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Pablo Osvaldo, mais um “italiano” na itálica história do Boca

Osvaldo celebra gol em sua estreia pelo clube do coração, na Libertadores

O apelido do Boca é Xeneize. Deriva de Zeneise, que por sua vez significa “Genovês” no idioma da Ligúria, região onde se encontra Gênova (Zena). Muitos imigrantes de lá enchiam o bairro de La Boca, que rendeu o nome dos auriazuis. A comunidade era tão numerosa que o River Plate, igualmente fundado naquele bairro (foi isso que originou a rivalidade entre eles, não exatamente razões sócio-políticas ou concorrências por popularidade ou títulos), também tem essa herança: suas cores branca e vermelha derivam da bandeira genovesa, similar à da Inglaterra.

Das imigrações não-hispânicas na Argentina, a italiana é a mais presente. Mais da metade da população tem origem na Velha Bota, sangue presente mesmo nos hermanos com mais fenótipo indígena do que europeu: Enrique Guaita, campeão pela Azzurra na Copa de 1934, era apelidado de El Indio. Para falar no Boca, é o caso também do jogador boquense mais vezes usado na seleção argentina: um goleiro que se chama simbolicamente Antonio Roma, apelidado exatamente de Tano, a gíria argentina para italiano. É uma abreviação de “napolitano” e meio que equivale ao “carcamano” dos brasileiros.

Já dedicamos um especial a Antonio Roma, falecido há dois anos: veja aqui. Já um especial para abordar jogadores históricos argentinos de origem italiana não teria fim. O enfoque maior neste é mesmo nos italianos do Boca (cujo estádio recebeu sugestivamente o amistoso entre a Itália e o Sportivo Italiano, uma semana antes da Copa de 1978: confira): os natos e os que defenderam a seleção italiana.

Um era literalmente xeneize: o genovês Francisco Priano, defensor que, no entanto, jogou uma única vez pelo clube, bem nos primórdios, em 1908. Ele preferiu defender o River mesmo, então ainda só um rival de bairro (foi titular no elenco riverplatense que chegou à elite argentina naquele mesmo ano). Provavelmente nascido como Francesco, Priano depois voltaria a Gênova e lá defenderia o Andrea Doria, clube que ao fundir-se em 1946 com a Sampierdarenese deu origem à tradicional Sampdoria.

Vale registro que seu irmão Juan Priano, nascido na Argentina, foi o primeiro sócio não-fundador do Boca e era no restaurante da família, nada menos que a primeira pizzaria que se tem notícia em Buenos Aires, que aqueles jogadores amadores costumavam ter refeições pós-jogos. Eis o salivante enxerto de edição de 1911 do jornal La Mañana a respeito de uma excursão do Boca a Montevidéu: “o lojista do Boca, Priano, teve de preparar 25 quilos de pão doce, 50 litros de vinho moscatel, 36 bandejas de ravióli, vitela meia cozida e um queijo piasentin inteiro, contra os desejos de Banchero, que o queria ralado”.

Busso (que jogou pela Argentina), Brattina, o técnico Cesarini e Novello: italianos natos do Boca

Ainda no amadorismo, jogou o centromédio Mario Busso, que destacou-se a ponto de defender a seleção argentina em 1919, quando o Boca sequer havia conquistado ainda seu primeiro título nacional. E ele estaria nos primeiros elencos campeões, faturando o próprio campeonato de 1919, 1920, 1923, 1924 e 1926 (todos os títulos argentinos do Boca na era amadora) bem como integrando a excursão de sucesso pela Europa em 1925, a primeira de um clube argentino por lá.

Raimundo Orsi nasceu na Argentina mesmo. Foi um grande jogador do Independiente ainda na época amadora também. Assim, não tinha como recusar oferta do já profissional futebol italiano em 1928, logo após ser vice nas Olimpíadas. Integrou o primeiro time penta seguido no calcio, a Juventus de 1930-35, início da grandeza dos alvinegros. E acabou participando do título mundial da Azzurra em 1934, incluindo um gol na final da Copa. Já veterano, teve uma passagem discreta pelo Boca em 1936.

Entre 1947 e 1949, atuou o meia-esquerda Eduardo Ricagni, com uma boa média de 20 gols em 49 jogos mas sem converter-se exatamente em figura. Destacou-se mais no Chacarita e no Huracán, para onde acertou sua transferência à Bota. Defendeu os rivais Juventus e Torino e também o Milan, dentre outros, e fez três jogos (com dois gols) pela Azzurra entre 1953 e 1955, mas sem ir à Copa de 1954.

O amadorismo na Argentina ruíra em 1931, com os principais clubes aderindo em massa ao profissionalismo. Mas os jogadores estavam longe do status econômico que o têm modernamente. Pelo contrário: fartos de más condições nos contratos, fizeram greve em 1948. Os clubes resistiram e improvisaram com juniores (fazendo muitos astros debandarem ao Eldorado Colombiano, sendo Alfredo Di Stéfano o caso mais célebre). No Boca, um desses juvenis foi o volante Juan Brattina, provavelmente registrado como Giovanni no nascimento pois era italiano nato. Só foi usado naquele período grevista mesmo e já em 1949 seguiu carreira no Unión de Santa Fe.

Orsi, Martino e Angelillo, os argentinos da seleção italiana que passaram pelo Boca. Orsi e Martino defenderam a Azzurra antes de chegarem ao clube

Renato Cesarini, que como Busso foi um italiano que jogou pela seleção argentina, é mais ligado a dois rivais, o Chacarita e o River. Passou pelo Boca como técnico, função onde tivera grande sucesso como um dos idealizadores de La Máquina, o mitológico time do River nos anos 40. Teria sucesso também na Juventus de Turim, onde também brilhara como jogador. Mas foi péssimo nos auriazuis: era o técnico do ano de 1949, quando o Boca, ainda não recuperado dos efeitos da greve (e debandada de seus astros por ela acarretada) por muito pouco não foi rebaixado.

Outro grande nome do futebol argentino e campeão na Juventus foi Rinaldo Martino, terceiro maior artilheiro do San Lorenzo e um dos maiores craques argentinos dos dourados anos 40. Durou só uma temporada na Juve, logo regressando à Argentina porque na Itália “não tinha corridas de cavalos”, mas tivera bom desempenho: o clube passava por seu pior jejum (quinze anos, hoje algo impensável) e foi campeão, além de render-lhe uma convocação à seleção italiana. Martino veio ao Boca na década seguinte, já em declínio. Somou só 3 gols em parcos 15 jogos.

Mais um nascido na Argentina e que defendeu a Itália foi Antonio Angelillo. Era o jovem centroavante do grande quinteto ofensivo vencedor da Copa América de 1957, título repleto de goleadas, inclusive um 3-0 no Brasil com muitos dos futuros campeões mundiais na Suécia. Foi transferido à Internazionale após aquela conquista e somou alguns jogos pela seleção italiana também. Ficou pouco tempo no Boca, mas deixou boa recordação com 16 gols em 34 jogos.

Em 1966, estreou Nicolás Novello, último italiano nato com certo destaque no futebol argentino. Ele se despediu do Boca oito anos depois, ganhando três títulos argentinos. Já Gabriel Paletta foi o último azzurro boquense antes de Pablo Osvaldo (único argentino a defender os dois lados do Derby d’Italia, Juventus x Internazionale), que estreou ontem. Ambos poderiam ter sido colegas pela Itália na Copa 2014, mas só o zagueiro atualmente no Milan terminou convocado. Paletta jogou por três anos no Boca, sem se firmar, entre 2007 e 2010. É mais lembrado por ter sido vítima de uma caneta de Ariel Ortega em um Superclásico em 2007 muito recordado pelo arsenal de jogadas plásticas do craque rival.

Osvaldo e Paletta juntos pela Itália: são o primeiro e o último em pé. E o zagueiro nos cabeludos (com trocadilho infame) tempos de Boca
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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