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Quando o Racing precisou de final contra um pequeno time verde para fazer história

Não era lance de ataque do Banfield: era o capitão Luis Bagnato afastando lance de perigo na primeira final, observado pelos colegas Manuel Graneros, Osvaldo Ferretti e pelo futuro carrasco Mario Boyé

O Racing fez história no fim de semana retrasado ao garantir seu segundo título argentino em cerca de cinco anos. Desde os anos 60 a Academia não conseguia dois troféus nesse espaço de tempo, quando ganhou os torneios de 1961 e 1966 antes de só voltar a vencer em 2001 a liga nacional. Isso tornou o jogo de ontem contra o Defensa y Justicia em mero amistoso, com direito a corredor de aplausos blanquicelestes na entrada dos surpreendentes vice-campeões ao invés de uma partida convertida em confronto direto pela taça. Em 1951, para ser o primeiro tricampeão profissional do futebol argentino, o clube de Avellaneda realmente teve de encarar uma final histórica – na verdade, duas. Foram contra o Banfield, que vale ser relembrada mesmo com a não-repetição de algo parecido.

Foi uma final histórica não só pelo tri racinguista, mas pelo contexto de o futebol argentino ter solidificado a noção de “cinco grandes”, que de fato se revezavam nos títulos entre 1930 e 1966. Até o Estudiantes furar em 1967 esse bloqueio, uns e outros quadros chicos apareciam ocasionalmente no pódio, mas sem levar a disputa tão longe: o próprio Estudiantes dos Profesores em 1930 (vice), 1931 (terceiro) e os elencos de 1944 e 1948 (ambos em terceiro); o Huracán em 1936, 1939 (ambos vice) e 1942 (terceiro); o Newell’s em 1941 (terceiro); o Platense em 1949 (terceiro com a mesma pontuação do vice); o Vélez em 1953 (vice) e em 1965 (terceiro); o Lanús dos Globetrotters em 1956 (vice); os Bichos Colorados do Argentinos Jrs em 1960 (terceiros igualados aos vices); e o Gimnasia LP que virou o Lobo sob o técnico Adolfo Pedernera em 1962 (terceiro).

Nenhum desses vices, ou terceiros colocados com a mesma pontuação dos vices, chegaram tão perto do título contra a outra camisa modesta a se intrometer no pódio, a daquele Banfield de 1951, o único vice a ter a mesma pontuação do campeão. E aí vale trazer outro contexto, de vinte anos antes, quando, em 1931, os principais clubes argentinos romperam com a associação afiliada à FIFA para realizarem uma liga pirata, mas que viria a prevalecer sobre a oficial ao absorvê-la em 1935. Embora o profissionalismo fosse o mote, a real causa da rebelião foi a associação (oficialmente amadora) querer impor que o certame incluísse clubes pouco atrativos financeiramente para os principais.

A dupla principal se reforçou: o River trouxe para 1951 Santiago Vernazza e Juan José Pizzuti, cuja camisa millonaria acaba estranha assim como a do Boca em Rinaldo Martino e José Manuel Moreno. Só Vernazza vingou: foi o artilheiro do campeonato

Esse corte atrofiou diversas camisas poderosas do amadorismo: Sportivo Buenos Aires, Sportivo Palermo e Estudiantil Porteño fechariam as portas ou o departamento de futebol, enquanto Sportivo Barracas (que chegara a derrotar Milan, Napoli, Barcelona e seleção portuguesa), Estudiantes de Buenos Aires (primeiro clube argentino a visitar o Brasil), Nueva Chicago, Almagro, Defensores de Belgrano, ocasionalmente representados na seleção, passaram a se acostumar às divisões de acesso. O Banfield foi outro relegado; quando a liga profissional absorveu a associação oficial, as equipes desta foram realocadas na segunda divisão e o Taladro foi justamente o único time nisso a conseguir uma assiduidade histórica na elite profissional, embora inicialmente não escapasse de uma trajetória ioiô: estreou em 1940, caiu em 1944, voltando em 1947, ano em que quase caiu de imediato.

Mas em 1949, apesar do décimo lugar, o Banfield foi capaz de fazer o artilheiro do certame, um certo Juan José Pizzuti. Pizzuti esteve novamente entre os goleadores no torneio de 1950, quando o time do sul da Grande Buenos Aires chegou ao sétimo lugar, sua melhor posição até então. Em grande ironia, ele não permaneceu para 1951. Não foi contratado ainda pelo Racing, onde faria história como quarto maior artilheiro do clube e sobretudo como técnico do elenco campeão da Libertadores e do Mundial em 1967; seu destino foi o River, que também se reforçou com o ponta Santiago Vernazza, que já defendia a seleção vindo do Platense. Se o Vélez chamava a atenção com a inauguração do seu estádio atual no bairro de Liniers (o anterior era no de Villa Luro), os cinco grandes de fato dominavam as notícias de contratações na pré-temporada; o San Lorenzo, por exemplo, repatriou o zagueirão Oscar Basso, que vinha de uma elogiadíssima passagem pelo Botafogo a ponto de ser duas vezes eleito para o time alvinegro dos sonhos.

O Boca reunia no mesmo ataque duas lendas dos anos 40: chegava do Nacional uruguaio o tanque Rinaldo Martino, que passara pela seleção italiana e pela Juventus após ser bi da Copa América com a Argentina em 1945 (quando fez o gol do título) e 1946. Martino juntava-se a José Manuel Moreno, símbolo do River presente desde 1950 no rival, pelo qual ironicamente torcia, e descrito pelos mais antigos – incluindo o próprio Martino, falecido em 2000 – como mais habilidoso do que Maradona; seriam um fiasco juntos, com a lesão de Moreno e a má fase de Martino, que logo voltou ao Uruguai. Mesmo o Racing, bicampeão em 1949-50, mexeu em time que vinha ganhando: para suprir a saída inevitável do veterano Saúl Ongaro, comprou o lateral-direito Juan Carlos Giménez de um Huracán que em 1949 e em 1950 brigara seriamente para não cair. Outra novidade foi o goleiro Rogelio Domínguez, que apareceu das inferiores. Ele integraria o Real Madrid de Di Stéfano penta europeu, mas àquela altura ainda esquentava banco para Antonio Rodríguez ou Héctor Grisetti – dois ex-goleiros do River.

O Banfield “campeão moral”: César Jaime, Eliseo Mouriño, Norberto D’Angelo, Manuel Graneros, Osvaldo Ferretti, Luis Bagnato e preparador Adolfo Mogilevsky; técnico Ángel Zurdo, Miguel Ángel Converti, Juan Sánchez, Gustavo Albella, Nicolás Moreno e Juan Huarte

Afinal, mesmo após vencer o torneio de 1949, encerrando ali uma seca de 24 anos na elite, a Academia tratou de reforçar-se, tendo adquirido para o campeonato de 1950 o ponta-direita artilheiro Mario Boyé – um Rivellino da época, com um forte chute a render-lhe o apelido de El Atómico, e um dos seletos cinco jogadores presentes em todo o tri seguido da seleção na Copa América entre 1945 e 1947. Outro desses cinco já estava desde 1948 em Avellaneda: Norberto Méndez, meia-direita que ainda é o maior artilheiro das Copas América. Ele chegara do Huracán juntamente com outro ponta, Juan Carlos Salvini, e o meia-esquerda e Llamil Simes (o que explica o declínio huracanense paralelo ao tri racinguista; no sotaque portenho, Llamil era lido como “Jamil” e não “Lhamil”). Salvini ficara até 1950, daí a busca por Boyé. Já a outra ponta era fixa com o veloz driblador Ezra Sued – reserva nas Copas América de 1946 e 1947, viveu onze anos de Racing (1943-54).

Em 1951, Boyé e Méndez preenchiam o flanco ofensivo direito, enquanto Los Turcos Simes e Sued faziam esse serviço na parte esquerda, tão bem (Simes ainda é o quinto maior goleador do clube, por exemplo) que geraram a lenda de que conversariam em árabe para despistar os marcadores – o que não era verdade, claro; Sued, inclusive, era judeu. Pelo meio, um senhor centroavante proveniente em 1946 do Rosario Central: Rubén Bravo, dono de 88 gols em 149 jogos e que integraria ainda o forte Nice dos anos 50, além de uma passagem pelo Botafogo. Quando algum deles faltava, entrava Manuel Blanco, de serviços prestados entre 1948 e 1957 ao clube. Na retaguarda, os goleiros Rodríguez ou Grisetti eram protegidos pela dupla de zaga formada por José García Pérez, que em duas passagens estreou pelo time em 1942 e despediu-se em 1957, e Higinio García – que ainda contribuía com gols em tiros livres, tendo anotado 23 em 133 jogos, média ótima para um beque.

Higinio García também foi o recordista de aparições no ciclo do tri, com 99 jogos. Na linha média, juntavam-se a Cacho Giménez o lateral Ernesto Gutiérrez (1947-54), “O Rei Baixinho”, e o volante Alberto Rastelli (1949-55), que faziam o trabalho sujo dos tricampeões – Rastelli inclusive chegara ao clube no decorrer do torneio de 1949, temeroso de sua recepção após ter distribuído patadas nos futuros colegas em jogo prévio, quando ainda defendia o Gimnasia. Por fim, o técnico no tri foi a lenda Guillermo Stábile, que acumulava o cargo nas duas camisas alvicelestes, pois também dirigia a seleção. Além do tricampeonato, aquele elenco havia feito na virada de 1949 para 1950 uma turnê europeia de sucesso: com um time misto, ganhou de 5-3 do Valencia, com o reserva Roque Olsen destacando-se com dois gols e terminando incorporado de imediato pelo Real Madrid. Os titulares então fizeram 3-0 no Athletic de Bilbao (um de Higinio e dois de Sued) e 2-1 no Atlético de Madrid, na época o time mais vitorioso da capital (Rastelli e Bravo), assim como o Sporting, batido por 3-1 com um de Méndez e dois de Simes, era o mais vitorioso de Portugal.

Norberto Méndez, com listras verticais, enfrenta o xará Racing de Paris em 1950, cuja camisa pode ter inspirado o manto reserva usado com sucesso por Mario Boyé em 1951

A excursão ainda rendeu um curioso confronto de Racings, com os de Avellaneda empatando em 2-2 com o de Paris após estarem perdendo de 2-0 no Parc des Princes para o clube que inspirara o nome da Academia. O modelo reserva dos franceses acabaria consagrada no tri dos argentino. Tri que, por outra ironia, foi em campeonato que ofuscou os respectivos rivais da dupla finalista, pois quem terminou o primeiro turno na liderança foram justamente Independiente e Lanús – com o feito dos grenás sendo especialmente chamativo, uma vez que haviam acabado de voltar da segunda divisão. Chegou a haver inclusive um momento em que o Rojo venceu por 5-1, na sétima rodada, para em seguida perder pelo mesmo placar para o próprio Lanús. No outro time de Avellaneda, figuravam já Carlos Cecconato, Carlos Lacasia e Ernesto Grillo e estreava o futuro palmeirense Osvaldo Cruz, quatro membros de dois quintetos ofensivos célebre por ter sido convocado conjuntamente pela seleção em 1953 (completados com Rodolfo Micheli e depois Ricardo Bonelli).

O 5-1 do Independiente, aplicado sobre o Atlanta, teve de fato gols de Cecconato e dois de Grillo, além de outros dois de Ángel Omarini, que na rodada seguinte viram Raúl Martínez, Raúl Garfagnoli, León Strembel, Rodolfo Durán e um contra de Juan Barraza anotarem os gols lanusenses. Não tardou, porém, para que o Rojo emendasse goleadas sonoras: 4-0 no River, 4-1 em La Plata no Estudiantes e 6-1 no Quilmes. Lacasia marcou em todos esses jogos, cuja figura mais destacada foi Juan Carlos Romay, que acumulara simplesmente oito gols neles – foram quatro só no Cervecero após dois cada nos outros. O Lanús, por sua vez, fez de José Florio o vice-artilheiro do campeonato, um gol abaixo do líder Santiago Vernazza. Além do o 5-1 no Independiente, o Granate aplicou um 4-1 no Gimnasia e outro 4-1 no Atlanta, com Florio marcando dois gols em cada. Na comparado ao 6-0 no Quilmes, com cinco do goleador. No segundo turno, porém, essas duas equipes perderam gradualmente fôlego, a ponto de sequer figurarem no pódio. Passaram a se sobressair River, Racing e Banfield.

Com o artilheiro Vernazza e um irônico gol de Pizzuti, o Millo inclusive bateu na segunda rodada por 2-0 um confronto direto com a Academia. Venceu por 5-1 o Huracán (batido em casa no returno por 4-2) e o Newell’s; por 4-0 o Gimnasia; por 4-1 o Estudiantes e o Independiente em troco no returno sobre o Rojo; arrancou um 4-3 em visita ao Chacarita, um 3-0 em visita ao Gimnasia, um 2-1 em visita ao próprio Lanús. Além disso, a Banda Roja emendou sua maior série de vitórias seguidas no Superclásico (quatro), com direito a um 3-0 dentro de La Bombonera, com dois de Vernazza – que anotou quatro na rodada final, um 6-1 no Atlanta, com Pizzuti marcando os outros dois gols. O River, cuja visita ao San Lorenzo na penúltima rodada (1-1) rendeu a primeira partida televisionada na história do futebol argentino, chegou com chances de título à última, mas dependia dos resultados alheios de Racing e Banfield. Ambos venceram e terminaram um ponto à frente do time de Núñez, cuja qualidade seria atestada em posterior excursão na Europa na qual bateram por 4-3 o Real Madrid, por 5-0 o combinado Benfica-Sporting e conseguiram a primeira vitória argentina em terras inglesas, sobre o Manchester City (4-3).

Juan Carlos Giménez, preparador físico Enrique Lupiz, Higinio García, técnico Guillermo Stábile, Héctor Grisetti, Armando Rastelli, José García Pérez, fisiologista Alfredo Simons e Ernesto Gutiérrez; Mario Boyé, Manuel Ameal, Rubén Bravo, Llamil Simes, Ezra Sued e roupeiro Enrique Canosa

O Racing começou tímido naquele certame. Além de derrota de 2-0 na visita ao River, nas primeiras rodadas os blanquicelestes sofreram em casa empates contra Newell’s (1-1 na estreia), Ferro Carril Oeste (3-3) e caíram, mesmo fora de casa, por 2-1 para o quase rebaixado Huracán. Entre a 9ª e a 13ª rodada, repetiram diversos empates em 1-1, nas visitas a Banfield, Independiente e Boca e em casa contra o rebaixado Gimnasia. A primeira vitória maiúscula veio só na primeira rodada do returno, um 4-0 sobre o Atlanta com dois de Higinio García e dois do Turco Simes. Na vigésima, veio um 5-3 de autoridade sobre o River – o gol de Walter Gómez e dois do artilheiro Vernazza foram insuficientes no Cilindro quando o colega Alfredo Pérez marcou contra e Manuel Ameal, Higinio e duas vezes Manuel Blanco completaram para os anfitriões. Exceto um 3-0 sobre o Gimnasia, porém, a Academia continuou econômica, com muitas vitórias pelo placar mínimo até chegar a rodada final. Em tempos em que as torcidas de Lanús e Banfield ainda eram aliadas, os de Avellaneda encontraram resistência grená: Osvaldo Gil e Nicolás Daponte completaram os gols visitantes abertos com gol contra de Higinio García, mas prevaleceram os cinco reunidos com dois cada de Blanco e Norberto Cupo e outro de Boyé.

Mas e o Banfield, afinal? O time alviverde naturalmente reunia peças históricas de si, como o capitão Luis Bagnato, um dos fundadores do sindicato argentino de jogadores e um dos mais velhos estreantes da seleção argentina (com 31 anos, ainda como jogador do clube, já em 1955). Outros destacaram-se também no exterior: o volante Eliseo Mouriño viraria figura frequente da seleção no decorrer da década, onde também brilhou no Boca e foi à Copa de 1958. A linha de frente continha o ponta Miguel Ángel Converti, que passaria pelo Fluminense em meados da década. Para o Brasil, também vieram o meia-direita Nicolás Moreno e o centroavante Gustavo Albella, ambos para o São Paulo. Estiveram no título estadual de 1953, com Albella, maior artilheiro banfileño, destacando-se em especial também como tricolor. Moreno não brilhou tanto, mas tornaria-se artilheiro do campeonato chileno de 1955 pelo Green Cross. Esse mesmo clube receberia Albella depois, e este terminou igualmente artilheiro da liga vizinha – duas vezes, em 1957 e 1958. Se você nunca ouviu falar nesse clube, isso se deve à atrofia decorrente da tragédia de avião que em 1961 vitimou toda a delegação, que incluía Mouriño àquela altura.

O técnico dos azarões era Ángel Zurdo, mas o nome mais notabilizado na comissão era o do preparador físico Adolfo Mogilevsky, um dos primeiros a criar renome em sua área na Argentina, vivendo até perto dos cem anos após chegar a assumir como técnico de times importantes. Após começar o torneio já com um 3-1 no Platense, com Converti e Albella anotando seus primeiros gols, o Banfield seguiu arrancando pontos de grandes: bateu por 2-1 o Boca (Moreno e Albella) e por 3-0 o San Lorenzo (duas vezes Albella e outra de Juan Sánchez). Além de um 2-1 no vizinho Lanús (Albella e Juan Huarte), visitou Rosario e deixou um 4-1 no Newell’s, gols de Huarte, Aquiles Caviglia e duas vezes Moreno para então registrar seu placar mais memorável naquele torneio: um 5-1 sobre o River em pleno Monumental, com quatro gols saindo no espaço de treze minutos a partir dos 20 do segundo tempo. Pizzuti não fez valer a lei do ex enquanto Sánchez, Huarte e três vezes Albella assinavam a façanha em Núñez. Nova visita com 5-1 seria empregada sobre o Quilmes, com nada menos que quatro gols de Albella e outro de Moreno.

O Banfield que venceu por 5-1 o River no Monumental de Núñez e o goleador Albella, depois ídolo no São Paulo, arriscando um lance na segunda final contra o Racing

Porém, aquele Taladro também era capaz de tropeçar em casa contra times menores. No primeiro turno, além de 1-1 com o Estudiantes também não fizeram o dever de casa contra Ferro (2-2) e Chacarita (1-1). No segundo turno, o Banfield foi mais econômico nos gols, à exceção de um 3-0 no Gimnasia (dois de José Sánchez e um de Moreno), um 3-1 na visita ao Lanús (um de Albella e dois de Moreno) e um 4-3 arrancado em La Plata contra o Estudiantes, com três de Moreno e outro de Albella. Porém, o furor na visita ao River não se repetiu quando recebeu o Millo, em jogo sem gols no Florencio Sola; os embates diretos com o Racing, por sua vez, ficaram ambos em 1-1. Até que, na rodada final, veio a forra: seja por dia iluminado ou por desinteresse do Independiente em ajudar o rival, o Taladro (que significa “furadeira”) realmente brocou o Rojo, surrado por 5-0 com José Sánchez, Converti e Moreno marcando uma vez e Albella, duas – ele terminaria o torneio na vice-artilharia junto com o lanusense José Florio. Se dependesse do número de vitórias, o título era banfileño: 17 contra 16 do Racing. Se dependesse do saldo de gols, também: o dos nanicos era trinta e o dos bicampeões, 23.

Porém, o que houve foi o agendamento de um jogo extra entre os dois líderes. A torcida alviverde nunca engoliu isso, argumentando que esse critério, embora historicamente empregado no país (com precedentes já no certame inicial de 1891 e também em 1897, 1898, 1911, 1912, 1915, 1923 e 1932), só veio a ser incluído no regulamento de 1951 com o certame já na reta final, sob a expectativa de uma liderança conjunta – ao menos é o que sustenta a historiografia de Víctor Raffo. Impressão corroborada pela ajuda governamental para que o Racing erguesse em 1950 o seu Cilindro, nomeado oficialmente com o nome do próprio presidente Juan Domingo Perón, alimentando o mito de que o general era racinguista (na verdade, torcia pelo Boca; racinguista era seu ministro da Fazenda, Ramón Cereijo); por outro lado, houve a versão de que a primeira-dama Evita, em seus últimos meses de vida, preferisse que o time humilde fosse o vencedor.

Após a temporada regular encerrar em 25 de novembro, a data de 1º de dezembro viu os líderes duelarem no lotado estádio neutro do San Lorenzo. O Racing trajou sua camisa tradicional enquanto a zebra vestia uma reserva verde com faixa diagonal branca. Foi um jogo sem maiores emoções, com o caráter de decisão fazendo as duas equipes primarem mais pela defesa do que pelo ataque. A revista El Gráfico resumiu no título: “não aconteceu nada”, detalhando que a camisa mais pesada teve mais volume ofensivo no primeiro tempo, mas sem que seus componentes se entendessem entre dar o último passe ou concluir – foram três arremates contados. No segundo, os azarões foram superiores, especialmente nas jogadas de Albella, mas prevaleceu mesmo o 0-0 – ainda que um gol tenha sido marcado por Simes, mas anulado por impedimento. Sem prorrogação e sem pênaltis, o empate apenas forçou um segundo jogo para o dia 5, novamente no Gasómetro.

Os capitães Higinio García e Luis Bagnato antes da segunda final e o golaço de Mario Boyé

A segunda final teve uma inversão: agora o Banfield desfilava a camisa titular branca com faixa verde e a Academia reluzia uma camisa azul escura com três faixas contíguas nas cores da bandeira argentina, com duas listras celestes intercaladas por uma branca – no modelo usado pelo Racing de Paris naquele duelo de 1950. O que não mudou foi a paridade de forças, em outra análise da El Gráfico. Boyé vinha sendo sempre anulado por Bagnato. O próprio Atómico não vinha de um campeonato tão frutífero, na realidade: após o ponta ter feito onze gols no título de 1950, lograra em 1951 o feito de marcar o gol argentino na honrosa derrota de 2-1 para a Inglaterra em Wembley, mas só somara mais três na temporada pelo Racing. Pois o astro teve sua redenção no primeiro minuto do segundo tempo: Bravo passou a Ameal e este, por elevação, encobriu Bagnato. A bola chegou na medida para Boyé disparar uma característica bomba de longa distância, a entrar no ângulo do goleiro Manuel Graneros, mais ou menos como no lance imortalizado por Juan Carlos Cárdenas para decidir o Mundial de 1967.  

Restou ao Banfield contentar-se como “campeão moral”, dono de “uma campanha sem precedentes” como a El Gráfico fez questão de ressaltar, enquanto o Clarín louvou que a final teve “um grande vencedor” e “um grande vencido”. O time do Sul ainda fez uma graça com o quinto lugar de 1952 antes de ser rebaixado já em 1954, voltar em 1963 e tornar a cair em 1972 sem ir além do sétimo lugar nesse período. A volta veio já em 1974, com uma boa campanha em 1976 (eliminado nas quartas para o campeão Boca) seguida de nova queda em 1978. A temporada de 1987-88 foi a única banfileña na elite oitentista, seguida pelo retorno na de 1993-94, quando revelou Javier Zanetti antes de cair em 1997. O Taladro voltou em 2001 e começou a fazer boas campanhas, com o elenco de Rodrigo Palacio, Jesús Dátolo e Daniel Bilos (todos adquiridos pelo Boca) lhe fazendo estrear em 2005 na Libertadores no embalo de três pódios até o time de Santiago Silva e James Rodríguez enfim levantar em 2009 a única conquista alviverde na primeira divisão – ainda que nova queda viesse em 2012.

O Racing, por sua vez, não só se tornava o primeiro tri seguido do profissionalismo, sequência que só o River conseguiu. Também se igualava de uma vez aos três títulos profissionais já levantados pelo Independiente e acumulava ainda o 12º título argentino na contagem geral, na qual se tornava a equipe mais campeã do país, agora igualada ao Boca. E esteve no páreo pelo tetra em 1952, perdido por um ponto para o River, figurando no pódio também em 1953. Mas já sofria um desmanche de diversas ordens, desde a transferência de pilares como Rubén Bravo para outras equipes e até para a política, área em que o goleiro Antonio Rodríguez passou a dedicar-se já em 1952, na prefeitura de Quilmes. O ano de 1952, por outro lado, marcou a adoção de um torcedor do Independiente que deixaria o clubismo juvenil para sempre ao ser incorporado pela Academia: Juan José Pizzuti, cuja trajetória de quarto maior artilheiro do clube já é outra história, tratada nesse outro Especial.

O time de 1951 ainda lembrado em painel do Banfield e o Racing, visto como mais vitorioso clube argentino, entregando ao Corinthians as faixas de bicampeão paulista – o jogador argentino da imagem já é Juan José Pizzuti

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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