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Para tentar entender: argentinos x policiais

Confusão da última quarta no jogo Atlético MG x Arsenal

Desde Buenos Aires – Já levo três anos vivendo em Buenos Aires, Argentina. Nesse período de imersão total na cultura argenta, pude aprender algumas coisas sobre os hábitos, os costumes e a tradicional verborragia portenha, motivo de brincadeiras até mesmo por parte dos habitantes de outras províncias do país. Provei e fiquei fã do passatempo preferido de ricos e pobres; o mate (preferencialmente bem amargo).

Aprendi a escutar e pular ao som de “Los Fabulosos Cadillacs” e “Patricio Rey y Sus Redonditos de Ricota”.  A dar risada com as antigas, mas sempre atuais, piadas do finado/saudoso “Negro Olmedo” e a criticar alegando com a propriedade e conhecimento de um mestre cervejeiro (?) – como todos por aqui – que a compra da Cervejaria Quilmes pela AmBev em 1994 foi o fator determinante na alteração do gosto da principal cerveja dos argentinos.

E se vou a um estádio para assistir uma partida de futebol – na condição de torcedor – ou a algum show de Rock dentre os muitos que passam pela cidade, aprendi a saltar e cantar junto com eles o tradicional sucesso das multidões: hay que saltar… hay que saltar… él que no salta… es militar… (que inclusive admite algumas variações em sua letra). Eles não se esquecem dos sombrios sete anos de ditadura militar (de 1976 até 1983) que deixou um assombroso número de 30 mil, ou mais, desaparecidos. Defendendo o lema No olvido, ni perdono, estão cobertos de razão. Aproximadamente 30 mil – ou mais… – razões para desconfiar dos homens de farda.

Por isso, é muito difícil para os times de futebol, imprensa e sociedade argentina aceitar os incidentes ocorridos nesta semana no estádio Independência e, alguns meses atrás, no Morumbi. Existe um constante clima de aversão aos homens que representam a lei, inclusive quando querem aplicá-la com o uso da força. Chamar alguém de vigilante, policía ou rati é um insulto tremendo e nenhum jovem argentino o aceitará sem uma baita briga.

É claro que o nosso Brasil também sofreu durante os anos de ditadura militar. Também registramos desaparecidos, assassinos e assassinados, mas aqui, na Argentina, tudo é muito mais visceral. O simples fato da polícia militar impedir que os jogadores do Arsenal reclamassem com o árbitro após o término da partida, valendo-se de escudos, cassetetes de madeira e armas de munição não-letal, é uma forma de repressão que eles não aceitam. E não porque são encrenqueiros ou baderneiros, como afirmou o técnico Cuca e, antes dele, Ney Franco, mas porque possuem isso enraizado em sua história com muita dor, sangue e sofrimento.

Policial também não tem sangue de barata, mas tem preparo. Tem treinamento e técnica para controlar situações desse tipo. São agentes do Estado que atuam em situações-limite e quando o próprio Estado já não sabe o que fazer. Não vamos entrar no mérito da questão se a ação da última quarta-feira extrapolou no uso da força ou não. Muito menos procuramos inocentar os atletas do Arsenal por toda a confusão e posterior depredação do vestiário visitante. Apenas tentamos entender o porquê.

O que assistimos foi um grande choque cultural entre uma sociedade que apoia o “capitão Nascimento” e outra que vê nele alguém que gera muita desconfiança. Tudo isso potencializado por uma rivalidade Brasil-Argentina, que é saudável apenas quando obedece os limites do esporte. Se for além disso, todos nós deveríamos sentir vergonha – brasileiros, por sermos péssimos anfitriões, argentinos, por serem péssimas visitas, e seres humanos, por não conseguirmos conviver com as nossas diferenças.

Esse é o dia em que todos perdemos.

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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