Marcado por inúmeros insucessos, a despeito de ser o primeiro time não-europeu a derrotar na casa adversária tanto Real Madrid como o Barcelona, há um quarto de século o sofrido Gimnasia LP teve seu maior momento profissional: o time dos jovens Barros Schelotto venceu um futuro rival dos gêmeos, o River, e sagrou-se campeão. Do quê? Da Copa Centenário, torneio oficial que a AFA organizou para, como indica o nome, celebrar o centenário do órgão que dirige o futebol argentino. Título que abriu um período soberbo para a torcida tripera, ainda que nova taças não viessem.
A AFA considera-se herdeira da segunda Argentine Association Football League, criada em 1893, e não da primeira, que em 1891 organizou naquele o primeiro campeonato nacional (ao menos no nome) de futebol no mundo fora do Reino Unido. A primeira AAFL falhou em repetir o certame em 1892 e foi extinta. Por isso, o campeão de 1891, o St. Andrew’s, time que indiretamente inspirou o uniforme original do Independiente (clique aqui), não tem o título oficialmente reconhecido. A nova AAFL reintroduziu um campeonato e desde 1893 novas edições ocorrem sem interrupções ano a ano, razão pela qual a Copa Centenario começou em 1993, no fim de junho. Essa discrepância de dois anos acabaria favorecendo uma generosa fornada de talentos do Lobo de La Plata, entrosada em especial a partir da temporada 1992-93 – temporada na qual chegou às semifinais da Copa Conmebol 1992.
A fórmula da Copa Centenário foi ao mesmo tempo simples e complicada: reuniu todos os da elite da temporada 1992-93, menos os rebaixados Talleres e San Martín de Tucumán, para um torneio mata-mata, começando normalmente pelos clássicos (quando eram possíveis entre os demais times da elite). Assim, o Boca pegou o River no primeiro duelo; o Racing pegou o Independiente; San Lorenzo, o Huracán; Newell’s, o Rosario Central; Vélez, o Ferro Carril Oeste; e o Gimnasia, seu odiado Estudiantes. Os outros jogos foram Platense-Lanús, Belgrano-Deportivo Mandiyú e Argentinos Jrs-Deportivo Español; os dois Deportivos eram cascudos times da época – o Mandiyú inclusive atrairia Maradona para ser seu técnico em 1994. A primeira fase consistia em jogos de ida e volta.
A complicação veio no fato de que os mata-matas não foram exatamente mata-matas: os derrotados seguiam no torneio, mas em duelos à parte entre si. Assim, o “mata-mata dos vencedores” ia gradualmente diminuindo mas, em vez de apontar o campeão, apontaria um dos finalistas da Copa Centenário. Já os perdedores da fase inicial fizeram mata-matas entre si, onde então os “perdedores dos perdedores”iam deixando o torneio; os “perdedores dos vencedores”, por sua vez, se juntavam a cada fase seguinte do grupo dos perdedores. E assim foi sucessivamente. O torneio só não ficou mais longo porque, a partir da fase seguinte à dos clássicos, os duelos se deram em jogo único.
Mesmo assim, em dado momento o torneio, que obviamente deveria ser finalizado ainda em 1993, foi a posto em xeque – o prolongamento desorganizado viu inclusive o time campeão trocar de técnicos e de fornecedor de material esportivo ao longo da campanha (o ex-cruzeirense Roberto Perfumo dirigiu o Gimnasia apenas na final, sucedendo a dupla Carlos Ramaciotti e Edgardo Sbrissa, ocasião em que a Hummel já havia substituído a Adidas no manto tripero; Ramaciotti não guarda rancores, tendo declarado hoje que gostaria de compartilhar o festejo com “Roberto, que está no céu”); o presidente gimnasista Héctor Delmar precisou até intervir para garantir a continuidade da competição. Terminaria premiado e dedicando a taça à todos os torcedores “vivos e mortos”, a “todos os presidentes” e a todos os que trabalharam “pela grande história do Gimnasia”.
Se a partir do 7-0 sofrido em 2006 o Gimnasia só conheceu uma vitória no clássico (no já distante 2010), entre 1985 e 2006 o lado alviazul de La Plata mandou no dérbi. Ainda na metade final dos anos 80, chegou a ficar dez clássicos seguidos sem vencer no final dos anos 80, a maior invencibilidade registrada na rivalidade platense no século passado. Inclusive, antes do 7-0, o desnível de troféus não se refletia no dérbi: o Lobo só tinha uma vitória a menos em jogos “oficiais”, e tinha até mais triunfos se fossem considerados os amistosos. Nesse contexto mais disputado, a cidade das diagonais viu dois jogos ásperos pela rodada inicial da Copa Centenário.
O jogo de ida teve um pincharrata expulso, Ramírez, logo aos 13 do primeiro tempo; e foi encerrado ainda aos 15 do segundo, quando o juiz Biscay foi apedrejado seis minutos após Guillermo Barros Schelotto (aproveitando sem cerimônia de levantar o pé um lançamento de Pablo Fernández) marcar o gol da vitória do Gimnasia – um golaço, diga-se, encobrindo o goleiro. Foi também o primeiro gol de Guille na história do clássico.
Na volta, os triperos seguraram o empate contra o time de José Luis Calderón e Palermo, expulso a dois minutos do fim. Se nos futuros campeões os gêmeos Guillermo e Gustavo Schelotto ficaram mais célebres, o time também tinha outros pilares. “Jogadores como Sanguinetti, o Indio Ortiz, Dopazo, Bianca, Guerra ou o Moncho (Fernández) demonstravam sua personalidade em cada aspecto do jogo, era um grupo com uma grande riqueza espiritual e nisso se baseou o logro”, contou outro membro, Pablo Morant.
A seguir, as oitavas-de-final opuseram o Gimnasia e Newell’s, que levara a melhor no Clásico Rosarino. Já era em jogo único, realizado no estádio do Estudiantes. E uma jogada dos gêmeos resultou no único gol: Guillermo, pelo meio, lançou para Gustavo, que pela ponta-direita cruzou para Sergio Dopazo acertar a cabeça logo aos 7 minutos. A partida também terminaria ríspida: conforme o tempo passava e os rubronegros não empatavam, perdiam a cabeça. O árbitro Loustau expulsou três deles no segundo tempo (Castagno Suárez, o goleiro Díaz e Ramos) e também avermelhou o alviazul Jorge San Esteban. A partida durou até os 42 minutos do segundo tempo.
A campanha gimnasista perigou depois. Contra o Argentinos Jrs, começou perdendo e podia ter levado um 2-0 aos 45 do primeiro tempo, quando teve o goleiro Enzo Noce expulso por pênalti em um adversário. Por sorte, Gómez perdeu a cobrança. Em grande superação no estádio do Deportivo Español, mesmo com um a menos a virada platense foi alcançada no segundo tempo, com Dopazo (com um pênalti forte no meio do gol) e, a 20 minutos do fim, com Morant cabeceando para o gol vazio bola levantada pela cabeça de Pereyra após escanteio cobrado por Guillermo Barros Schelotto. Àquela altura, no mata-matas dos vencedores só sobravam Gimnasia e Belgrano, que em agosto fizeram a “final”, na casa deste, em Córdoba. O campo adversário não foi a única adversidade: o Pirata esteve duas vezes à frente do placar.
Mas os visitantes continuaram valentes e premiados com a insistência no fim de cada tempo. Primeiramente, com um gol de alguma sorte dos gêmeos: uma falta cobrada por Guillermo resvalou na barreira, mas a bola sobrou para Gustavo, livre na cara do gol, empatar parcialmente em 1-1 no minuto 42. De pênalti, um tiro de Dopazo no meio do gol fez os 2-2 nos 37 da outra etapa. Nos penais, todos foram acertando até o goleiro tripero reserva Jorge Gregorutti (no lugar do suspenso Noce) pegar a quarta cobrança adversária, de Brusco. Se Dopazo voltasse a converter, na quinta cobrança visitante, a história acabava, mas Cancelarich, terceiro goleiro da seleção argentina na Copa 1990, pegou. Mas, já nas alternadas, o ídolo belgranense Luis Ernesto Sosa perdeu a quinta cobrança cordobesa. Os platenses converteram com Fabián Vázquez e puderam comemorar o 6-5.
A temporada 1993-94 começou e interrompeu os mata-matas dos perdedores. Nos primeiros mata-matas da Copa Centenário, o River havia levado a melhor no Superclásico com o Boca, mas em seguida perdeu para o Racing (porque o uruguaio Rubén da Silva teve pênalti defendido por Nacho González) e passou à chave dos perdedores. Nela, despachou Independiente (3-0), Deportivo Español (3-2) e Argentinos Jrs (2-1), tudo ainda em agosto de 1993. No fim de dezembro, o Millo então eliminou o San Lorenzo, por 3-2. Detalhe: o torneio Apertura 1993, iniciado em setembro, ainda não estava finalizado e só seria concluído já em março de 1994. Em meio à desorganizada maratona, o River voltou em campo pela Copa Centenário em 23 de janeiro de 1994, quando fez a “final dos perdedores” com o último eliminado na chave dos vencedores, o Belgrano. A camisa mais pesada prevaleceu, em 2-1 com Toresani assinando uma vitória obtida aos 11 minutos do segundo tempo da prorrogação.
Uma semana depois, enfim a Copa Centenário foi decidida, em jogo único. Finalista dos vencedores, o Gimnasia teria duas vantagens: jogava pelo empate e em casa. O estrelado River, que adiante superaria o líder Racing para vencer o Apertura 1993, ameaçou impedir a festa tripera. O goleiro platense Javier Lavallén, ainda adolescente, foi inicialmente forçado a espalmar tiro de Berti no canto e ainda aos 10 minutos salvou um pênalti violento cobrado por Rivarola no meio do gol, mandando a bola para cima do travessão. Fez justiça: a penalidade havia ocorrido, de Pablo Talarico em Hernán Díaz, mas fora da grande área: “foi uma das defesas mais importantes da minha vida, a nível pessoal com certeza, pelo sentimento que tenho eu, que sou torcedor do Gimnasia e estive no clube desde os 8 anos, trabalhando para chegar na primeira divisão”, declararia o arqueiro.
Quase todos os campeões vinham mesmo da base e uma das exceções, o saudoso uruguaio Hugo Guerra (o mesmo que dali a dois anos, já pelo Boca, vitimou o River com um folclórico gol de nuca; faleceu precocemente no ano passado), cabeceou quase no chão bola uma cruzada por Guillermo Barros Schelotto e abriu o marcador no fim do primeiro tempo. Villalba ainda empatou logo no início do segundo tempo, cara a cara com o goleiro após ser lançado por Berti. O título ainda ficava com o Gimnasia e se aproximou mais aos 31, quando Pablo Fernández recolocou o Lobo à frente, completando cobrança de escanteio de Guillermo. O adversário Hernán Díaz foi então expulso aos 43 após soltar a mão no rosto de Guillermo em lance bobo, onde a bola saía (prólogo das provocações que ambos trocariam em futuros Superclásicos). Um minuto depois, o próprio Guille, matou o jogo; Fernández fora acionado em contra-ataque e estava em boa posição para arrematar, mais foi generoso ao ver El Mellizo desmarcado e passou para ele anotar o 3-1 no gol vazio de Goycochea – e, por tabela, também em Ortega, Crespo e o técnico Passarella.
O apito final soou assim que o toque do reinício foi dado. A torcida logo invadir o campo, sem controle. Para muitos que equivocadamente ignoram o passado amador (visão no entanto bastante forte na Argentina, ainda que reestudada recentemente), este é o único título expressivo do Gimnasia. O time foi uma só vez campeão argentino, pelo ainda amador certame de 1929. Mas a partir da Copa Centenário o time passou a brigar de modo assíduo por novas taças: foram nada menos que cinco vice-campeonatos argentinos entre 1995 e 2005, em desventuras incluídas em um Especial dedicado só aos impressionantes infortúnios do time – a incluir a derrota nos pênaltis na última Copa Argentina, em semana infeliz aos Mellizos Schelotto, que dias depois perderiam pelo Boca a Libertadores para o rival que derrotavam há 25 anos.
Nos bons anos 90 do Lobo, restou se contentar mesmo mais com 1994, inclusive por outras razões: meses depois, em maio, gols de Gustavo Barros Schelotto e Fabián Fernández assinalaram um 2-1 no clássico platense decisivo para o Estudiantes rodadas depois ser (pela última vez) rebaixado…
Para mais detalhes, recomendamos acompanhar o “hilo” da conta da Comissão de História do Gimnasia, começando pela postagem abaixo:
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