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Quando George Best jogou na Argentina (e na Bombonera)

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Best em La Bombonera

Românticos consideram o norte-irlandês George Best como o melhor jogador que já surgiu no Reino Unido. Falecida há exatos dez anos, a estrela do Manchester United, porém, jamais se classificou a uma Copa. Cheia de compromissos com os Red Devils, atuou pela Irlanda do Norte basicamente nas eliminatórias da Copa e Eurocopa e no extinto campeonato britânico de seleções, tanto que jogou apenas dois amistosos por sua nação: um contra a Alemanha Ocidental, em 1977, e outro contra o Uruguai, em 1965 (em sua segunda partida pelo Ulster). A Celeste foi, então, a única seleção sul-americana que enfrentou, e ainda assim em Belfast (3-0). Mas Best visitou a América do Sul ao menos uma vez. Foi pelo mundial interclubes de 1968.

Best, já na época, conseguia ser uma rara estrela mundial do futebol mesmo sem jogar Copas. O pessoal do Estudiantes de La Plata estava bastante ciente sobre ele. Contra o uniforme também alvirrubro do adversário, os súditos da Rainha jogaram de azul, combinação que já havia dado certo na final europeia, diante do Benfica de Eusébio. Jogo de tamanho apelo foi em La Bombonera.

O jogo foi não chegou a ser violento como bastante propagado diante da má fama daquele Estudiantes (apesar das tentativas de Carlos Bilardo e Nobby Stiles), mas não deixou de ser pobre tecnicamente. Principalmente da parte dos visitantes, sem muita iniciativa ofensiva e apenas esperando pelos argentinos. “Até os 27 minutos do encontro, o objetivo visitante foi conservar o 0-0. Depois dos 27 minutos, concretizado o gol de Conigliaro, foi conservar o 1-0 contra”, observou a revista El Gráfico. Não que os pincharratas fizessem por merecer mais gols, errando muitas vezes.

A revista assinalou que “o campeão da Europa decepcionou em todo sentido. Inclusive defendendo, ainda que durante 85 dos 90 minutos acumulou 8 e até 9 homens em posições de retaguarda. Suas famosas individualidades não se viram, salvo alguns esporádicos arranques de George Best (muito bem controlado por Malbernat) no segundo tempo”. E Malbernat não era nada carniceiro: a própria revista oficial do United classificou-o como um dos mais finos jogadores do Pincha. Prosseguiu a publicação decretando que “comparado com os anteriores campeões da Europa que nos visitaram (Inter duas vezes e Celtic no último ano), a equipe inglesa foi facilmente LAMENTÁVEL”.

A irritante linha de impedimento foi uma inovação daquele Estudiantes e surpreendeu os britânicos. Best foi assim anulado três vezes (Law chegou a ficar oito vezes impedido). Foi notado quando sofreu duas faltas de Bilardo e quando reclamou de toque de mão de Malbernat após uma firula. A grande reclamação inglesa, porém, foi outra: um gol anulado a cinco minutos do fim.

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Aguirre Suárez mostrando com bom humor a janela apedrejada e tumulto na saída dos campeões no Old Trafford

Mas, após a partida, a delegação do United se convenceu do acerto do juiz após ver fotos provando que Bill Foulkes, impedido, atrapalhava a visão do goleiro Alberto Poletti. “Houve patadas. Como em qualquer encontro. Mas fazer da violência o tema central da partida é ridículo e falso”, esbravejou a El Gráfico.

Best mereceu um “verbete” sobre sua atuação: “não foi importante, conforme a fama… usou e mal gastou a bola na exibição de todo seu repertório de armações, malabarismos e freios. E sabe. Disso não ficou nenhuma dúvida. Não sabemos se atribuir sua excessiva individualidade à solidão que manteve o largo dos 90 minutos ou a que essa característica está metida no seu conformismo. De todos os modos, o respeitamos como elemento de desequilíbrio tendo em conta ‘a verdade’ de seu drible”.

O confronto da volta foi ainda pior para o astro, cujas jogadas na segunda final foram rotuladas de apenas “supérfluas”. Em Old Trafford, o Estudiantes vencia novamente desde os cinco minutos de jogo (em cabeceio de Juan Ramón Verón, pai de Juan Sebastián e igualmente craque como o filho, que curiosamente jogaria nas duas equipes) até o último, quando sofreu o empate. Ainda assim, o resultado lhe deu o título. Best foi expulso, não sem antes “agredir três jogadores do Estudiantes, sucessivamente e a golpes de punho”. O repórter da El Gráfico relatou sobre o United que “é o mesmo que eu vi na Bombonera… não é quase muito. Ou é muito pouco. Às vezes nada. Porque aqui esperávamos vê-lo atacar. E nem isso sabe.”

Best foi expulso no finzinho, ainda antes do empate. Dera um pontapé em Togneri e em Malbernat pouco antes. Depois, Medina foi marca-lo apenas para monitorar a saída de bola a favor do Estudiantes. Levou um soco do irlandês direto no nariz. O juiz, após aviso do bandeirinha, expulsou ambos. Como Best, os torcedores estavam inconformados. Chegou-se a ter objetos atirados no gramado e os sul-americanos precisaram sair sob escudo policial. O hotel deles chegou a ser apedrejado. Fatos esquecidos pelo manto de que violentos e catimbeiros são sempre os argentinos e não os gentlemen britânicos.

Já contamos sobre aquela final neste outro Especial, cujas fontes foram principalmente matérias de época coletadas pelo blog MazyPinchaclique aqui para acessar o relato argentino da primeira final; aqui para acessar o da segunda final, mostrando a selvageria britânica; e aqui para ver o review da revista oficial do United na época, que, em contraste, tece diversos elogios ao tratamento hospitaleiro recebido na Argentina pelo Estudiantes.

Apesar do fiasco contra o Estudiantes, Best em sua época seguiu prestigiado na Argentina
Apesar do fiasco contra o Estudiantes, Best em sua época seguiu prestigiado na Argentina

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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