Hoje, definiu-se um fim de temporada raro em Rosario: a principal dupla da cidade conseguiu ser campeã nacional, ainda que o sabor tenha sido mais saboroso para o Newell’s Old Boys, campeão hoje na elite após a derrota do Lanús. O Rosario Central, por outro lado, livrou-se de três anos na 2ª divisão, intermináveis para a apaixonada massa canalla: o clube sempre havia retornado à elite na temporada posterior aos rebaixamentos; caíra em 1941, 1950 e 1984, retornando já no ano seguinte, mas desta vez estava desde 2010 na segundona.
Lembraremos as duas conquistas anteriores de cada um aos campeonatos vencidos neste 2013.
Rosario Central: Primera B 1985
Um título de 2ª divisão não é algo que um clube do porte do Central tenha que se orgulhar. Mas esta de 1985 ainda pode ser considerada ainda mais especial que a de 2013. Ainda com remanescentes do título de 1980, que fechara a época mais dourada do clube (campeão também em 1971, eliminando o Newell’s na semifinal – ver aqui -, e 1973), o clube caíra em 1984, condenado pelos promedios daquele ano (penúltimo lugar, em 18º) e 1983 (16º).
Da queda, poucos seguiram para tentar cumprir a escrita de recolocar imediatamente a equipe na elite, exceção para Héctor Chazarreta, Adelqui Cornaglia (volantes), Raúl Chaparro (meia), Ariel Cuffaro Russo (zagueiro) e os Negros Claudio Scalise (ponta-esquerda) e Omar Palma (meia-armador). O técnico era Pedro Marchetta. Dentre as caras novas, os mais conhecidos foram o zagueiro José Serrizuela (participante da Copa de 1990) e o goleiro Jorge Fossati, primeiro técnico do Internacional na vitoriosa Libertadores de 2010.
Aquela segunda divisão iria contar pelo segundo ano seguido com outro gigante, o Racing: rebaixado em 1983, La Academia batera na trave no ano anterior, ao perder a final do octagonal de acesso – a reunir do 2º ao 9º colocado pela segunda vaga à elite – para o Gimnasia y Esgrima La Plata. O alviceleste de Avellaneda teve novamente que contentar-se ao octagonal (que conseguiria vencer): a vaga direta, fornecida apenas ao campeão, foi garantida ao Central com incríveis cinco rodadas de antecedência, na 38ª de 42 rodadas. Foram 11 pontos de vantagem para o segundo colocado. Um passeio.
Duas das parcas 7 derrotas em 42 jogos vieram já após o título se garantir. Os canallas venceram 25 vezes e empataram 10. Como se não bastasse tanta antecedência, o título ainda veio com um empate: 2-2 com o Villa Dálmine, gols campeões de Serrizuela e Palma, talvez o maior ídolo da história centralista – atuou pelo clube de 1979 a 1998, entre idas e vindas. Mas o título não seria tão saboroso se não houvessem temperos extras.
Em 1985, a segundona foi disputada do início ao fim do ano. Já a elite programou-se para se ajustar ao calendário europeu, começando no segundo semestre para acabar no primeiro do ano de 1986, reforma só aplicada na 2ª divisão a partir da edição seguinte. Com isso, quem subisse à elite naquele 1985 ficaria inativo no primeiro semestre de 1986, com a 1ª divisão de 1985-86 ainda rolando.
Para manter o ritmo, os campeões da 2ª foram emprestados a clubes que seguiam jogando: Palma foi ao Colón, Cornaglia ao Platense, Cuffaro Russo ao Los Andes. Mas quem pôde comemorar foi Scalise, que foi ao Boca. Na época, também havia na elite um octagonal do 2º ao 9º, mas para definir a segunda vaga na Libertadores. Era a liguilla pre-Libertadores. E a de 1985-86 foi definida entre Boca e o arquirrival centralista, o Newell’s. O NOB venceu na Bombonera por 2-0, dois gols de seu atual técnico, Gerardo Martino. E abriu o placar no jogo de volta, em Rosario.
A partida rumou para a pancadaria mútua e ambos os times ficaram com oito em campo, após as expulsões do próprio Martino e de Jorge Pautasso (seu ajudante técnico) e Juan Llop para o Ñuls e de Enrique Hrabina, Ángel Hoyos e Jorge Higuaín (pai do atacante do Real Madrid) para o Boca. Melhor para os visitantes: conseguiram virar para 4-1 e ficar com a vaga. Scalise vestia por baixo do manto xeneize outra camisa auriazul, a de seu querido Central, e não resistiu a mostra-la na volta olímpica.
Scalise e demais canallas comemorariam ainda mais na temporada 1986-87: o Central simplesmente emendou o título da segundona com o da elite, raríssimo bicampeonato em todo o mundo e ainda único na era profissional argentina. Para completar, o vice, por 1 ponto de diferença, foi justamente o NOB. Veja aqui.
Newell’s Old Boys: Apertura 2004
O NOB soubera se recuperar bem do baque de 1986-87: entrou em sua melhor fase a partir dali, sendo campeão na temporada seguinte e vencendo outras duas vezes o campeonato até 1992, período em que também foi duas vezes vice na Libertadores. Falamos aqui, aqui e aqui. Os três títulos na elite, somados ao de 1974, serviram para iguala-lo aos também quatro levantados pelo rival Central. Mas, desde que Marcelo Bielsa deixara o clube, em 1992, o rojinegro decaíra. E ainda vira o Central ser campeão continental, na Conmebol de 1995.
Na virada do século, eram os canallas quem viviam melhor fase, sendo semifinalistas da Libertadores de 2001. A reviravolta leprosa veio sob um antigo filho da casa: Américo Gallego, que começara a carreira no clube em 1974 já após o título, nunca conseguindo ser campeão ali como jogador, pendência resolvida 30 anos depois. A Lepra ganhou dez vezes e só perdeu três nas 19 rodadas.
De destaques que chegaram ali, o goleiro paraguaio Justo Villar, que só sofreria 11 gols em 19 rodadas; o volante Ariel Zapata; o zagueiro Julián Maidana, que marcou o gol da vitória no clásico rosarino dentro do Gigante de Arroyito (jogaria no Grêmio em 2006). Nada comparados ao frisson por dois meias: Rubén Capria, El Mago dos bons momentos do Racing nos anos 90 e, principalmente, o astro Ariel Ortega. Outra estrela, o brasileiro Jardel, também chegou na época, mas não rendeu.
Somaram-se a boas peças da base, especialmente no meia Fernando Belluschi e nos zagueiros Germán Ré e Sebá Domínguez, logo vendido ao Corinthians da MSI. Ignacio Scocco, atual estrela do grande Newell’s de 2013, também estava lá, mas ainda como um iniciante reserva. Mesmo assim, marcou 2 gols – só dois a menos que o artilheiro dos campeões, Belluschi.
Quem concorreu até o fim foi o Vélez, sem títulos desde a mágica década anterior. Na última rodada, precisava torcer pela derrota rosarina e vencer em casa o nanico Arsenal, mas ficou no 1-1 e dois pontos atrás ao fim da última rodada. O goleiro velezano Gastón Sessa foi apontado como culpado, mas ainda conseguiria se recuperar no clube, sendo campeão já no torneio seguinte. Mas ganhou naturalmente o ódio da torcida do Rosario Central, onde havia jogado com certo sucesso no fim dos anos 90, a ponto de ser cogitado na época à seleção e acabar transferido ao River.
Ironicamente, o Newell’s pôde assim ser campeão com derrota: na última rodada, perdeu de 0-2 para o Independiente em Avellaneda, desfazendo a suspeita de que ambos, clubes de torcidas amigas (Gallego era ídolo no oponente também; o último título nacional no Rojo fora sob ele, em 2002), combinariam um empate, suficiente para o título leproso: “El que no salta es de Racing y Central”, cantaram. Um título especial: os rubronegros enfim ultrapassaram os canallas em títulos argentinos, 5 contra 4. Um distância aumentada hoje.
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