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Peronismo de Arquibancada

24 de maio de 1981. Em meio a uma partida entre Nueva Chicago e Defensores de Belgrano a polícia prende dezenas de torcedores do time da casa. Mas o crime cometido não tinha nada a ver com violência. Os torcedores foram presos em massa por cantar a “Marcha Peronista” nas arquibancadas em plena ditadura militar.

Não foi um episódio isolado. O pequeno clube se situa em Mataderos, um bairro operário de Buenos Aires com profundos vínculos com a tradição peronista. Muitos moradores sentiam na pele a repressão, e acreditavam que o próprio bairro vinha sendo prejudicado pelo governo, como uma retaliação à sua relação com o ex-presidente cujos militantes eram reprimidos nas ruas.

A tradição peronista sempre foi muito forte entre as torcidas organizadas argentinas. A eterna discussão entre torcedores do Boca e do Racing sobre para quem torcia o general é apenas a face mais visível dessa história. Muitas dessas torcidas se definem exatamente pela sua paixão pelo peronismo.

Um exemplo é o de Carlos Pascual Tula, histórico chefe da torcida do Rosário Central, famoso pelo característico bumbo que carregava pelos estádios argentinos. Ao lembrar o início de sua militância ao lado dos canallas, o velho Tula contou que “Em 1950 comecei a ir ao estádio. (…) Eu era peronista. Quando fui à cancha e vi que a torcida era peronista e cantava a marcha peronista, me fiz torcedor do Central instantaneamente”.

Na verdade, a torcida do Rosário Central é conhecida como uma das mais peronistas do país, junto com Cólon, Nueva Chicago, Tigre, Chacarita Jrs., Lanus, Gimnasia La Plata, San Martin de Tucumán, Belgrano e Boca Juniors. Várias dessas torcidas são aliadas históricas, justamente em função da afinidade política.

Uma das uniões mais estáveis desse tipo é entre as torcidas do Tigre e do Chacarita Jrs., que cantam no estádios a música: “Perón y Evita! Tigre y Chacarita!”. Os funebreros também mantém longa relação de amizade com os hinchas do Rosário Central, baseada na afiliação mútua ao peronismo (acima).

Mas as coisas mudaram muito no mundo dos torcedores organizados argentinos. Como é do conhecimento geral, nos últimos 20 anos os barra-bravas não apenas se tornaram muito mais violentos como ainda passaram a funcionar como grupos de pressão política, chegando a obter recursos e benefícios através da chantagem. Muitas se vendem facilmente a qualquer agrupamento político que lhes conceda apoio.

Com o peronismo no poder há 9 anos, nada mais natural que esses agrupamentos buscassem seu apoio, inclusive utilizando como argumento a relação histórica das hinchadas com o peronismo. O elemento mais visível deste novo momento é a organização denominada “hinchadas unidas argentinas”, que congrega barra-bravas de muitas equipes e tem atuação muito destacada no contexto político argentino. Muitos vêem a pura e simples cooptação política peronista por trás desse movimento.

Houve um tempo em que os campos de futebol argentinos eram palco de disputa política e até de expressão de resistência à ditadura. Nesse contexto, o peronismo, como movimento político muito ligado à classe trabalhadora, tornou-se muito forte entre os torcedores. Atualmente, bandeiras de Perón e Evita continuam muito comuns nos estádios. Só não se sabe até onde isso mostra lealdade política e quando é oportunismo puro e simples.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

3 thoughts on “Peronismo de Arquibancada

  • mgHUXs That’s way more clever than I was expecting. Thanks!

  • Priscila

    Otimo texto! Tenho uma paixão enorme pelas hinchadas argentinas.

  • Cléber

    As torcidas de Tigre e Chacarita foram amigas até o final dos anos 70, quando terminou a amizade. Hoje são inimigas mortais.

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