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Quando o Vélez foi campeão no embalo dos Zárate: 15 anos do Clausura 2005

Jonás Gutiérrez, Somoza, Fuentes, Pellegrino, Sessa, Cubero e Rolando Zárate; Castromán, Bravo, Gracián e Marcelo Bustamante em 26 de junho de 2005

Foi quase como na interpretação de José do Egito ao sonho do Faraó. Mas os anos de vacas gordas haviam sido seis e não sete. Assim como os anos de vacas magras a uma torcida repentinamente mal-acostumada, que enfim voltou a ser campeã – no que foi o único título do Vélez entre 1998 e 2009. Aquele Clausura 2005 foi especial por esses e outros motivos: o Fortín superava de imediato a perda traumática de torneio anterior, fazia o vitorioso técnico Miguel Ángel Russo saborear seu primeiro título na elite; e via enfim um título com protagonismo tanto do bom filho como da família de filhos pródigos (para usarmos outra expressão bíblica), a dos Zárate.

Prólogo: família unida

Filhos de um ex-jogador chileno de Cuquicamata com uma italiana de Catanzaro, os Zárate também haviam tido um avô paterno jogador. Após formar-se na base do Independiente, o pai fez carreira pelo interior argentino antes de ser empregado no Vélez como técnico juvenil, levando ao clube de Liniers cada filho. Só o mais velho, Néstor, não conseguiu profissionalizar-se. Rolando, o quarto da linha e protagonista 15 anos atrás, explicou: “meu pai sempre dizia que Néstor tinha que ser defensor porque não tinha condições para ser atacante, mas Néstor teimou em jogar de atacante e o tempo deu razão a meu pai. Néstor foi ao Vélez com El Ratón e aos 14 anos o dispensaram”.

O tal Ratón é o apelido de Sergio, o segundo maior. Ele não só pôde estrear no time adulto, no fim dos anos 80, como chegou à seleção e foi um dos argentinos pioneiros no futebol alemão. Sergio Zárate também foi quem abriu a dinastia de atacantes entre os irmãos. “Catalina, minha mãe, é uma maria-chuteira, mas no bom sentido. É maria-chuteira porque limpava as chuteiras dos cinco desde pequeninos. As chuteiras, as meias, nos preparava a mochila, as bandagens, tudo. Primeiro com Néstor, que não chegou a jogar no time principal, depois com El Ratón, com El Chino, comigo e com Mauro. Até o dia de hoje nos vem assistir”, prosseguiu Rolando, o Roly.

O tal Chino, por sua vez, chama-se Ariel. Terceiro dos irmãos, não chegou a ser profissionalizado no Vélez, mas pôde seguir carreira a partir do futebol mexicano e passou por pequenos clubes espanhóis antes de enfim aparecer no futebol argentino, embora tardasse até 2010 para disputar sua primeira divisão (já pelo All Boys). Rolando, por sua vez, foi promovido pelo time velezano adulto no vitorioso Clausura 1998. Com aquele título, o Fortín chegava ao sexto ano seguido como campeão. Tendo no Nacional de 1968 como única glória de relevo, o clube de Liniers primeiramente vencera em 1993 o Clausura, com um regressado Sergio Zárate sendo apenas opção de banco para os ascendentes Omar Asad, José Flores e Esteban González.

As três passagens de Sergio Zárate pelo Vélez: promessa para a Copa 1994 em 1990; como opção no time campeão de 1993 (na ordem: Asad, Flores, González e ele); e em 2000

Abriu-se então uma era a catapultar o patamar fortinero, sobretudo com a Libertadores e o Mundial vencidos em 1994 por um time ainda visto como de porte de bairro; em 1995, ganhou o Apertura; em 1996, levantou-se primeiramente uma atrasada Copa Interamericana (antigo tira-teima obscuro, mas oficial entre os campeões da Libertadores e da Concacaf) ainda válida por 1994 e depois o Clausura da temporada 1995-96, no que foi o único bicampeonato argentino seguido de La V Azulada, e por fim a extinta Supercopa Libertadores – na única campanha com 100% de aproveitamento desse torneio; e em 1997, foi a vez da Recopa Sul-Americana, que havia escapado em 1995. Os títulos da Supercopa e da Recopa vieram já sob Osvaldo Piazza, com Carlos Bianchi se credenciando a treinar a Roma pelas outras taças acumuladas de 1993 a 1996.

o Clausura 1998 veio sob as ordens de Marcelo Bielsa, o primeiro a dar oportunidades a Rolando Zárate: “com Bielsa joguei pela primeira vez pelo time B contra o Racing, meti 5 gols, ganhamos de 7-1 e a partir daí me concentrou sempre e me fazia jogar uns momentos. Era muito ofensivo, te tratava como senhor, te respeitava como se fosses um grande e te exigia ao máximo”. Bielsa, porém, ficou pouco. Sem agradar plenamente os figurões, preferiu aceitar proposta do Espanyol antes do negócio com os catalães ser atravessado pela própria seleção argentina no pós-Copa 1998. El Loco foi substituído pelo maestro Oscar Tabárez, que não colocava tanta fé nos juvenis. Mas a única boa lembrança de 1999 se resumiria a um 6-1 no outrora clássico com o Ferro Carril Oeste, marcado por Chilavert conseguir ali o provável único hat trick de um goleiro no futebol; pela primeira vez desde 1992, contudo, nenhuma taça veio.

Rolando não guardou mágoas de Tabárez: “não estive nem bem nem mal com ele, estava aí e me dispensou. No time B eu não queria jogar mais. El Chino estava no Málaga, e seu empresário me conseguiu um lugar no Real Madrid B. Nem duvidei. Foi perfeito, porque no meu primeiro semestre meti 16 gols, Del Bosque me viu e saltei ao time principal”. Isso se deu na temporada 1999-2000 e o empréstimo acertado com os espanhóis não virou venda definitiva porque, segundo Roly, os cartolas madridistas se sentiram desrespeitados ao cheirarem alguma malandragem nas tratativas com os velezanos. Roly voltou brevemente a Liniers, chegando a atuar uma única vez ao lado do irmão Sergio (em seu terceiro ciclo no clube) pela Copa Mercosul de 2000, contra a Universidad de Chile.

Rolando seguiu sendo sucessivamente emprestado e após destaque na Escócia pelo Livingston enfim começou a firmar-se em casa, a partir de 2003. Pudera: em entressafra após brigar pelo Clausura 2003, o time chegou a perder oito jogos seguidos na época, sua pior série histórica. Roly voltou para se consagrar artilheiro no Clausura 2004, embora o Vélez só tenha sido 5º colocado. A briga real pelo título veio no torneio seguinte. Ele inclusive marcou o gol da vitória sobre o Newell’s na rodada inicial, mas os rosarinos terminariam campeões por dois pontos a mais mesmo sendo derrotados na rodada final pelo Independiente. Só que nela o Vélez não fez seu dever de casa, apenas empatando em Liniers com o Arsenal, em frango que crucificou o goleirão Gastón Sessa.

Sergio, Rolando e Mauro Zárate pela Argentina. Embora seja o mais talentoso, Mauro só a defendeu até o sub-20: a foto é o seu gol no título mundial em 2007

Em 2010, Sessa ainda definia aquela tarde como o dia mais triste da carreira, pois o lance também retirou-lhe idolatria no Rosario Central, o rival do Newell’s e onde El Gato se destacara nos anos 90. Até porque, com aquele título do Apertura 2004, os rubro-negros ultrapassaram a quantidade de títulos argentinos centralistas. “Me amavam no Central, tive um ano espetacular mas a partir desse Vélez-Arsenal que deu o título ao Newell’s passei a ser o jogador mais xingado da história do clube. Eu havia participado do 4-0 com o abandono no clássico, perto de ser campeão, mas são essas coisas do futebol… e da ignorância humana”, resignou-se, referindo-se à maior goleada (em 1997) que o dérbi rosarino viu no profissionalismo. Ter ganho de imediato o Clausura 2005 pôde limpar sua barra ao menos no Vélez: “totalmente, foi a revanche”.

Na entrevista, Sessa também apontou Miguel Ángel Russo como o melhor técnico que teve. Já o conhecia desde os tempos de Estudiantes campeão da segunda divisão em 1995. Russo era mesmo um especialista em títulos no “mundo ascenso”, tendo ganho também dois com o Lanús, em 1990 e em 1992. Também era o técnico do Central naquele 4-0 onde o Newell’s abandonou em 1997. Sem nenhum passado no Vélez, Russo chegou exatamente para aquele Clausura, substituindo Alberto Fanesi, o treinador vice-campeão em 2004. De início, enfrentou resistência: conhecendo Sessa de outros clubes, fazia questão de mantê-lo e também bateu o pé pelas permanências de Fabricio Fuentes e do Roly Zárate, que tinham salários altos e boas propostas do exterior – o clube não soubera capitalizar financeiramente seus êxitos noventistas e parte das vacas magras se devia à crescente necessidade de cuidar das contas, em déficit que chegou a 30 milhões de pesos.

Um título contra o Racing de Simeone e o River de Gallardo

De início, os resultados não ajudaram Russo. Simplesmente nenhum gol foi marado nas três primeiras rodadas; a estreia, justamente contra o Newell’s, foi um 0-0 no estádio do Huracán, onde o Vélez precisou mandar o jogo diante da interdição imposta a seu campo em função da fúria da torcida naquela rodada final do torneio anterior. Depois, perdeu-se de 2-0 na visita ao Quilmes e um novo 0-0 veio em casa contra o nanico Almagro. Na quarta rodada, visitou-se o Lanús, que abriu o placar aos 3 do segundo tempo. Mas o Fortín conseguiu uma virada-relâmpago, com Zárate empatando aos 15 e um jovem Juan Manuel Martínez virando aos 18. Bastou para uma primeira vitória, embora a posição na tabela estivesse longe da sensação inicial do torneio: o Racing reforçado com seu famoso torcedor Diego Simeone.

Embora derrotada na estreia pelo Argentinos Jrs, o time de Avellaneda somava três vitórias seguidas, sobre Olimpo, Instituto (dentro de Córdoba) e Boca. Um solitário gol de Lucho González permitiu ao River impor novo freio à Academia na 5ª rodada enquanto o Vélez, com gols de Leandro Gracián e de Zárate antes dos 36 do primeiro tempo, finalizou triunfo no “clássico” com o San Lorenzo. Zárate também abriu o placar em Bahía Blanca sobre o Olimpo, mas os donos da casa arrancaram o empate enquanto o Racing voltava a vencer (contra o Gimnasia LP). Isso se inverteu na sétima rodada: visitando o Estudiantes, o Racing ficou no 2-2 e o Vélez, recebendo o Boca, se impôs com dois gols na meia hora final, de Lucas Castromán e de Fabián Cubero – dois antigos remanescentes dos anos 90.

O River de Gastón Fernández e Gallardo (que comemora um dos seus dois gols no 5-2 no Almagro) foi líder na altura da metade do torneio. Mas quem mais daria combate ao Vélez seria o Racing de Lisandro López e Simeone, que comemora seu gol dentro de Rosario sobre o Central

O ponta Castromán fora profissionalizado ainda em 1997 e o volante Cubero, em 1996. Tal como Zárate, a falta de espaço de Castromán contrastou com uma transferência a uma potência europeia na virada do século – ele reforçou a Lazio em 2000, ano em que estreou pela seleção argentina embalado por um gol seu empatar aos 50 do segundo tempo um clássico onde a Roma chegou a estar vencendo por 2-0. Voltara a Liniers após quatro temporadas com os italianos, ao passo que Cubero seguia fiel; com o tempo, El Poroto virou o recordista de jogos e títulos pelo Fortín, sendo o único jogador campeão em três décadas distintas pelo clube – que defendeu quase ininterruptamente de 1996 até penduras as chuteiras em 2019, salvo uma experiência mexicana com o Tigres entre 2007 e 2008. Tal como no caso de Rolando Zárate, aquele Clausura 2005 seria o primeiro título deles como titulares pelo clube.

O Racing realimentou seu sonho de campeão ao bater com categoria o rival Independiente no clássico da oitava rodada, com Juan Carlos Falcón, Marcelo Guerrero e Lisandro López anotando o 3-1 sobre o time de Sergio Agüero e do técnico César Menotti. Só que o Vélez embalou. Em tempos onde o time forte de La Plata era o Gimnasia (que naquele 2005 lutaria pelo título do Apertura), arrancou de lá uma virada categórica. O Lobo chegou a estar vencendo de 1-0 e e 2-1 até a meia hora final. Cubero então empatou aos 18 do segundo tempo, Gracían virou aos 26 e Zárate selou o triunfo aos 44 ao anotar um segundo gol, após ter feito o do empate provisório em 1-1.

Na nona rodada, o Racing demorou, mas Lisandro López achou a cinco minutos do fim o único gol do duelo contra o Arsenal, enquanto o rival Independiente não impôs resistência ao Vélez: Gracián, Zárate e Marcelo Bravo anotaram ainda no primeiro tempo um triunfo de 3-1 antes do Fortín travar um duelo direto com a Academia na décima rodada. Castromán, de pênalti, abriu o placar aos 28 minutos. Um jovem Javier Pinola, também de pênalti, empatou para os racinguistas aos 7 do segundo tempo e o empate persistiu em Liniers até os 43. Foi quando um voleio de Gracián deu a vitória aos donos da casa. O triunfo serviu para fazer La V Azulada ultrapassar La Acadé na tabela, com 22 pontos, embora não significasse a liderança; ela ainda era do River, que vinha de um 5-2 no Almagro, com dois gols do veterano Marcelo Gallardo.

Outro time ainda no páreo era o Rosario Central, que teria sido o líder se não houvesse perdido do Independiente naquela décima rodada. Na 11ª, foi a vez do Vélez fazer esse outro duelo direto, no Gigante de Arroyito. Novamente, a torcida fortinera comemorou no sufoco: Castromán, já no minuto 90, arrancou um precioso empate em 1-1. Além do pontinho na bacia das almas, o sorriso era reforçado pela concorrência também ter empatado a rodo: em Avellaneda, o Racing esteve três vezes à frente do placar, mas um gol do veterano Ariel Ortega aos 39 do segundo tempo premiou o Newell’s com um 3-3 no Cilindro, enquanto o River precisou buscar dentro de Núñez o 1-1 com o Lanús.

Gracián, Pellegrino, Sessa e Cubero celebram na antepenúltima rodada o triunfo dentro do Monumental sobre o River: a um passo do título

A ultrapassagem velezana contra o Millo veio na 12ª rodada. Contra o fraco Huracán de Tres Arroyos, o Fortín fez o dever de casa, com gols de Maximiliano Pellegrino (irmão do zagueirão Mauricio, glória fortinera dos anos 90, escalado para o nosso time velezano dos sonhos em janeiro e atual técnico do clube) e de Bravo. O que era provisório se efetivou com ajuda do “rival” San Lorenzo no dia seguinte: em casa, o Ciclón venceu de virada por 3-1 – gols do futuro gremista/corintiano/botafoguense Germán Herrera, do jovem Pablo Zabaleta e do hoje colorado Eduardo Coudet. Mas o Racing seguia no retrovisor: arredando o Central para mais longe da corrida, a Academia venceu no Arroyito com Lisandro López e Simeone anotando os 2-0. Na rodada seguinte, Bravo abriu o marcador em Santa Fe logo aos 8 minutos, mas o Colón igualou já aos 19 e o 1-1 se manteve enquanto o Racing batia o Quilmes por 2-1.

Só que o Racing começou a desperdiçar pontos contra times pequenos. Foram três empates seguidos entre a 14ª e a 16ª rodadas: 0-0 fora de casa, mas contra um Huracán de Tres Arroyos na luta contra o rebaixamento; 1-1 em pleno Cilindro contra o Almagro, outro na luta contra a queda; e um 2-2 chorado contra o Colón em Santa Fe. O River fez pior, perdendo o Superclásico, caindo em casa de virada para o Gimnasia (ambos por 2-1) antes de ficar no 1-1 com o Independiente – foi a época em que explodiu o escândalo extraconjugal do zagueiro Horacio Ameli com a esposa de sua dupla de zaga, Eduardo Tuzzio, fazendo o Millo desistir do Clausura para focar (inutilmente) nas semifinais da Libertadores.

Sem nada com isso, o Vélez somou seis pontos no mesmo intervalo. Contra outra sensação daquele semestre, o Banfield (eliminado pelo River nas quartas-de-final daquela Libertadores, o clube de Rodrigo Palacio, Daniel Bilos e do técnico Julio César Falcioni engataria na reta final do Clausura a ponto de terminar com um enganoso vice-campeonato), o Fortín venceu por 2-0 a partir dos 23 minutos do segundo tempo. Foi quando Castromán abriu o placar fechado já aos 45 com Mauro Zárate, que entrara em campo apenas 8 minutos antes para estrear em alto estilo no torneio. Foi o segundo gol da carreira do caçula dos Zárate e seu único naquela campanha; só depois viria a explosão de Maurito. Na época, falar de Zárate ainda era falar de Rolando, cuja boa fase rendeu-lhe em março sua estreia, com direito a gol, pela seleção argentina. O 2-0 foi seguido por uma exibição de campeão na rodada seguinte, um 3-0 fora de casa sobre o Argentinos Jrs. Mauro foi usado ali pela única vez como titular, mas os gols foram de Castromán, Hernán Pellerano e Gracián mesmo.

Surpreendentemente, na 16ª rodada o Vélez caiu em casa para o Instituto de Córdoba. Mesmo com Castromán abrindo de pênalti o placar aos 2 minutos, os cordobeses empataram aos 6 e já venciam por 3-1 aos 38 antes de Gracián descontar aos 15 do segundo tempo. Vale transcrever os comentários dos carregadores de piano ainda não destacados aqui, embora já defendessem o Fortín desde 2001: Leandro Somoza foi sereno: “perdemos um jogo atípico. O segundo tempo foi todo do Vélez. Agora já foi. O bom é que seguimos na frente”. Jonás Gutiérrez também: “temos que seguir tranquilos. Dependemos de nós. Com o nível que tivemos no segundo tempo contra o Instituto, podemos alcançar o objetivo”. Discurso cumprido à risca diante do momento ruim do River, derrotado dentro do Monumental com Castromán aproveitando um pênalti logo aos 13 minutos.

Estranho no ninho, o técnico Miguel Ángel Russo é carregado na volta olímpica. Seu trabalho no Vélez o levaria ao Boca para vencer a Libertadores 2007, credencial para reassumir os auriazuis em 2019 e leva-lo ao título da última Superliga

O Racing ainda seguia na luta, batendo naquela 17ª rodada o Lanús por 2-0. Mas suas chances findaram na seguinte, ainda a penúltima. O Banfield derrotou a Academia pelo placar mínimo. Revelado pelo Vélez no final dos anos 80, Simeone se resignava, satisfeito que o título perdido pelo clube do coração ao menos ficava com o clube que o formara. E a festa foi gorda em Liniers naquele 26 de junho, não só pelo recuperado Sessa e por Fuentes serem os únicos titulares que não eram pratas-de-casa: com 26 minutos de duelo contra o Estudiantes, o Fortín já vencia por 3-0. Um resultado anotado todo de forma simbólica pela velha guarda: uma bomba de Cubero abriu a torneira aos 18. Roly Zárate, sem gols desde a 9ª rodada, encerrou esse incômodo aos 22. E Castromán, convertido em homem-gol a partir daquele torneio, fechou a conta.

A rodada final foi protocolar para os campeões, mas rendeu a Rolando o gostinho de jogar todo o segundo tempo em dupla com Mauro, em seu quarto jogo na campanha. E Roly não deixou de buscar aos 39 minutos do segundo tempo um empate em Sarandí contra o engasgado Arsenal. O desânimo do Racing se escancarou ao ser derrotado em casa para o San Lorenzo com um gol de Herrera já no segundo minuto – em apatia punida pelo Banfield ter-lhe roubado até o vice-campeonato ao somar um pontinho a mais graças a um gol de Darío Cvitanich aos 44 do segundo tempo para vencer por 2-1 o Argentinos Jrs. A Academia despencaria para 11º no Apertura 2005 e para antepenúltimo no Clausura 2006, fazendo Simeone antecipar a aposentadoria para improvisar-se como técnico bombeiro do time do coração, iniciando assim sua nova carreira. El Cholo logo seria campeão, mas não ali e sim pelo Estudiantes, já no Apertura, ao passo que o declínio do Racing quase custou-lhe promedio de rebaixamento em 2008.

O River via a tentativa de apaziguar-se com a Libertadores de 2005 não funcionar, caindo naquelas semifinais com o São Paulo ser sucedida por uma série de torneios mornos até o próprio Simeone conduzir-lhe em 2008 ao único título argentino do Millo entre 2004 e 2014. E quanto ao Vélez? O time chegou a brigar pelo bi no Apertura 2005, com Sessa chegando a ser premiado pelo fair play ao comunicar à arbitragem que a bola de um gol consignado a Rolando Zárate entrara pelo lado de fora das redes quando um triunfo de 4-1 sobre o Gimnasia de Jujuy ainda estava em 0-0. O desempenho no Clausura 2006 foi deixado de lado (10º lugar) em prol de uma promissora Libertadores, onde a pausa de Copa do Mundo esfriou uma campanha arrasadora de uma única derrota – justamente na retomada do torneio. A voz fininha de Cubero ganhou confiança o suficiente para midiaticamente fisgar a modelo casada Nicole Neumann, a Giselle Bündchen argentina. E o trabalho de Miguel Ángel Russo foi reconhecido pelo Boca, que o levou para ser campeão da Libertadores seguinte. O treinador quis levar Sessa consigo.

O goleiro lembrou em 2010: “terminou indo Caranta. Me agarrou [o cartola Raúl] Gámez, que não era o presidente, mas mandava. ‘Você não vai ao Boca por três motivos’, me disse: ‘1º) Porque és o melhor goleiro da Argentina; 2º) porque La Volpe me disse que és indispensável; 3º) Porque não posso nem olhar Macri’. E essa era a mais importante. Então rasgaram meu contrato e me fizeram um novo pelo dobro do que eu ganhava”. E justamente contra o Boca naquela Libertadores é que Sessa voltou ao ostracismo. Não era mais recriminado pelo frango de 2004 contra o Arsenal, “agora me xingam pelo chute em Palacio e o 3-0 do Boca”, relatou naquela entrevista, referindo-se ao grotesco lance que repercutiu mundialmente naquelas oitavas-de-final. “Me haviam perdoado tantas que pensei que essa também ia passar. Gámez, que era um padre para mim, me disse: ‘Gastón, eu te adoro como um filho, mas tenho mais de meia Comissão Diretora contra, vou te dar passe livre”.

Castromán, Gracián e Rolando Zárate despidos pela torcida e por ela carregados. À direita, o “Roly” amparado pelo ex-colega Sessa no tira-teima entre Gimnasia e Huracán para definir o rebaixado direto em 2011

Epílogo: família desunida

Quem já havia saído antes de Sessa era a revelação Bravo, que precisou parar de jogar aos 21 anos em 2006 ao detectar anomalia cardíaca. Outro foi Rolando Zárate: em agosto de 2005, em jogo durante seu próprio aniversário, lesionou a coluna e perdeu qualquer embalo na briga por um lugar no ataque da seleção na reta final para a Copa de 2006. Quando voltou, já era para competir com uma vaga contra o próprio irmão. “Por isso saí de empréstimo. Mauro tinha 17 anos e superava todos”. Roly foi emprestado aos rivais mexicanos Tigres e Monterrey e não se deu bem, tampouco ao voltar à Argentina para defender o River em 2007. Ele chegou a voltar ao Vélez em 2009, mas sem participar do título seguinte àquele de 2005: assistiu aquela epopeia contra o Huracán direto das arquibancadas, recuperando-se de mais uma de tantas lesões que lhe frearam a carreira. O próprio Huracán foi seu destino seguinte, sem evitar-lhe o rebaixamento em 2011 – em luta inglória contra o All Boys do próprio irmão Ariel, além do Gimnasia de Sessa.

Com um único gol no Clausura 2005, Mauro Zárate já se sagrava artilheiro do Apertura 2006 e campeão mundial sub-20 com a Argentina em 2007. Considerado o mais talentoso da família, esperava-se que ele fizesse dos Zárate o primeiro trio de irmãos na seleção principal desde que os Brown formavam um quinteto nos primórdios dela, nos anos 1900 – muitas duplas fraternas vieram desde então, rendendo especiais com parte 1, parte 2, parte 3 e até parte 4 em 2011 aqui no Futebol Portenho; a única atualização foi a dos gêmeos Funes Mori, em 2015. Mas o mais perto de um trio foi com os Killer, que nos anos 70 viram Mario e Daniel defenderem não só a dupla Newell’s e Central mas também a Albiceleste (Daniel inclusive foi à Copa de 1978) antes do caçula Alfredo ser convocado para a estreia do ciclo de Carlos Bilardo em 1983, mas nunca utilizado. Após fazer o gol do título mundial sub-20, Maurito teve propostas do Benfica e do Valencia, mas a incômoda situação econômica do Vélez fez o Fortín só aceitar a mais alta, que era da obscura liga do Qatar.

Rolando explicou: “Mauro disse aos qatarianos: ‘eu quero isto, isto, isto e isto’. E lhe responderam a tudo que sim. Pediu para acabar o contrato em três anos, que lhe dessem dias para vir à Argentina e cláusulas frouxas para ir a empréstimo a outras equipes interessadas. E lhe saiu perfeito, porque em seis meses foi à Inglaterra, voltou, foi à Lazio, fez um torneio bárbaro e o compraram. (…) Estava claro o tema: nós sabíamos que aos 23 anos terminava o contrato, Mauro ficava com o passe na mão e totalmente salvo no [campo] econômico. Isso tratamos de fazer-lhe entender, porque a princípio ele não queria ir. Me surpreendeu quando Mauro chegou no primeiro ano na Itália, onde arrebentou, meteu 17 gols, 19 assistências, ganhou a Copa da Itália, a Supercopa e na seleção de Diego [Maradona] iam jogadores que haviam metido apenas 3 gols. Isso nos surpreendeu a todos. Mauro estava muito doído porque via que iam jogadores que não mereciam estar, e ele não. Merecia uma chance, não tenho dúvidas”.

Após anos de espera e já tendo recusado a seleção italiana a qual teria direito pela origem materna, Mauro chegou a se dispor em 2014 à seleção chilena como direito de origem paterna, mas nem isso se concretizou. Conta-se que foi por vislumbrar uma oportunidade tardia de enfim aparecer pela Albiceleste principal, de olho no ciclo para a Copa América de 2019, que a joia da família sujeitou-se à famosa “traição” rumo ao Boca em meados de 2018. Consultor costumeiro do site, o historiador Esteban Bekerman chegou a defender que famílias inteiras deveriam ser barradas do clube por atitudes assim. Fazendo soar ainda mais irônica o encerramento daquela entrevista dada em 2011 pelo irmão Roly, com quem terminaria rompido pela atitude: “temos quatro nos juvenis. Lautaro, o filho de Néstor; Oliver, o do Ratón; Luca, do Chino; e Tobías, meu bebê. São quatro Zárate, e salvo o filho do Ratón, que é goleiro, todos os demais jogam no ataque. Veremos como defendem o sobrenome”.

Roly e Mauro Zárate (juntos dos irmãos Sergio e Ariel na foto direita, com Maradona) jogaram brevemente juntos antes do primeiro ir ao River e a ida do segundo ao Boca, já em outro contexto, ser considerada uma traição: romperam.
https://twitter.com/Velez/status/1276498330131075072
https://twitter.com/Velez/status/1276621868691316736

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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