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Os homens do futebol

Sabella e Silvana Rossi
Sabella e a sua esposa, Silvana Rossi

Antes de começar a escrever esse texto, uma pergunta ressoava dentro de mim: Quanto o futebol pode fazer diante de uma tragédia? Quanto podem fazer os homens do futebol por aqueles que sofreram com uma catástrofe, por aqueles que perderam tudo?

Há uma semana parte considerável da cidade de Buenos Aires e zonas da grande Buenos Aires amanheceram debaixo d’água, em estado de completo desespero. Na madrugada do dia 2, um dilúvio pouco habitual –choveu três vezes mais que a média mensal- castigou uma cidade que cresce desmesuradamente e sem um planejamento que esteja de acordo.

Na Argentina o dia 2 de abril é feriado consagrado a recordar o Dia do Veterano e dos soldados que caíram na Guerra das Malvinas. Costumam ser dias tristes. Voltou a ser. Às antigas dores, se somaram o desastre climático e os choros inconsoláveis de quem perdeu em poucos momentos o esforço de uma vida inteira ou pior ainda, familiares e amigos.

Então, com o passar das horas, ficamos sabendo que em La Plata (a uns 60 km de Buenos Aires) a tormenta tinha golpeado muitíssimo mais forte. Um pesadelo. A bela cidade das diagonais estava literalmente debaixo d’água. Aqueles que puderam, salvaram suas vidas subindo nos telhados e inclusive árvores, escapando para onde podiam ficar; outros, foram levados para sempre pela água e inépcia de anos de uma classe política incapaz de levar adiante acordos programados sobre questões tão fundamentais como a infraestrutura. O número oficial de mortos é de 59, mas existem sérias suspeitas de que poderiam ser mais.

Estudiantes e Gimnasia juntos em La Plata
Estudiantes e Gimnasia juntos em La Plata

Nesse cenário desesperador, e quando tudo era dor, apareceram os heróis anônimos, que salvaram tantas vidas como apenas Deus sabe. E os gestos solidários não demoraram em se multiplicar por todo o país. Em menos de 24 horas enormes coletas de alimentos, roupa, medicamentos, colchões, artigos de limpeza, etc. Foram –e continuam sendo- organizadas por vizinhos, comunidades nos bairros, a Igreja, ONGs e organizações sociais e políticas.

Os clubes também somaram o seu compromisso. Além do minuto de silêncio em homenagem às vítimas, reuniram em suas sedes sociais enormes quantidades de bolsas com tudo que fosse necessário para distribuir entre os afetados pela inundação. Já não importava as rivalidades e tampouco as categorias. Platense, Atlanta, Ferro, Huracán, Chicago, All Boys, Quilmes, Boca, River, Independiente, Racing, San Lorenzo e Vélez, entre tantos outros solicitaram aos seus sócios a participar e redobrar os esforços para atenuar um desastre que já se converteu em uma causa nacional. Estudiantes e Gimnasia La Plata, os eternos rivais da cidade, organizaram um tipo de festival; “Juntos podemos”.

E agora que as águas baixaram, a palavra solidariedade parece ser a preferida para começar a falar de reconstrução. Entre todas as histórias que circularam nos meios foi comentado extensivamente que Juan Sebastián Verón ajudou os vizinhos com um bote, também Agustín Alayes (outro ex-Estudiantes) e Pedro Troglio (Técnico do Gimnasia e também ex-jogador da seleção) entre outros tantos.

Entretanto, e mesmo destacando o gesto de todos eles, gostaria de me deter na figura de Alejandro Sabella, o técnico da seleção. Em silêncio e como um a mais saiu desde o primeiro momento para socorrer seus vizinhos e amigos. Fez o que sua consciência disse que era o certo, ajudar. Ele e sua mulher, Silvana Rossi (formada em pedagogia), abriram as portas de sua casa para oferecer refúgio aos vizinhos e também algo quente para comer, pelo menos até a chegada da ajuda oficial. Não é pouco, ainda mais se levarmos em conta que é o técnico da seleção, uma pessoa muito reconhecida. Para ele nesse momento isso não tinha a menor importância. Seu compromisso político (desde jovem se interessou pela literatura, história e os assuntos da sociedade) empurrou ele a servir os demais em um momento de extrema necessidade.

Em um 2 de abril, mas há 31 anos a Argentina entrava em guerra pelas Malvinas, pouco tempo depois a seleção jogava a Copa do Mundo da Espanha de 1982 como se nada acontecesse. O futebol, novamente servia para tapar outros dramas, já tinha acontecido em 1978. Agora, ainda que o futebol não tenha sido suspenso pelo menos serviu para reunir vontades.

Estádio Único de La Plata funcionou como centro de coleta de doações
Estádio Único de La Plata funciona como centro de coleta de doações

Eu me perguntava o que o futebol pode fazer diante de um desastre. E realmente não sei. Suponho que os clubes fizeram mais do que se esperava, mas não faltará alguém que acredite que sempre se pode fazer mais. É provável. A AFA também poderia ter assumido um papel mais ativo, além do minuto de silêncio. Mas os homens do futebol, com Sabella liderando, fizeram o que deviam. Foram antes de mais nada, e em circunstâncias adversas, homens, homens que deixaram de lado sua fama e não esqueceram dos outros em um momento de extrema necessidade. E isso vale mais do que qualquer campeonato.

Texto de Matías Izaguirre
Tradução de Leonardo Lepri

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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