Boca e River já travaram Superclásicos decisivos, dolorosos para o lado derrotado. Mas nada comparado ao que ocorreu em um simples 0-0 em 1968. Ao fim desta partida, a ter completado ontem 45 anos, uma tragédia ainda hoje não totalmente esclarecida ofuscou tudo. 71 torcedores boquenses, a maioria adolescentes, morreram esmagados contra a então Porta 12 (hoje, Porta L) do Monumental de Núñez.
Quanto à partida, era válida pelo Metropolitano de 1968. O resultado acabou mais favorável ao River, que mais adiante se classificaria às semifinais, ao passo que o Boca, exatamente pela falta de um ponto, não avançou a essa fase. Além disso, serviu para o veterano Amadeo Carrizo somar mais 90 minutos sem tomar gols. Foi seu último Superclásico.
Três semanas depois, com 769 minutos de invencibilidade acumulada, Carrizo obteria um recorde nacional do tipo, sendo ovacionado quando, enfim, foi vazado – curiosamente, por Carlos Bianchi, então um jovem atacante do Vélez. O dérbi foi lembrado em razão do goleiro também por outro motivo: o xeneize Ángel Rojas, o irreverente Rojitas, lhe afanou o boné para tirá-lo do sério, divertindo os auriazuis, que adoravam odiar Carrizo. Ele vingou-se a dez minutos do fim, sentando-se no meio do gol para debochar da ineficácia do ataque oponente.
Ao fim do encontro, a plateia foi se retirando do Monumental. Os que foram pela Porta 12 tiveram de encarar um túnel escuro e estreito no último lance de escadas. Os que estavam na frente, não conseguiram sair. E acabaram prensados: quem vinha por trás não deixava de empurrar, sem saber o que se passava. Até hoje, as causas são obscuras e a tragédia terminou impune.
Há diversas versões. Há quem sustente que a Porta 12 estava fechada, total ou parcialmente, mas de qualquer forma impedindo a passagem. Quem, ao se deparar com o equívoco, tentou voltar de lá, não conseguiu superar o mar de gente que continuava descendo. No empurra-empurra, muitos foram caindo de cara no chão e soterrados por outros, não conseguindo levantar. Enrique Acuña, espectador que tentou sair por ali dez minutos antes do fim do jogo por conta do desmaio do filho, assegurou que este prosaico motivo teria sido a causa; ao ver a porta fechada, deu meia-volta e saiu por outro local.
“Trabalhei nesse caso e posso dar fé de que o que originou o desastre foi algo muito simples: as portas estavam fechadas. Na época, as portas eram manejadas pelos inspetores da Municipalidade. E dois deles se esqueceram de abri-las. (…) Quando o inspetor se dá conta e abre, a gente já estava morta. Ver foi tremendo: abriram a porta e de golpe caiu uma bola humana de dois metros e os corpos ficaram esparramados pela (avenida) Figueroa Alcorta”, teria contado Carlos López, policial que trabalhou no dia.
Juan Carlos Tabanera, um dito inspetor da Municipalidade, afirmou que não foi bem assim, e sim que a polícia é que teria provocado tudo: “a porta estava aberta e as catracas, retiradas. Eu estava aí e dou minha fé (…). Minha hipótese é que se quis acobertar o desempenho da força (policial) e se inventou o tema das catracas”, que também teriam barrado as pessoas.
Outro a dizer que a causa foi a repressão policial foi um ex-presidente do River, William Kent: “os torcedores faziam suas necessidades em vasos de café e atiravam urina e excrementos à polícia montada que estava na rua. Isso provocou a repressão policial e, logo, a tragédia”. Na mesma linha, há quem diga que seria também um revide à torcida do Boca por ter cantado a Marcha Peronista, um crime naqueles tempos da ditadura de Juan Carlos Onganía.
Já um advogado do River em 1968, Ariel Ángel Dasso, também foi na linha de que a porta estava aberta e a polícia teria impedido uma saída célere da torcida visitante, mas culpou barrabravas do Boca: alguns, temendo a prisão, teriam tentado voltar ao estádio para sair por outro lugar, sem sucesso. Mas a conclusão dos peritos foi mesmo de que as portas estariam fechadas, o que não foi o suficiente para a justiça penal estabelecer punições.
A maioria dos familiares desistiu do recurso e apenas duas famílias acabariam indenizadas pelo River e pela AFA, em troca de também renunciar a ações legais. Apesar de um dia de luto nacional declarado e da rápida divulgação da tragédia (“Na volta no ônibus, vínhamos escutando, horrorizados com o que ocorreu no Monumental”, declarou Abel Da Graca, ex-jogador do Los Andes que não se esquece do dia por ter sido fraturado nele por Otto Sesana, do Rosario Central), o incidente saiu da mídia pelos anos seguintes.
Apenas em março de 2008 o River prestou no local homenagem, realizada pelo Movimento Mujeres de River, após a repercussão do documentário Porta 12, de Pablo Tesoriere (sobrinho-neto do goleiro Américo Tesoriere, antigo ídolo do Boca e primeiro jogador de futebol a aparecer na capa da El Gráfico). Abaixo, o trailer.
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