Platense, a equipe que mais escapou de rebaixamentos na Argentina
Ontem completou-se trinta anos de um Platense 2-0 Temperley, gols de Miguel Ángel Gambier (falecido em setembro passado) e Carlos Alfaro Moreno. A partida definiu quem mais terminaria a temporada 1986-87 rebaixado à segundona; o Sportivo Italiano, após sua única aparição na elite, já havia caído. O jogo só foi possível após uma das maiores reviravoltas nos gramados argentinos: o Tense escapou do rebaixamento após virar um 2-0 para 3-2 contra o River. No Monumental. Na última meia-hora de jogo. Com um reserva, o tal Gambier, marcando os três gols. Detalhamos neste outro Especial, mas vale relembrar o período 1976-1999, quando o Platense escapou de todo jeito possível.
Se hoje o Calamar está sumido da elite desde 1999, aparecendo até na terceirona e tendo fama externa apenas como um raro clube marrom no mundo e que revelou David Trezeguet, até os anos 50 era uma das equipes mais expressivas dentre as pequenas. Era mais ou menos um Vélez da época. Considerando que o Huracán era unanimemente visto como “sexto grande”, em companhia ao quinteto formado por Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo, o Tense foi, dos fundadores da liga profissional de 1931, exatamente o último clube chico a experimentar o rebaixamento, em 1955.
Gente mais gabaritada hoje como Argentinos Jrs (em 1937), Vélez (1940), Tigre (1943, 1945 e 1951), Banfield (1946), Ferro Carril Oeste (1947 e 1952), Lanús (1949, quando quase Boca e Huracán foram em seu lugar) e Estudiantes (1953) caiu antes. O Rosario Central não esteve entre os fundadores da liga, mas também foi rebaixado antes, e duas vezes (1941 e 1950). Até cair, o Platense eventualmente enxertava jogadores na seleção. Quem já ouviu falar do Eldorado Colombiano liderado pelo Millonarios de Alfredo Di Stéfano talvez saiba que o time de Bogotá encheu-se de astros do River, casos também de Néstor Rossi e Adolfo Pedernera, mas vale lembrar que havia a panelinha do Platense: Antonio Báez, Carlos Aldabe e Julio Cozzi, goleiro titular da Argentina campeã da Copa América 1947, eram os calamares no Ballet Azul. Todos integraram nosso time dos sonhos do Tense.
O clube não foi o mesmo após cair. Só voltou em 1964. Até esteve perto da final do campeonato de 1967, onde, treinado por Ángel Labruna, levou uma inacreditável virada do então “virgem” Estudiantes (que virou um 3-1 para 4-3 mesmo com um a menos), mas caiu em 1971 (com direito a um 11-1 sofrido para o Independiente), só subindo em 1976. Entra a queda e a volta, precisou vender o estádio no bairro portenho de Saavedra e mudar-se para a cidade de Vicente López. A partir de então, a sina foi viver de evitar novas quedas, enterrando muitos clubes no lugar.
1977: a equipe até estava confortável em um campeonato que previa três rebaixamentos, mas perdeu treze jogos seguidos. Ferro Carril Oeste e Temperley tiveram as pontuações mais baixas, com a outra “vaga” ficando na última rodada entre Lanús, Platense (ambos com 38 pontos) e Racing (39), contra quem faria confronto direto: perdeu, mas o Lanús também. Marrons e grenás então travaram um tira-teima no campo neutro do San Lorenzo. Após 0-0, começou uma interminável série de pênaltis, no qual o ameaçado goleiro Oscar Miguelucci, acusado de “entregar” para o Racing, termina herói já na madrugada, especialmente após defender nas alternadas uma cobrança adversária que, se convertida, rebaixaria o Tense. O Lanús só volta à elite nos anos 90.
1978: na penúltima rodada, o Platense somava 26 pontos e o Banfield, 29, em época onde a vitória valia dois. Eles se enfrentam com o oponente se garantindo na elite se empatasse. Perde de 2-1 e outro goleiro marrom vira herói por defender pênalti, Roberto Del Prete. Na última rodada, é justamente o Banfield quem folga. E nela o Platense bate o Chacarita por 1-0. O Banfield só volta em 1988.
1979: o campeonato dividiu os clubes em duas chaves de dez cada, com os dois últimos jogando o “quadrangular da morte”, do qual só o líder escaparia. A dupla rival Atlanta e Chacarita se junta a Platense e Gimnasia LP para turno e returno. O Tense começa no 0-0 em casa com o Gimnasia, mas vence todos os cinco jogos seguintes e escapa por quatro pontos. Chacarita e principalmente Atlanta deixam de ser assíduos na elite, e o Gimnasia só volta em 1985.
1981: se em 1980 o clube de Vicente López surpreendeu com a 3ª colocação, a um ponto do vice Argentinos Jrs de Maradona (“não temos Maradona, não temos Fillol, mas temos Juárez e temos Guyón”, gritavam os calamares em apoio ao elenco que tinha Heriberto Correa, ex-Monaco e seleção), em 1981 a rotina logo volta, ainda que o drama não dure até a última rodada. Só três pontos terminam separando-o do San Lorenzo, o primeiro grande rebaixado, derrotado já na 26ª rodada.
1982: só um ponto separa o 13º do rebaixado 18º, o Quilmes. O Platense fica nesse bololô, em 14º.
1983: no início do ano, o clube vai aos mata-matas do Torneio Nacional, caindo nas quartas justo para o Temperley, que não imaginava sofrer dolorosa vingança quatro anos depois. Já no Metropolitano (que é o que tem rebaixamento), o Platense, nessa boa fase, termina em 11º. E quem disse que não passou sufoco? Afinal, foi o campeonato que instituiu os famigerados promedios, com o passado recente pesando contra. Na tabela de promedios, o time é justamente o último a escapar. O alívio vem na penúltima rodada, com o rebaixamento do gigante Racing. O Nueva Chicago descera antes e só volta no século XXI.
1984: o Platense vai de novo bem no Nacional (não vai aos mata-matas pelo critério de desempate) e faz outra campanha razoável no Metropolitano, um 12º lugar. Mas os promedios continuam pesando contra e a salvação precisa de novo esperar a penúltima rodada. Caem Atlanta, que até hoje não voltou a elite, e Rosario Central, campeão nacional apenas quatro anos antes. A torcida marrom já cantava “todos nos chamam de Fantasma do Descenso/mas o Platense da primeira não sairá/todos os anos aparece um novo incapaz/ e ao descenso o temos que mandar”.
1985-86: após o Torneio Nacional de 1985, o Metropolitano é substituído por um campeonato de temporada europeia, só finalizando no meio do ano seguinte. Dessa vez, a equipe vai mal nos gramados, com o antepenúltimo lugar pesando contra os bons promedios acumulados. Mas se supera quando parecia condenado; as quatro rodadas finais reservavam o “clássico” com o Argentinos Jrs vice-campeão mundial (derrota de 2-0) e os grandes San Lorenzo (3-3 após estar perdendo de 3-1), Independiente (derrotado por 2-0 em Avellaneda) e o River campeão de tudo naquele ano: 4-4 após parciais desfavoráveis de 3-1 e 4-2. Quem acabou indo à repescagem – e depois efetivamente caindo junto com o Chacarita – foi o “sexto grande” Huracán.
1986-87: a história contada na introdução. O Temperley ficou em casa no 1-1 com o Rosario Central, que era campeão com o resultado. Como ele salvava o Gasolero, as duas torcidas até confraternizavam, pois não se esperava a inacreditável virada que o River levaria. O Temperley esperou muito, mas teria sua vingança em meados de 2014, quando ele e o Platense, na terceirona, fariam uma final pelo segundo acesso. Os celestes levaram nos pênaltis e até subiram em seguida à elite, beneficiados com os dez acessos premiados no fim daquele ano.
1987-88: o time, treinado pelo ex-ídolo santista José Ramos Delgado, faz no embalo dos jovens Alfaro Moreno e Marcelo Espina, boa campanha que compensa o péssimo promedio, terminando em 10º (a três pontos do 6º). Alfaro Moreno acaba indo às Olimpíadas, transfere-se ao Independiente campeão do torneio seguinte e é seriamente cogitado à Copa 1990. Já Espina se converteria no ídolo que chegaria à seleção ainda como jogador calamar (o penúltimo) para ser o primeiro capitão e camisa 10 pós-Maradona, e que colocaria Trezeguet no banco dali a alguns anos – histórias contada sexta retrasada, quando fez 50 anos.
Pelos dez anos seguintes, o rebaixamento já não assustou tanto. Mesmo quando foi mal, agora os promedios ajudavam: na temporada 1991-92, foi 6º no Apertura e chegou a vencer sete dos dez primeiros jogos no Clausura, até acreditando em título, ficando de novo em 6º. Para 1992-93, a equipe de Darío Scotto (artilheiro do Clausura 1992), Mariano Dalla Libera e Alfredo Cascini chegou a ousar trazendo Claudio Borghi, mito do “rival” Argentinos Jrs (único presente em todos os títulos expressivos do Bicho: Metropolitano 1984, Nacional e Libertadores 1985 como atacante, Clausura 2010 como técnico). Só para ficar em antepenúltimo no Apertura e penúltimo no Clausura…
Decepção logo curada na temporada seguinte. Claudio Spontón foi vice-artilheiro do Apertura 1993 e a equipe chegou a liderar o Clausura 1994, perdendo embalo com a pausa da Copa do Mundo. Foi nessa época que Trezeguet foi promovido ao time adulto, ainda que sem ter tanta importância. Outra revelação foi Eduardo Coudet. Spontón foi novamente vice-artilheiro e Espina dividiu a artilharia com Hernán Crespo. Ele e o goleiro Rolando Cristante terminaram convocados à Copa América 1995 e são os últimos que, como calamares, chegaram à seleção.
A taça não voltou a ficar tão próxima, mas normalmente o clube terminou rondando os dez primeiros e tinha alguma margem de segurança na tabela dos promedios. Começou a temporada 1998-99 após acumular 96 pontos nas três anteriores, contra 91 do Gimnasia Jujuy, 77 de Unión e 65 do Huracán. Ainda haviam os recém-ascendidos (Belgrano e Talleres), normalmente prejudicados na tabela de promedios. Mas o Tense foi o lanterna do Apertura, com só 13 pontos. O Huracán, muito atrás, não assustou, fazendo 20, e de fato cairia com rodadas de antecedência. Mas o Unión fez 25 e o Gimnasia, 22.
O Platense ficou no mano-a-mano no Unión e na reta final até bateu o rival deste, o Colón, além de ganhar em Avellaneda no Racing e arrancar um empate em 1-1 com o Vélez fora. Na penúltima rodada, era necessário enfrentar em casa o River, batido em três campeonatos seguidos no Monumental entre 1986 e 1989, como naquela de cerca de trinta anos atrás. O técnico Calamar era o mesmo de 1987: Carlos Chamaco Rodríguez (ex-jogador gremista). Mas a história não se repetiu: Millo 3-0 e Tense rebaixado por antecipação. O time só daria em 2007 mostras de capacidade de retornar à elite, mas perdeu a final do segundo acesso. Justo no tradicional clássico com o Tigre, dali a um ano vice-campeão da primeira divisão. El Fantasma del Descenso não se mostrou um Fantasma del Ascenso…
Mas o clássico não era com o Argentinos Jrs? As aspas em relação a ele não foram à toa. A longeva permanência calamar na elite se combinou com uma ausência de décadas do Tigre, que, salvo uma rápida estadia na elite em 1980, ficou nas divisões inferiores de 1959 a 2007. Travavam o Clásico de la Zona Norte. Já o Argentinos tinha seu clássico com o All Boys, disputado seguidamente no amadorismo, na segundona entre os anos 30 e 50 e na elite dos anos 70. Com o sumiço dos rivais, Tense e Bicho viraram os vizinhos mais próximos um do outro na elite. A ponto da geração mais jovem do Tigre (que não é da cidade de Tigre, e sim de Victoria) criar rivalidade com outro clube próximo e de confrontos assíduos nas divisões inferiores, o Chacarita, com estádio na cidade de San Martín…
Para informação mais completa, recomendamos esta nota do Xenen.
Pingback: Rosario há 35 anos: Central (bi)campeão argentino, Newell's vice
Pingback: Um clássico volta após 22 anos: Platense x Argentinos Jrs!
Pingback: Campeão por Racing e Independiente, técnico de Boca e River: Vladislao Cap