Semana passada, se completaram 115 anos do nascimento de Juan Domingo Perón. Pode não parecer, mas isso tem tudo a ver com futebol. Se a Argentina é um país onde política e futebol são paixões nacionais, nada mais normal que o nome mais importante da história política do país esteja relacionado ao futebol. Isso inclui a própria escolha da melhor concepção de jogo.
Há 40 anos, os argentinos estavam divididos em dois temas. Na política, a antiga divisão entre peronistas e antiperonistas se mantinha fortíssima. Mas, no futebol, as discussões ferviam mais do que nunca. Enquanto o Brasil havia conquistado seu terceiro mundial, os argentinos, a despeito do imenso talento de seus jogadores, simplesmente não conseguiam ser competitivos fora do continente; nem foram ao mundial do México.
Enquanto isso, naquele mesmo ano, o Estudiantes conquistava o tricampeonato da Libertadores, utilizando um estilo de jogo diferente daquele tradicionalmente praticado pelos argentinos. Prático e eficiente para alguns, feio e até desleal para outros, a equipe de La Plata parecia a muitos um modelo necessário para a superação de anos e anos de derrotas no cenário internacional. Para outros, era a negação da história do futebol do país.
Os peronistas não tiveram dúvida. Para eles, o futebol tradicional argentino deveria ser mantido como algo essencial à identidade do país. O que convergia com sua visão política nacionalista e anti-imperialista. Nada mais natural que tendessem à defesa do clássico toque de bola envolvente que sempre caracterizou o futebol do país vizinho.
Com o fracasso do mundial de 1974, essa questão se tornou mais importante ainda. Afinal, o país sediaria o mundial seguinte, e seria inaceitável repetir as más campanhas que a Albiceleste costumava fazer em suas participações em mundiais. Insistir no estilo clássico argentino ou buscar um estilo mais pragmático?
A primeira escolha prevaleceu. César Luis Menotti foi escolhido, credenciado pelo grande time que montou no Huracán, onde conquistou o título de 1973. Os peronistas apoiaram com entusiasmo aquele time repleto de jogadores altamente técnicos (Houseman, Brindisi, Babington, Carrascosa), que levaram o pequeno clube de Parque Patricios ao título (ainda hoje, o único do time na elite profissional) praticando um futebol muito vistoso.
Também ajudou o fato de Menotti ter conexões com o peronismo, que estava no poder. O velho general Perón havia finalmente retornado ao país e sido eleito presidente em 1973. Faleceu durante a copa de 1974, mas sua terceira esposa, a vice Isabelita, o substituiu na presidência. Vários políticos do partido patrocinaram a candidatura de Menotti, incluindo Paulino Niembro, deputado e sindicalista ligado à direita peronista.
Mas, nos quatro anos seguintes, as coisas mudaram. Em 1976, um golpe derrubou Isabelita e colocou no poder uma sanguinária ditadura, que perseguiu o peronismo de forma violentíssima. E os militares fizeram questão de se aproveitar do mundial de 1978 como um feito do regime. O belo futebol que é a essência do menottismo ganhava outro sentido.
Jogadores mais ligados à oposição ao regime (o goleiro Gatti, do Boca Juniors, e o lateral Carrascosa, do Huracán, titulares da equipe) chegaram ao ponto de abandonar o elenco às vésperas do mundial, por não quererem ser utilizados pela ditadura. Enquanto isso, defensores dos generais no campo do futebol não perdiam tempo.
O histórico narrador José María “El Gordo” Muñoz bradava nos microfones da rádio Rivadavia que a copa mostrava ao mundo as maravilhas do regime argentino. A poucos metros do Monumental de Núñez, opositores do regime eram torturados e assassinados em um dos maiores centros de repressão existentes no país: a ESMA, a Escola de Mecânica da Armada, hoje um museu dedicado aos direitos humanos.
A geração das copas de 1986 e 1990 consolidaria a ruptura do peronismo com o futebol clássico. Comandada por Carlos Bilardo (ex-jogador daquele lendário Estudiantes dos anos 1960), a seleção chegou à duas finais de mundiais e um título com um estilo mais pragmático. E, graças ao gênio Maradona, nem por isso deixava de encantar o mundo. Parecia perfeito para simbolizar a Argentina que se redemocratizava.
Essa transição pode ser vista claramente no importante papel do jornalista Fernando Niembro como mediador da aproximação entre peronistas e bilardistas. Amigo pessoal de Bilardo e porta-voz do governo Menem, Niembro é filho do mencionado Paulino Niembro, que fez lobby pela indicação de Menotti em 1974.
Hoje em dia, os veículos argentinos de imprensa estão repletos de jornalistas peronistas que defendem o estilo de jogo bilardista (Fernando Niembro, Víctor Hugo Morales, Alejandro Apo, Diego Latorre, Pollo Vignolo, Chavo Fucks, etc.). Claro que há polêmicas nisso tudo. Há quem continue identificando o menottismo à uma postura mais esquerdista. Outros argumentam que o estilo clássico é uma aplicação do individualismo liberal ao futebol, enquanto o estilo bilardista seria um estilo que mostraria a predominância do coletivo sobre o individual.
E a geração de 1986 está muito presente na AFA. Começando pelo próprio Bilardo como coordenador de seleções e passando pela presença de Diego Maradona e Sergio Batista como treinadores, o bilardismo se mostra mais forte do que nunca. E não é coincidência que isso coincida com a presença do peronismo no governo, aliado à AFA na questão dos direitos de transmissão do campeonato argentino.
Como se vê, tudo na Argentina é política. Pode-se ser peronista ou antiperonista até no tipo de futebol que se gosta de assistir.
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Texto muito interessante. Parabéns.
É muito bom conhecer a história de um país que eu adoro. Muito obrigado. Sensacional.