu diretamente o vermelho aos 37.

Àquela altura, Fernando Di Carlo já saíra do banco. Aos 44 do segundo tempo, ele pôs entre as pernas do goleiro para assegurar um título a emocionar Fernando Moner e Fabián Carrizo, reforços com passado azulgrana. Era o time também dos gêmeos Diego (ponta) e Rodolfo Graieb (lateral), do atacante Derlis Soto e do goleador Gastón Casas, que teve três hat tricks na campanha – além de marcar o do triunfo no jogo de ida, juntando 30 gols. “Fomos duas vezes campeões: uma no torneio e outra, nas finais”, destacou Babington, o remanescente do acesso de 1990.

Ao meio, Carlos Babington, comemora como técnico em 2000. Também foi o treinador em 1990 e o presidente em 2007

2007

O 4º lugar no Clausura 2002, sob regência dos pratas-da-casa Daniel Montenegro e Lucho González, foi um oásis de más campanhas quemeras na volta à elite. O time, então treinado pelo outrora ídolo Miguel Brindisi, fora penúltimo no torneio anterior e, perdendo González ao River e Montenegro ao Independiente, via o Rojo ser campeão do Apertura 2002 e o Millo faturar o Clausura 2003 enquanto terminava em último nesses dois torneios. Babington ainda foi chamado para ser técnico no Apertura, mas não salvou a lavoura, que somou uma única vitória em todo o Clausura e viu-se rebaixada com quatro jogos ainda restantes.

A queda veio em um 4-0 para o Boca dentro de casa, onde já havia levado de 6-0 do River e até um 3-0 do Unión. Sofrimento pouco é bobagem: na rodada seguinte após a queda, novo 4-0. Agora na visita ao San Lorenzo. Dessa vez, foi preciso esperar outros quatro anos, tal como entre 1986 e 1990. A temporada 2003-04 dividiu-se em Apertura e Clausura, com seus líderes travando uma final e uma intrincada fórmula que considerava para o mata-mata os cinco melhores da tabela somada e os quatro melhores de cada turno. Em nenhum desses critérios o Globo se assegurou. Quem subiu foi o Huracán da cidade de Tres Arroyos mesmo (um dos diversos Huracáns fundados nos anos 20, nos anos dourados do verdadeiro), revelando Rodrigo Palacio.

Para a temporada 2004-05, o clube reagiu repatriando exatamente o dono do cabeceio certeiro de 30 anos atrás: Antonio Mohamed, agora treinador. A mesma fórmula anterior se repetiu. Dessa vez, o Globo foi 2º colocado no Apertura e 3º melhor na tabela somada. Os líderes foram Tiro Federal e Gimnasia de Jujuy, que travaram a final; quem fosse derrotado pegaria o Huracán em tira-teima pela segunda vaga. O duelo deu-se com o Gimnasia, que venceu pelo agregado mínimo, mas os quemeros ainda tinham sobrevida – agora, em repescagem contra um dos penúltimos colocados na elite. O Instituto de Córdoba, porém, venceu os dois jogos. Foi preciso desfazer-se do melhor jogador da casa, o goleiro Mariano Andújar.

Mohamed seguiu e manteve o Globo em 4º lugar no Apertura e na tabela geral da temporada 2005-06. Nos mata-matas contra os outros melhores colocados abaixo dos finalistas, venceu os dois jogos contra o San Martín de San Juan e passou no susto pelo Chacarita: 3-0 em casa, derrota de 2-0 fora. Mas essas mata-matas eram apenas pelo direito de jogar nova repescagem contra os penúltimos da elite. O Argentinos Jrs jogava pelo empate agregado e conseguiu, após um 1-1 e um 2-2. Arrasado, El Turco renunciou, sem desconfiar que o pior ainda estava por vir: arejando-se com a família na Copa do Mundo, sofreu na Alemanha um acidente de carro após a eliminação argentina, perdendo para sempre o filhinho Faryd.

Em meio ao baque do acesso impedido, o clube elegeu Babington como presidente ainda em julho de 2006. El Inglés, assim se tornaria o único presente em três acessos quemeros. Osvaldo Sosa foi o técnico inicialmente na temporada 2006-07, mas caiu após nove jogos onde só venceu duas vezes. Carlos Amodeo assumiu interinamente, mas Mohamed topou voltar em 16 de outubro como uma terapia mental – pois o corpo ainda precisava de muletas. O regresso do ídolo, um 1-0 sobre o Unión, foi acompanhado pessoalmente até por Maradona tamanha a comoção. Foi possível saltar o time para a 5ª colocação do Apertura e para a 3ª do Clausura. Na soma das tabelas, foi o 3º geral, o que significava duelar contra o derrotado nas finais pela outra vaga.

O técnico Mohamed chora pensando no filho enquanto o capitão Sánchez Prette comanda a batucada: reações particulares no acesso de 2007

De modo acidentado, o Globo começou vencendo o San Martín de San Juan por 1-0, mas caiu nos Andes por 3-1. Restava a sobrevida da repescagem contra os penúltimos da primeira. E dessa vez a vaga não escapou. Em casa, encaminhou um 2-0. E em Mendoza o mesmo placar foi aberto diante do Godoy Cruz. O Tomba até empatou, mas Gordillo assegurou a vitória para o time azul – que, naquele dia, foi o próprio Huracán. No elenco campeão, destacaram-se sobretudo o veterano Claudio Úbeda na zaga, os laterais Paolo Goltz e Christian Cellay, o volante e capitão Cristian Sánchez Prette e o artilheiro Joaquín Larrivey. A missão de evitar um centenário dentro da segunda divisão estava cumprida. E Larrivey desempenhou-se a tempo de ser o mais recente da lista de cem maiores ídolos eleitos na edição especial lançada pelo Clarín para os cem anos, em 2008.

2014

Se a publicação do Clarín tardasse um ano, talvez tivesse outra ideia sobre a inclusão de Larrivey: foi justamente ele o jogador do Vélez que dividiu com o goleiro Gastón Monzón no lance que, sem interrupção da arbitragem, permitiu a Maxi Moralez chutar livre para marcar o único gol do duelo. Duelo de rodada final que, com direito a granizo, serviu casualmente como confronto direto pelo título, onde o empate favorecia o Globo do tik-tik empregado pelo técnico Ángel Cappa às revelações Javier Pastore, Mario Bolatti, Matías Defederico e Patricio Toranzo. Parecia repetir-se o filme de 1994. Mas o baque foi muito pior. Pois dois anos depois o time já caía outra vez, mesmo com os promedios computando a campanha vice-campeã.

Defederico rumou ao Corinthians, Bolatti à Fiorentina e Pastore, ao Palermo enquanto o Huracán despencava em 2009 para o penúltimo lugar no Apertura. No Apertura 2010, o antepenúltimo lugar no Apertura foi seguido pela lanterna no Clausura 2011, com direito a ver o Vélez levantar outro campeonato sob os narizes quemeros (o que acontecera também em 1998) e uma goleada de 5-1 na rodada final para um Independiente treinado pelo mudo Antonio Mohamed. Miguel Brindisi, ídolo setentista, não funcionou como bombeiro e a figura antes sacralizada de Babington já se via gradualmente manchada com suspeitas de gestão criminosa na sua presidência.

Ainda houve a sobrevida de um jogo-extra com o Gimnasia LP para definir quem cairia diretamente e quem seguiria para repescagens. Comandados pelo veterano Guillermo Barros Schelotto, os platenses levaram a melhor, embora também viessem a cair. Em uma edição pesadíssima da segunda divisão, que tinha ainda Rosario Central e River, o Huracán esteve longe da briga protagonizada por eles, pelo Quilmes e pelo Instituto do jovem Paulo Dybala: só 12º de 20 times, brigando para não cair à terceirona. Na temporada 2012-13, o 8º lugar em outro tempos incluiria o Globito em um mata-mata, mas agora significava distância da última vaga. Desconsiderando os interinos, quatro técnicos rodaram nesse período em Parque de los Patricios até recorrer-se novamente a Mohamed.

El Turco voltava como um messias após um bom trabalho no Tijuana, que esteve a um pênalti de eliminar o campeão Atlético Mineiro em 2013 na Libertadores. O Huracán enfim brigaria pelo acesso na temporada 2013-14, mas em uma campanha acidentada já sem o ídolo, que perdera o toque de Midas em La Quema. Frank Kudelka dirigiu o time até o final, onde a 3ª colocação foi dividida com o Independiente. Não existia mais repescagem contra os últimos da elite: aquela era a última vaga e foi preciso um jogo-extra com o Rojo. O veterano ídolo Daniel Montenegro estava do lado rival, que prevaleceu sobre o elenco do jovem Gonzalo Pity Martínez. Para piorar, dali a dois meses o San Lorenzo enfim venceria a Libertadores…

Toranzo, Pity Martínez, Eduardo Domínguez e Ábila festejando em 2014

Mas foi possível terminar o ano sorrindo em Parque de los Patricios. A edição seguinte da segundona se concentraria apenas no segundo semestre de 2014 e seria a mais generosa da história: dois grupos de 11 times, com o acesso sendo concedido simplesmente aos cinco primeiros de cada. Mas nem assim foi fácil. Kudelka, embora classificasse em paralelo o time às semifinais da Copa Argentina, enfrentou uma série de resultados ruins no grupo e saiu após derrota de 3-0 para o Sportivo Belgrano de San Francisco. Néstor Apuzzo, três vezes técnico interino desde 2011, assumiu uma quarta vez e acabou efetivando-se. Em 27 de novembro, o Huracán encerrou 41 anos de jejum de títulos de relevo, após uma reviravolta na decisão por pênaltis contra o Rosario Central na Copa.

O goleirão Marcos Díaz foi o natural herói de um time onde também se destacavam o veterano zagueiro Eduardo Domínguez, o filho pródigo Patricio Toranzo (ambos remanescentes dos vices em 2009) e o tanque Ramón “Wanchope” Ábila. Eles, em paralelo, recuperaram os quemeros na segunda divisão. Na tabela, o Globo terminou em 6º, mas com a mesma pontuação do 5º, o Atlético Tucumán, forçando um jogo extra em 14 de dezembro. Na neutra Mendoza, os tucumanos saíram na frente, mas a tarde terminou com goleada de 4-1 na prorrogação decolando mais uma vez o balão huracanense – em fase que ainda se prolongaria com o título da Supercopa sobre o River em abril de 2015, ano também em que o clube chegou (já com Eduardo Domínguez de treinador) à final da Sul-Americana.

Epílogo

No dia do centenário oficial, em 1º de novembro de 2008, a torcida pôde comemorar um vitória no finzinho contra o Estudiantes. Ela encerra o vídeo abaixo, onde a música Resitiré exalta um vídeo onde a primeira metade mostra a glória e a outra, as quedas e subidas entre 1990 e 2007. A letra diz tudo sobre o espírito de quem se acostumou a sofrer tantos baques, mas se sacode e procura levantar, mesmo como escravo do passado:

“Quando perco todas as partidas; quando durmo com a solidão; quando me fechem as saídas; e a noite não me deixe em paz; quando sinto medo do silêncio; quando custe me manter em pé; quando se rebelem as lembranças; e me ponham contra a parede: resistirei, erguido frente a tudo! Me envolverei de ferro para endurecer a pele. E, embora os ventos da vida soprem forte, sou como o junco, que se dobra, mas sempre segue em pé!

Resistirei, para seguir vivendo! E suportarei os golpes e jamais me renderei! E embora os sonhos me rompam em pedaços: resistirei, resistirei. Quando o mundo perde toda a magia; quando meu inimigo seja eu; quando me apunhale a nostalgia; e não reconheça nem minha voz; quando me ameace a loucura; quando minha moeda saia coroa; quando o diabo passe a fatura; ou si alguma vez me faltas tu: resistirei…”



Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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