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Quando o Chacarita passou o réveillon no Nordeste brasileiro

Por Leandro Paulo Bernardo

“Tem histórias que o tempo ofusca, em outras somos os arqueólogos”… Na história do Chacarita Juniors, o ano de 1952 talvez não tenha sido marcado por conquistas registradas em livros, porém foi um ano intenso para o clube. Incluindo duas excursões pelo Brasil – na segunda delas, visitando o Nordeste.

Na edição do campeonato argentino de 1952, los funebreros obtiveram a 11° colocação, mas festejaram rebaixamento do rival Atlanta. O Chaca tinha uma certa quantia da venda do atacante Eduardo Ricagni ao Montevideo Wanderes (ele não se adaptou no Uruguai e logo retornou à Argentina, sendo justamente o artilheiro de 1952 pelo Huracán; jogaria pelos rivais Juventus e Torino, defendendo as seleções argentina e italiana) e resolveu buscar de volta no Boca um grande ídolo, Francisco Campana. Campana defendera por três anos o Boca Juniors (1949 a 1951), sem êxito.

O ano de 1952 também marcou a última temporada do goleiro Isaac López, titular por quinze anos, entre 1937 e 1952, e que havia feito as pazes com a torcida, já que numa derrota por 4-1 contra o Boca em setembro de 1950 ele se negou a voltar para o segundo tempo devido às vaias de alguns torcedores do Chacarita (por toda a segunda etapa as balizas tricolores foram defendidas as pelo atacante Enrique Esquide). O Boca vingou a goleada de 1948, quando o Chacarita, com um jogador a menos, venceu por 5-1, sendo quatro gols marcados pelo ídolo Campana.

Para arrecadar dinheiro e fazer uma boa pré temporada, era bastante comum naquela época os clubes argentinos excursionarem pelo continente. Em janeiro de 1952, o Chacarita já havia ido até Porto Alegre, empatando uma partida e venceu outra contra o Grêmio, no antigo estádio da Baixada; também empatou uma partida e perdeu outra para o Internacional, no antigo estádio dos Eucaliptos; e empatou por 2-2 com o Renner. No mês seguinte, sofreu a maior derrota jogando no Brasil, por 4-0 para a seleção catarinense em Florianópolis – Federico Pizarro perdeu uma penalidade defendida pelo arqueiro Adolfinho. Finalizaram os jogos no Brasil vencendo o Carlos Renaux em Brusque por 3-1.

Já para nova excursão ao fim de 1952, foram também agendados quatro jogos no Recife, todos a serem realizados na Ilha do Retiro e com o clube argentino recebendo 100 mil cruzeiros por cada jogo. A primeira equipe estrangeira a jogar no Recife foi justamente o rival Atlanta, em 1937, após também vencer clubes gaúchos. Naquela ocasião, foram marcadas duas partidas no campo da Avenida Malaquias (antigo estádio do Sport). O Bohemio venceu por 10-6 o Náutico e por 7-2 o Sport. Um ano antes do Chacarita, em dezembro de 1951, o Vélez veio ao Recife e teve êxito nos três embates; venceu o Náutico por 3-2 no dia 6, o Santa Cruz por 3-1 no dia 9 e o Sport por 3-2 no dia 25. 

A primeira partida do Chaca em Pernambuco foi justamente na tarde do Natal de 1952, quando houve um encontro de tricolores em vermelho, preto e branco: Santa Cruz x Chacarita. Os argentinos abriram o placar após uma penalidade, mas o Santa empatou, também de pênalti, cobrado por Amaury Santos. E marcou o segundo com Dodô. Essa partida foi destaque na capa do jornal carioca Correio da Manhã (vide imagem acima).

No dia 28 de Dezembro, com o clube argentino já descansado da longa viagem, houve um confronto com o campeão pernambucano daquele ano, o Náutico. Essa partida foi uma preliminar para o clássico entre América e Sport, e segundo relatos, a torcida do Sport ficou torcendo para o Chacarita, que chegou a marcar dois gols, ainda que depois o “Timbu” conseguisse o empate. A partir desse jogo, o treinador do Chacarita, Romero, definiu o time titular para o resto da excursão; Berti; Pizarro, Ferraro; García, Espinosa, Arrais; Otero, Coll, Barta, Campana e Esquide.

A delegação argentina desfrutou a noite de réveillon na Veneza Brasileira para enfrentar no dia seguinte o forte América. O então vice campeão pernambucano era treinado pelo argentino Dante Bianchi (ex-jogador do Atlanta) – vale o registro de que na temporada de 1932 contara na equipe com outro, argentino Alberto Salonni. Bianchi, por sua vez, iniciaria um excelente trabalho no Sport até 1959, contando no elenco com os uruguaios Walter Morel e Raul Bentancor e lançando os jovens Manga e Almir Pernambuquinho. Foi ainda campeão pernambucano com o Náutico em 1966, rodando pelo Nordeste e Portugal. Contabilizou mais de onze passagens pelo América, apesar das divergências com o presidente Rubem Moreira.

O América iria fazer a despedida do craque Tomires (negociado com a Portuguesa) e tentava resgatar Oséas, antigo ídolo, para o confronto marcado no primeiro dia de 1953. Em 1950, Oséas tinha recebido propostas da Portuguesa, Bahia e Botafogo, mas como os esmeraldinos, presididos pelo tal Rubem Moreira, não o venderam, esse atacante de Garanhuns abandonou o futebol por alguns anos. Após retornar e defender o CSE de Palmeira dos Índios em 1952, a direção do Mequinha tentou através daquele amistoso convencer Oséas (último a falecer, em 2008, do último elenco campeão do clube, em 1944) a retornar. Ele não quis e o América perdeu por 3-1 do Chacarita, na melhor exibição de Francisco Campana.

Aproveitando-se da passagem do clube argentino e da proximidade com o Recife, dirigentes da Federação Paraibana organizaram um amistoso entre um combinado de jogadores do Auto Esporte e do Botafogo contra o Chacarita no antigo estádio do Esporte Clube Cabo Branco em João Pessoa. A dupla Coll e Campana fez uma nova exibição de gala, dando a vitória ao Chacarita por 4-2. O clube retornou ao Recife e no dia 06 de janeiro venceu o Sport 1-0. O meia Costa passou a substituir o ponta-direita Otero no decorrer dos jogos que seguiram pelo Brasil.

Em Minas Gerais, o Chaca jogou na cidade de Juiz de Fora e derrotou o Tupynambás por 2-1. Os argentinos desembarcaram em Belo Horizonte, onde conquistaram uma vitória por 2-1 contra o Cruzeiro no dia 18, um empate de 1-1 contra o América no dia 21 e uma vitória contra o Atlético por 1-0 no dia 25, partida esta interrompida pelo árbitro Geraldo Toledo aos 30’ do 2º tempo devido ao excesso de violência dos jogadores atleticanos e pelo mau comportamento de sua torcida, que hostilizou os visitantes o tempo todo e invadiu o campo após o gol legítimo do adversário.

No dia 29, o clube realizou uma quarta e curiosa partida em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, contra uma seleção de detentos da Penitenciária Agrícola de Neves, e venceu por quatro a zero. Terminou a turnê em Porto Alegre; no dia 4 de fevereiro, empatou por 2-2 com o Grêmio e no dia 6 de fevereiro empatou por 1-1 com o Internacional. No campeonato argentino de 1953, obteve a melhor classificação em dez anos na elite, a 8ª, ainda que pouco tempo depois, em 1956, tenha sido rebaixado para a segundona.

Dos principais excursionistas, alguns deles escalados pelo Futebol Portenho para o time dos sonhos do Chacarita (clique aqui), José Coll e Enrique Esquide ficaram toda a década de cinquenta no clube, incluindo a passagem pela segunda divisão. Isaac López ainda é o recordista de jogos pelo clube, 376 partidas (343 na primeira divisão) em quinze anos pelos tricolores, incluindo recusas a ofertas de Boca e River e um jogo pela seleção (em 1943); uma tribuna no estádio tem o seu nome, assim como uma torcida organizada do clube em Mar del Plata.

Federico Pizarro chegou à seleção argentina em 1954 ainda defendendo o Chaca, sendo vendido ao San Lorenzo, onde jogou até 1957 (ano de sua despedida da seleção, no famoso 2-1 sobre o Brasil na estreia de Pelé pela canarinho, última vitória argentina no Maracanã até 1998) quando saiu para o rival Huracán. Retornou ao Chacarita para jogar a segunda divisão de 1959 (conquistada) e encerrou a carreira de jogador no Magallanes do Chile. Retornou como treinador funebrero na conquista do metropolitano de 1969, único título do Chaca na elite (saiba mais).

Francisco Campana desfilou pelo clube até 1955, quando foi vendido para o América do México. Contabilizou 72 gols pelo Chacarita em campeonatos argentinos da primeira divisão (recorde até hoje). Foi campeão da Copa América em 1947. Naquela derrota por 4-1 contra o Boca em 1950, ele havia marcado o segundo gol dos xeneizes, porém sempre foi lembrado pela atuação impecável e pelos quatros gols que marcou no 5-1 de 1948.

Da Redação

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